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Tribunal reconhece contrato de trabalho a estafeta da Uber Eats

É a primeira decisão que se conhece neste sentido em tribunal. Um estafeta viu reconhecido esta quinta-feira o direito a ter um contrato sem termo com efeitos retroativos a 1 de Maio, data da entrada em vigor da nova lei. Questionada, a Uber, que ainda pode recorrer, diz que ainda não foi informada da decisão.

A proposta de diretiva foi apresentada em dezembro, quando se estimou que mais de 28 milhões de pessoas trabalhavam em plataformas na UE. Prevê-se que em 2025 sejam 43 milhões.
Miguel Baltazar

É a primeira decisão que se conhece, em tribunal, desde a entrada em vigor das novas regras que facilitam o reconhecimento de um contrato de trabalho a estafetas ou motoristas que trabalham para as grandes plataformas digitais:o Tribunal da Trabalho de Lisboa reconheceu um contrato de trabalho sem termo, com todos os direitos inerentes, a um estafeta da Uber Eats Portugal, com retroativos a 1 de maio, data de entrada em vigor das alterações ao Código do Trabalho.

Na sentença, explica-se que a ação foi intentada pelo Ministério Público, na sequência das inspeções da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) que resultaram em 861 participações ao Ministério Público.

"Julga-se a ação procedente e, em consequência, reconhece-se a existência de um contrato de trabalho, sem termo" entre um estafeta e a Uber Eats Portugal Unipessoal, Lda, "com início em 1 de maio de 2023", conclui a sentença Tribunal do Trabalho de Lisboa, de 1 de fevereiro, a que o Negócios teve acesso.

Uma atividade "aparentemente autónoma"

Tal como se explica nos fundamentos da pretensão exposta pelo Ministério Público, que a Uber Eats não contestou, na sequência de uma inspeção verificou-se a existência "de uma prestação de atividade aparentemente autónoma, mas prestada em condições análogas à de contrato de trabalho".

Isto porque através de um "contrato de parceiro de entregas independente", "a plataforma controla a atividade do prestador; restringe a sua possibilidade de aceitar ou recusar tarefas; fixa a retribuição para o trabalho efetuado", alegou o Ministério Público, seguindo os indícios que constam da lei que entrou em vigor a 1 de maio. "O desenvolvimento dessa relação é de verdadeiro contrato de trabalho."

O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízo do Trabalho de Lisboa) analisou, assim, a existência de contrato de trabalho sem termo e a data do seu início, à luz das novas regras que determinam que basta que se cumpram dois de seis indícios para que o contrato de trabalho seja reconhecido. E deu como provadas cinco dessas características. 

Entre eles estão, simplificadamente, a fixação de retribuição ou o estabelecimento de limites mínimos ou máximos; o exercício do poder de direção, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade e à sua conduta; a supervisão da prestação da atividade, através de meios eletrónicos ou gestão algorítmica; o exercício do poder disciplinar como a exclusão de conta; e o facto de os instrumentos de trabalho pertenceram à plataforma digital.

As regras, a fixação do salário, a geolocalização

Uma das grandes dúvidas era a de saber se os juízes iam encontrar factos que sustentassem a verificação das caraterísticas exigidas por lei, até porque os inspetores do trabalho reconheceram algumas dificuldades nas inspeções que resultaram em notificações a 16 plataformas digitais

A sentença explica que o estafeta executa a sua atividade "nos termos que lhe são impostos, e que obriga ao uso de equipamentos de trabalho próprios, como sejam a mota/bicicleta, a mochila térmica e o telemóvel"; que existem requisitos mínimos definidos pela Uber quanto à dimensão da mochila "– 44 cm de largura x 35 cm de profundidade x 40 cm de altura" bem como ao seu estado de conservação e limpeza; que a plataforma fixa, "unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efetua", e que os pagamentos são regulares; que o estafeta não escolhe os clientes; que a entrega dos pedidos pode ser controlada "em tempo real pela plataforma"; que os clientes finais "são convidados a dar feedback"; que a plataforma pode "desativar a conta" ou que a plataforma tem acesso à localização do estafeta. Facto que são expostos para concluir que a relação de trabalho é na verdade dependente. 

"De onde se encontram preenchidas cinco factos base da presunção", lê-se na sentença, que julga a ação procedente e reconhece a existência de um contrato de trabalho.

Uber diz que não conhece a decisão

O Negócios contactou a Uber para saber se a empresa vai recorrer da sentença. Fonte oficial respondeu que a Uber ainda não tem conhecimento da decisão, com data de 1 de fevereiro.

Para Teresa Coelho Moreira, a jurista que acompanhou a elaboração da nova lei desde que ajudou a coordenar o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, esta "é uma boa decisão que mostra que apesar de se poderem dar outros nomes a este tipo de contrato, neste caso específico as características do novo artigo [da lei] estavam preenchidas".

A professora de Direito do Trabalho da Universidade do Minho acredita que podem surgir mais decisões neste sentido.

"Maior autonomia ou flexibilidade não significa que não seja um contrato de trabalho [dependente] com a plataforma digital", disse, em resposta a às questões do Negócios.

Notícia atualizada às 14:09 com mais informação


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