Notícia
3 - "Value Investing"
16 de Outubro de 2008 às 17:12
“Investir em valor” significa isso mesmo: comprar acções que o investidor considere claramente baratas para as vender mais tarde, mais caras. É o maravilhoso mundo do “comprar barato e vender caro”. Como ninguém será capaz de discordar, vê-se que o busílis fica no método. Mais ainda: como é possível? Então não anda tudo ao mesmo? Os outros andam a dormir?
O pressuposto da metodologia é que os mercados não são eficientes, ao contrário do que assevera uma teoria académica que esteve muito em voga. Então, há oportunidades que só alguns notam, antecipando-se e esperando que o mercado, mais tarde ou mais cedo, dê o apreço adequado a tais acções, que, ao serem compradas, estão presumivelmente baratas. O que se faz é encontrar o chamado “valor intrínseco”, ideia que consiste em considerar que, para além da cotação, a qual resulta da lei da oferta e da procura, há uma valia escondida, a que a cotação pode ou não corresponder, mas que acabará por surgir (“value will come up”).
E como se encontra tal valor? Vai-se aos relatórios e contas passados das empresas e, através de rácios adequados (principalmente), encontra-se o El Dorado. Isto implica que o estado do mercado é uma treta a esquecer, suba ou desça não importa, quem comprou bem vai vender bem (ou conservar), ainda que precise de uma data de anos para que a valorização ocorra (é frequente ter de esperar 5 anos). Se der para o torto, também não há problema, pois, quando se comprou, nem foi ao preço justo, mas sim mais barato, coisa mensurável em 25%, pelo que se criou uma “margem de segurança”.
Ao comprar uma acção, pensa-se como se se fosse comprar a própria empresa, o preço de venda nem interessa tanto, o que conta é os ganhos que ela vá proporcionando.Atrás, em “Avaliar as Acções”, encontra alguns rácios, entre os quais os preferidos de Benjamin Graham (Per, Dy e PBV).
Compreenda-os e aproveite-os, que só pode ganhar com isso. O criador desta famosa estratégia foi exactamente esse senhor, um professor de Columbia, nos longínquos anos 30 do século passado, e o seu mais famoso aluno foi nada mais nada menos que Warren Buffett (vide nota de rodapé).Então, não há que saber.
Se isto é assim, agarramo-nos aos relatórios, fazemos os rácios ou encontramo-los na Internet e vivemos felizes para sempre. E é tudo tão róseo sempre? O que aconteceu foi que, quando Graham começou, as Bolsas, mesmo a americana, eram altamente ineficientes, por falta ou lentidão de informação, e a América vinha da Grande Depressão e do crash de 1929, de modo que o desinteresse do público pelas acções era enorme.
As pérolas estavam lá para serem apanhadas. Buffett começou um pouco mais tarde, mas a sua famosa Hathaway Berkshire foi adquirida ainda em 1965, quando a sua fortuna se começou a avolumar. Tudo isto era no tempo de Walt Disney. E nos Estados Unidos onde há 20 mil empresas cotadas e não um pouco mais de 60 como em Portugal.
Agora, o leitor enfrenta mercados avançados muito eficientes, catadupas de Fundos de acções, com milhares de analistas atrás de oportunidades, alguns deles competentes, e milhões de particulares com a mesma informação. Para não falar que gente como Buffett compra empresas e passa a administrá-las ou, pelo menos, a orientá-las, e então o que apenas tinha potencialidades torna-se excelente. Ou adquire uma têxtil no Mississippi, deslocaliza-a para o México e vende os terrenos sobrevalorizados.
Pelo menos, um lugar estratégico na administração é de preceito. Dão uma mãozinha no valor escondido, de tal modo que já é outro jogo. Este ponto é altamente assinalável: não se trata de simplesmente encontrar um diamante no chão, mas sim de o trabalhar até à forma final, pois eventualmente só aí ganha valor. É a visão do que a empresa pode passar a ser, até muito diferente, que contém “o valor escondido”. Como vemos, “Value Investing” é muitas vezes confundido com o que se designa como “corporate raiding” ou aproximações semelhantes, em que cada vez mais se salientam os chamados “hedge Funds” (vide adiante).
Aliás, Buffett distingue-se ainda do “Value Investing” simples, na superior exigência, pois impõe outros critérios, como a “qualidade do negócio”, “compreender profundamente a empresa”, “confiar absolutamente no management” e, acrescentando ainda aperfeiçoamentos nos critérios e rácios que servem de base à avaliação mais comum.
Mas se isto está fora do alcance do investidor vulgar e até da maioria dos Fundos (que, aliás, em média não batem o mercado), não quer dizer que não se ponham aqui os olhos. Pelo contrário. Primeiro, se o investidor não descobrir pérolas, também aprende a não enfiar barretes.
