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Salário de entrada dos licenciados ainda não recuperou da queda da troika
Estudo do Banco de Portugal que abrange o período de 2006 a 2020 mostra que os salários de entrada dos licenciados ainda não recuperaram da forte quebra registada no programa de ajustamento. E conclui que o salário de entrada é importante para a evolução ao longo da vida
Os salários com que os licenciados entraram no mercado de trabalho sofreram uma quebra acentuada durante o programa de ajustamento e em 2020 eram ainda inferiores, em termos reais, do que os de 2006. A conclusão é de um estudo do Banco de Portugal que também conclui que o perfil salarial ao longo da vida "depende do momento e das condições de entrada no mercado de trabalho".
O estudo sobre "a distribuição dos salários em Portugal no período 2006-2020", publicado em complemento ao próximo Boletim Económico, baseia-se nos quadros de pessoal, uma extensa base de dados administrativa do setor privado que se baseia na informação obrigatoriamente comunicada por todas as empresas através do Relatório Único.
A partir da análise de uma amostra relativa a 559,8 mil empresas e a 4,4 milhões de trabalhadores os autores descrevem a influência do salário mínimo nos salários mais baixos e a forma como os salários mais altos foram ficando, em termos relativos, para trás.
Assim, entre 2006 e 2020, um período de inflação baixa, envelhecimento, subida da escolaridade e da taxa de atividade das mulheres, os salários cresceram em média 1% ao ano, em termos reais. Este período ficou também marcado por três recessões, com a maioria dos gráficos a sugerir que a do programa de ajustamento (2011-2014), marcada por elevadas taxas de desemprego e alterações ao Código do Trabalho destinadas a reduzir salários, foi de longe a que deixou marcas mais fortes nas remunerações.
Os salários das mulheres cresceram mais (1,4%) do que os dos homens e, em parte por causa do salário mínimo, "os grupos com salários mais elevados tiveram crescimentos salariais mais baixos".
Os autores destacam a queda do salário real dos trabalhadores com ensino superior e secundário. Num período marcado pela entrada de jovens com ensino secundário, "a média do salário real dos trabalhadores com ensino secundário reduziu-se de 1.092 euros, em 2006, para 1.047 euros, em 2020" (redução de 4%).
Já o salário real médio dos trabalhadores com ensino superior era de 1.745 euros em 2006, "134 euros acima do observado em 2020" (-9%).
Também no caso de quem tem mestrado o salário real recuou (-5%).
Neste período, a implementação do Processo de Bolonha, que encurtou a licenciatura, contribuiu para a redução do prémio salarial dos licenciados, que foi ainda assim 52% acima do dos trabalhadores com ensino secundário (60% em 2006).
E para quem chegou ao mercado de trabalho?
Neste contexto, e olhando especificamente quem entrou no mercado de trabalho em função do ano em que o fez, e para o seu percurso ao longo da carreira, destaca-se "uma redução muito acentuada do salário médio de entrada destes trabalhadores [licenciados] entre 2010 e 2014. Atualmente, "o salário médio real de entrada ainda é inferior ao observado entre 2006 e 2010", apesar da subida dos últimos anos, tal como ilustra o gráfico.
Assim, o salário de entrada dos licenciados passou de 1.088 euros em 2006 para 852 euros em 2014, subindo até aos 1.050 euros em 2020. No caso de quem tem o ensino secundário ou um mestrado o salário real subiu.
Depois, os autores olham para a evolução dos salários reais dos licenciados por escalões etários e sugerem que há diferenças geracionais.
Isto porque o salário dos indivíduos entre 25 e 34 anos (2.073 euros) era em 2020 ainda inferior ao que em 2006 apresentava o escalão etário imediatamente em cima (2.102 euros).
"Tal ilustra a importância do salário de entrada na definição do salário ao longo da vida", conclui o estudo preparado por Sónia Félix, Fernando Martins, Domingos Seward e Marta Silva.
Há no entanto formas de contrariar esta tendência: neste mesmo período quem mudou de emprego teve no ano da mudança um aumento de 5% (9% no caso dos licenciados), que compara com 2% para os trabalhadores que permaneceram na mesma empresa.
O salário mínimo reduz desigualdades com compressão salarial
Ao longo de todo o estudo o salário mínimo, que abrangia 23,6% dos trabalhadores em 2020 (contra 7,6% em 2006) é apresentado como uma das explicações para a compressão salarial.
Conjugado com aumentos dos salários médios e medianos mais moderados, este foi também um fator de redução das desigualdades salariais (com o rácio entre os 10% que mais ganham e os 10% que menos ganham a passar de 4,1 em 2006 para 3,2 em 2020) ou entre homens e mulheres, muito mais expostas ao salário mínimo.
Até porque apesar de haver agora muito mais mulheres licenciadas empregadas (30%) do que homens (19%) nos últimos anos terminados em 2020 a diferença salarial entre homens e mulheres com ensino superior "estabilizou", notam os autores.