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Revolução também permitiu o regresso de quem fugiu à guerra

Entre as centenas de milhares de pessoas que chegaram a Portugal após o 25 de Abril estavam muitos opositores à ditadura, forçados ao exílio, que rejubilaram com a perspectiva de poderem regressar ao país.

Correio da Manhã
25 de Abril de 2014 às 17:00
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Fernando Cardeira estava contra a guerra colonial e, por isso, desertou do Exército, atravessando a fronteira a salto, pela serra do Gerês.

 

Os desertores eram caso raro, mais frequente era a fuga à tropa através da emigração clandestina. Desertar era diferente: implicava um protesto deliberado por parte de quem já estava nas Forças Armadas ou até na guerra.

 

Nenhum caso de deserção dará tanto que falar como o do grupo em que segue Fernando Cardeira. Nos meses de Setembro e Outubro de 1970, desertaram dez ex-alunos da Academia Militar, a cumprir o serviço militar obrigatório em diferentes quartéis e que seriam mobilizados para o Ultramar.

 

Fernando Cardeira escolheu a Suécia, que lhe deu um "apoio fantástico e desinteressado", e a mulher, Conceição, juntou-se-lhe pouco tempo depois. O casal sobreviveu a "quatro anos de um corte total com o país", que, naquela época, pareciam "mais tempo", porque "as notícias eram poucas".

 

A mãe de Fernando vivia numa aldeia que tinha "um único telefone" e era preciso combinar previamente o dia e a hora para falar. "Não podíamos telefonar, porque não era conveniente, as conversas eram escutadas", recordou.

 

Tinham "pouco conhecimento sobre a situação política" em Portugal, embora tivessem a sensação de que o fim do regime era, cada vez mais, "uma questão de tempo".

 

Quando souberam do 25 de Abril, desmontaram a casa na Suécia tão rapidamente quanto possível, mas não conseguiram chegar a tempo do primeiro 1 de Maio em democracia e não presenciaram esse "grito de euforia".

 

Quando chegaram a Portugal, encontraram um país "completamente diferente" do que tinham deixado, quatro anos antes. As pessoas "falavam, saíam à rua, diziam o que queriam, diziam o que pensavam", recordou Conceição.

 

Habituados a "um país arrumadinho, onde as coisas são certinhas", estranharam a confusão instalada em Portugal, mas saboreavam o clima ameno e o convívio social.

 

"A hipótese de ficar na Suécia nunca se pôs, a minha deserção, e a minha esposa acompanhou-me, foi por razões políticas, não foi por quaisquer outras razões (...). Estava sempre na nossa mente voltar, logo que fosse possível", explicou Fernando Cardeira.

 

O regresso a Portugal foi desejado, mas não foi fácil. Os certificados de habilitações da Suécia "não valiam nada": Conceição teve de voltar à universidade para terminar o curso de Germânicas e Fernando voltou à Engenharia no Instituto Superior Técnico.

 

"Estávamos tal e qual como tínhamos saído, não tínhamos avançado nada", disse Conceição, sublinhando, porém, que a experiência de ter vivido e estudado no estrangeiro "foi rica".

 

No regresso a Portugal, o tenente miliciano Fernando Cardeira apresentou-se no quartel das Caldas da Rainha, foi amnistiado pela deserção e ainda recebeu alguns vencimentos em atraso.

 

Passou pela 5ª Divisão do Estado-Maior das Forças Armadas e foi comissário político na RTP durante o Verão Quente, altura em que nem sempre conseguia voltar a casa, na Póvoa de Santa Iria.

 

Já depois das oito da noite, as barricadas e as operações stop cortavam as estradas naquele "ano de grande efervescência social e política", em que, "de meia em meia hora, havia novos acontecimentos".

 

Em 1976, Fernando saiu da RTP e integrou o Conselho da Revolução durante três anos, enquanto terminava o curso. Só haveria de arranjar emprego como engenheiro em 1979.

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