Depois, convém saber que nos momentos maus do mercado, em que as forças da oferta estão à solta, e a irracionalidade impera, ou os Fundos se vêem obrigados a “despejar” parte das enormes carteiras, porque os resgates a isso obrigam, então aparecem mesmo saldos que qualquer um pode comprar. Mantenha-se em linha, que mais adiante tornamos tudo mais coerente.
Para já, fixe que o “Value Investing” apresenta claros méritos, estes até os mais populares e recomendados, que iremos seguramente aproveitar. Só é necessário prosseguir com a já apregoada teoria dos “Pés assentes no chão” e perceber o que é realista. Mas não se despeça sem ouvir que a inflexibilidade metodológica do “Value Investing”, agravada pelos tempos mais exigentes que são os actuais, cria situações desvantajosas para os apoiantes inexoráveis. Primeiro, verifique que se propõe uma estratégia baseada na “performance” do passado e meramente quantitativa.
Ora, a boa eficiência, e o bom senso e exigência, tem de ficar em permanente alerta quanto ao futuro, tudo um tanto incompatível com a ideia generalizada de que se compra e se esquece o que está em carteira.Grave será também não complementar a análise “Value”, quantitativa como vimos, com a qualitativa, a referente à boa percepção dos elementos que contribuem e irão contribuir para o futuro? Uma marca? Um produto? Uma estratégia de globalização? Uma avisada política de crescimento orgânico? Etc., etc.
Ora, sem se perceber quais são os catalisadores do valor, não se sabe se são números estáticos, não o que os pode dinamizar o valor. Pense só nos seguintes casos, meramente exemplificativos, e repare que o paradigma falha inevitavelmente (como qualquer outro), mas é demasiado rígido, para mitigar os óbices:
— Em “Value Investing”, o Google, uma “Growth stock”, nem seria candidata, tendo entrado em Bolsa com um PER na zona dos 150. Os 700% de lucro em três anos seriam para os outros.
— Em 2000, bem teria de ver afundar a (excelente) Wall Mart, porque, estando nos critérios, sem boa alternativa, e desprezando o estado do mercado, deveria conservar-se em carteira. Estamos assim como o capitão do navio
— vamos a pique com o barco.
— E se o sol está forte e o barco vai nas calmas, com os veraneantes bronzeados em Bull Market excessivo, então sai-se porque tudo está caro, sem dar a hipótese de ficar ainda mais caro. O que, por exemplo, aconteceu com Buffett em 1996. De igual modo, para regressarmos à pátria e a gente mais comezinha, uma newsletter de investimento recomendava vender Mota-Engil, em 2005, exactamente quando ela se preparava para valorizar 100%.
In “A Bolsa Para Iniciados”, de Fernando Braga de MatosEditorial Presença
O pressuposto da metodologia é que os mercados não são eficientes, ao contrário do que assevera uma teoria académica que esteve muito em voga. Então, há oportunidades que só alguns notam, antecipando-se e esperando que o mercado, mais tarde ou mais cedo, dê o apreço adequado a tais acções, que, ao serem compradas, estão presumivelmente baratas. O que se faz é encontrar o chamado “valor intrínseco”, ideia que consiste em considerar que, para além da cotação, a qual resulta da lei da oferta e da procura, há uma valia escondida, a que a cotação pode ou não corresponder, mas que acabará por surgir (“value will come up”).
Ao comprar uma acção, pensa-se como se se fosse comprar a própria empresa, o preço de venda nem interessa tanto, o que conta é os ganhos que ela vá proporcionando.Atrás, em “Avaliar as Acções”, encontra alguns rácios, entre os quais os preferidos de Benjamin Graham (Per, Dy e PBV).
Compreenda-os e aproveite-os, que só pode ganhar com isso. O criador desta famosa estratégia foi exactamente esse senhor, um professor de Columbia, nos longínquos anos 30 do século passado, e o seu mais famoso aluno foi nada mais nada menos que Warren Buffett (vide nota de rodapé).Então, não há que saber.
Se isto é assim, agarramo-nos aos relatórios, fazemos os rácios ou encontramo-los na Internet e vivemos felizes para sempre. E é tudo tão róseo sempre? O que aconteceu foi que, quando Graham começou, as Bolsas, mesmo a americana, eram altamente ineficientes, por falta ou lentidão de informação, e a América vinha da Grande Depressão e do crash de 1929, de modo que o desinteresse do público pelas acções era enorme.
