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Conte anuncia demissão e denuncia "irresponsabilidade" de Salvini

A moção de desconfiança e as atitudes recentes da Liga "impõem que interrompa aqui esta experiência de governo", disse o primeiro-ministro italiano no Senado, onde adiantou que vai de seguida entregar o pedido de demissão ao presidente da República.

Reuters
20 de Agosto de 2019 às 15:02
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Foi com um duríssimo discurso contra a "irresponsabilidade" e "oportunismo político" de Matteo Salvini que o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, anunciou que se demite da chefia do Executivo transalpino. 

Depois de cumprimentar cordialmente Matteo Salvini, líder da Liga (extrema-direita soberanista), e também o outro vice-primeiro-ministro e líder do 5 Estrelas (Luigi Di Maio), Conte, que discursou no meio de ambos, disse não aceitar "crises nas redes sociais" e acusou o também ministro do Interior de "oportunismo político" por tentar aproveitar o bom momento nas sondagens para precipitar o regresso às urnas.

Considerando "incongruente" e uma "grave imprudência", Giuseppe Conte mostrou não perceber como foi possível a Salvini promover a queda do primeiro-ministro mantendo em funções os ministros da Liga, Salvini incluído. Sempre com o seu ministro na mira, lembrou o pedido feito há uma semana por Salvini, quando pediu "plenos poderes" para levar a cabo o programa político da Liga.

"Não precisamos de homens com plenos poderes, mas de homens com noção da cultura das regras e do respeito institucional", atirou sublinhando que Itália tem uma "democracia parlamentar" que escusa a agitação das praças feitas nas últimas semanas por Salvini. 

"Os comportamentos adotados nos últimos dias pelo ministro do Interior revelam escassa responsabilidade institucional e uma grave carência de cultura constitucional. Assumo a responsabilidade daquilo que digo", continuou o antigo professor da Universidade de Florença.

Foram dois os momentos em que o professor de Direito reconheceu não existirem condições para o atual governo permanecer em funções. "A crise em curso compromete a ação deste governo, que aqui é interrompida", começou por dizer para depois concluir que a moção de desconfiança contra si próprio apresentada há uma semana pela Liga, bem como as declarações feitas desde então por vários elementos do partido, com Salvini à cabeça, "impõem que interrompa aqui esta experiência de governo". 

Conte acrescentou que ainda esta tarde irá entregar em mãos um pedido de demissão ao presidente italiano, Sergio Mattarella, e lembrou que será necessária unidade e margem para compromissos de forma a assegurar aquilo que representa uma "delicada passagem institucional".

O político independente que chefiou durante cerca de 14 meses o governo transalpino defendeu ainda que persiste por "clarificar" o caso relacionado com as ligações da Liga à Rússia, precisamente a polémica que Salvini rejeitou explicar no Senado e que levou Conte à câmara alta do Parlamento italiano para prestar justificações posteriormente consideradas insuficientes e "desleais" pelo ministro do Interior. 

Recordando o papel determinante que Itália teve na viabilização do nome da alemã Ursula von der Leyen para presidente da próxima Comissão Eurpeia, alguém "mais favorável aos interesses" de Itália, Giuseppe Conte ajustou a ótica no plano europeu para defender que a crise aberta por Salvini "é suscetível de precipitar o país para uma fase de incerteza política e debilidade financeira",  desde logo porque "fragiliza" ainda mais a posição do país no diálogo com a Comissão Europeia a poucos meses do momento de negociar, com Bruxelas, o orçamento para 2020 (tem até 15 de outubro para enviar um rascunho orçamental).

E quanto ao rápido regresso às urnas pretendido por Salvini, que lidera destacadamente as sondagens com perspetivas de ter maioria absoluta em conjunto com o Irmãos de Itália (extrema-direita) de Giorgia Meloni, Conte salientou que "votar é a essência da democracia", para logo receber irónicos aplausos dos senadores da Liga, acrescentando logo de seguida que, porém "votar a cada ano é uma irresponsabilidade". 

Salvini apoia orçamento com "50 mil milhões para cortar impostos"

Foi já na bancada da Liga e não junto ao restante elenco governativo que Matteo Salvini respondeu às duras considerações de Conte, notando que "para fazer tantos insultos" mais valia ter sido o jornalista [Roberto] Saviano ou o ex-primeiro-ministro [Matteo] Renzi a falar.

Salvini voltou a responsabilizar os "nãos" do governo que não permitiram avançar com as mudanças e reformas necessárias e criticou Conte por nunca o ter consultado antes de dialogar com os parceiros sociais sobre políticas determinantes para Itália.

Numa fase em que se desconhece ainda qual a solução política que resultará desta crise, mas antecipando desde já que o por si pretendido cenário de eleições antecipadas pode não ocorrer, Salvini disse que a Liga está "pronta a apoiar um orçamento que inclua, pelo menos, 50 mil milhões de euros para baixar impostos às famílias, trabalhadores e empreendedores italianos".

Antevendo já um eventual chumbo de Bruxelas a tais pretensões orçamentais, isto depois de Itália se ter comprometido com um aumento do IVA a partir de 1 de janeiro de 2020 para gerar receitas adicionais de 23 mil milhões de euros, Salvini lembrou que os 50 mil milhões estão abaixo das intenções de França.

Foi o momento para o soberanismo de Salvini ganhar destaque: "Não a [Angela] Merkel e a [Emmanuel] Macron. Sim a um povo soberano", proclamou defendendo que também Alemanha e França não cumpriram as regras que criaram. 

Com o anúncio de demissão, Conte esvaziou a votação da moção de censura programada para o final do debate que ainda decorre no Senado. Afastado o primeiro-ministro e perante a possibilidade de 5 Estrelas se juntar ao PD (centro-esquerda) para uma nova maioria de governo, Salvini testou a margem para que o atual executivo prossiga em funções. "Se querem concluir as reformas [iniciadas], aqui estamos. Se quiserem governar com [Matteo] Renzi, boa-sorte", atirou. 

Mais do que o atual líder do PD, Nicola Zingaretti, é ainda Renzi o principal rosto do centro-esquerda e quem mais tem defendido, a par do também ex-primeiro-ministro Romano Prodi, que o partido deve juntar-se ao 5 Estrelas para um executivo de salvaguarda dos interesses do país. 

Quando receber o pedido de demissão de Conte, caberá a Mattarella decidir se o aceita. Aceitando, como aliás é provável, o presidente terá de ouvir os partidos representados no parlamento para aferir as possibilidades de formação de um governo que assegure a principal prioridade de Mattarella - aprovar o próximo orçamento sem uma nova frente "combate" com Bruxelas -, que se não se verificarem deixarão Itália à beira de eleições no outono. 

(Notícia atualizada às 16:00)

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