As pérolas estavam lá para serem apanhadas. Buffett começou um pouco mais tarde, mas a sua famosa Hathaway Berkshire foi adquirida ainda em 1965, quando a sua fortuna se começou a avolumar. Tudo isto era no tempo de Walt Disney. E nos Estados Unidos onde há 20 mil empresas cotadas e não um pouco mais de 60 como em Portugal.
Agora, o leitor enfrenta mercados avançados muito eficientes, catadupas de Fundos de acções, com milhares de analistas atrás de oportunidades, alguns deles competentes, e milhões de particulares com a mesma informação. Para não falar que gente como Buffett compra empresas e passa a administrá-las ou, pelo menos, a orientá-las, e então o que apenas tinha potencialidades torna-se excelente. Ou adquire uma têxtil no Mississippi, deslocaliza-a para o México e vende os terrenos sobrevalorizados.
Pelo menos, um lugar estratégico na administração é de preceito. Dão uma mãozinha no valor escondido, de tal modo que já é outro jogo. Este ponto é altamente assinalável: não se trata de simplesmente encontrar um diamante no chão, mas sim de o trabalhar até à forma final, pois eventualmente só aí ganha valor. É a visão do que a empresa pode passar a ser, até muito diferente, que contém “o valor escondido”. Como vemos, “Value Investing” é muitas vezes confundido com o que se designa como “corporate raiding” ou aproximações semelhantes, em que cada vez mais se salientam os chamados “hedge Funds” (vide adiante).
Aliás, Buffett distingue-se ainda do “Value Investing” simples, na superior exigência, pois impõe outros critérios, como a “qualidade do negócio”, “compreender profundamente a empresa”, “confiar absolutamente no management” e, acrescentando ainda aperfeiçoamentos nos critérios e rácios que servem de base à avaliação mais comum.
Mas se isto está fora do alcance do investidor vulgar e até da maioria dos Fundos (que, aliás, em média não batem o mercado), não quer dizer que não se ponham aqui os olhos. Pelo contrário. Primeiro, se o investidor não descobrir pérolas, também aprende a não enfiar barretes.
Depois, convém saber que nos momentos maus do mercado, em que as forças da oferta estão à solta, e a irracionalidade impera, ou os Fundos se vêem obrigados a “despejar” parte das enormes carteiras, porque os resgates a isso obrigam, então aparecem mesmo saldos que qualquer um pode comprar. Mantenha-se em linha, que mais adiante tornamos tudo mais coerente.
Para já, fixe que o “Value Investing” apresenta claros méritos, estes até os mais populares e recomendados, que iremos seguramente aproveitar. Só é necessário prosseguir com a já apregoada teoria dos “Pés assentes no chão” e perceber o que é realista. Mas não se despeça sem ouvir que a inflexibilidade metodológica do “Value Investing”, agravada pelos tempos mais exigentes que são os actuais, cria situações desvantajosas para os apoiantes inexoráveis. Primeiro, verifique que se propõe uma estratégia baseada na “performance” do passado e meramente quantitativa.
Ora, a boa eficiência, e o bom senso e exigência, tem de ficar em permanente alerta quanto ao futuro, tudo um tanto incompatível com a ideia generalizada de que se compra e se esquece o que está em carteira.Grave será também não complementar a análise “Value”, quantitativa como vimos, com a qualitativa, a referente à boa percepção dos elementos que contribuem e irão contribuir para o futuro? Uma marca? Um produto? Uma estratégia de globalização? Uma avisada política de crescimento orgânico? Etc., etc.
Ora, sem se perceber quais são os catalisadores do valor, não se sabe se são números estáticos, não o que os pode dinamizar o valor. Pense só nos seguintes casos, meramente exemplificativos, e repare que o paradigma falha inevitavelmente (como qualquer outro), mas é demasiado rígido, para mitigar os óbices:
— Em “Value Investing”, o Google, uma “Growth stock”, nem seria candidata, tendo entrado em Bolsa com um PER na zona dos 150. Os 700% de lucro em três anos seriam para os outros.
— Em 2000, bem teria de ver afundar a (excelente) Wall Mart, porque, estando nos critérios, sem boa alternativa, e desprezando o estado do mercado, deveria conservar-se em carteira. Estamos assim como o capitão do navio
— vamos a pique com o barco.
— E se o sol está forte e o barco vai nas calmas, com os veraneantes bronzeados em Bull Market excessivo, então sai-se porque tudo está caro, sem dar a hipótese de ficar ainda mais caro. O que, por exemplo, aconteceu com Buffett em 1996. De igual modo, para regressarmos à pátria e a gente mais comezinha, uma newsletter de investimento recomendava vender Mota-Engil, em 2005, exactamente quando ela se preparava para valorizar 100%.
In “A Bolsa Para Iniciados”, de Fernando Braga de MatosEditorial Presença