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“Reforma profunda” no processo civil divide juristas

O Código do Processo Civil vai ser alvo de “uma reforma profunda”, anunciou a nova ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz.

01 de Julho de 2011 às 15:03
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As mexidas surgem na sequência do memorando de entendimento assinado com a chamada troika – FMI, Comissão Europeia e Banco Central.

O compromisso neste sentido já fora assumido pelo anterior Executivo e pelos partidos que se coligaram para formar o actual Governo, mas está longe de gerar consenso.

O Negócios inquiriu esta semana um conjunto de juristas – ainda antes do anúncio de Paula Teixeira da Cruz – e, entre estes, há quem considere que as leis não podem estar sempre a mudar, mas também os que defendem práticas processuais mais simples e capazes de acelerar as decisões nos tribunais.






Frederico Perry Vidal
Sócio da PLMJ













José Ricardo Gonçalves,
Sócio da PLMJ








“Oportunidade única para simplificar”

“A reforma do CPC estabelecida no “memorandum” de entendimento celebrado com a ‘troika’ como medida a implementar apresenta-se como uma oportunidade única para libertar definitivamente as amarras de um CPC excessivamente formalista que já não garante a protecção jurídica dos cidadãos de, em prazo razoável e sem dilações indevidas, obterem uma decisão judicial. [...] Um passo na direcção certa já foi tomado – o do regime processual experimental em aplicação em alguns tribunais e que o “memorandum” determina seja estendido a outros tribunais.

Em face disso, desde os articulados até à sentença, a “limpeza” tem de ser radical. Limitando a análise à fase escrita (dada a densificação existente), uma primeira ideia é a de que, a nosso ver, bastam dois articulados – a petição inicial e a contestação – compreendendo a primeira a exposição dos factos, as razões de direito, a causa de pedir e o pedido e a segunda toda a defesa, por impugnação e por excepção e, sendo o caso, a reconvenção. [...] A simplificação processual, que se reclama não colidirá com os princípios do contraditório e da igualdade de armas, que seriam sempre assegurados.

Por outro lado, seguindo o princípio da adequação formal, i.e., o de adequar a tramitação processual às especificidades da causa e o princípio da cooperação (entre juiz, advogados e partes), uma segunda ideia é a de, após a apresentação dos dois articulados, as regras processuais a aplicar na fase seguinte e as questões verdadeiramente importantes a dirimir e provar serem definidas sob a forma de guião pelo juiz em colaboração com os advogados das partes. A prova testemunhal poderá mesmo ser dispensada se a prova documental junta nos articulados for bastante e a matéria em causa estiver apenas dependente do direito.

Uma terceira ideia é a de que a discussão de factos supervenientes decorra oralmente em audiência, salvo se o tribunal não prescindir das posições escritas das partes atenta a importância material desses factos.

Como quarta ideia, afigura-se-nos que as alegações finais das partes devem ser apresentadas no final da audiência, simultaneamente, de facto e de direito. Isto sem prejuízo de os advogados, se entenderem conveniente, poderem apresentar por escrito as suas conclusões ou o resumo do que oralmente alegaram. Com efeito, a prática demonstra que não faz sentido ter dois momentos distintos para as alegações finais, o que irremediavelmente atrasa a prolação da sentença.

Algumas das sugestões que aqui deixamos para a fase escrita, vêm sendo implementadas, com sucesso, em sede de resolução de litígios por via arbitral, poderão tornar mais célere e eficiente a realização da justiça com a consequente prolação de sentenças pelos Tribunais Judiciais. Terá sido certamente em atenção às vantagens decorrentes da implementação de tais soluções que, como se disse, o legislador quis, embora de forma ainda mitigada, começar a introduzir regras de simplificação processual no regime experimental, consagrado no Decreto-Lei 108/2006, de 8 de Junho. Haja vontade de todos os intervenientes judiciais e do poder político para o corte epistemológico que se impõe!”








João Saúde
Sócio da Sérvulo & Associados






“Limitar mais número de testemunhas”

“A modificação das regras processuais não revelou, nos últimos vinte anos, grande capacidade de alteração da celeridade da justiça, salvo nalgumas questões pontuais (por exemplo, a restrição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ou o fim do efeito suspensivo como regra nos recursos).

As medidas que têm revelado maior impacto na celeridade processual são as de restrição da entrada de processos em tribunal (com a adopção de processos radicalmente mais simples, como as injunções, que são simples cartas enviadas ao devedor) ou as alterações ao regime fiscal de dedução do IVA (dispensando os credores de intentar uma acção judicial para recuperação do IVA entregue por conta de incobráveis).

Cremos, por isso, que esse tipo de medidas de redução da “procura” teria impacto mais significativo do que mudanças no Código de Processo Civil que envolvem sempre alguma perturbação na máquina judiciária.

Em qualquer caso, a optar-se por tal via, parecem aconselháveis:
O alargamento do âmbito de processos sumaríssimos (que se restrinjam simplesmente a uma audiência de julgamento) à generalidade dos processos de cobrança de dívidas resultantes de contratos de consumo;
A introdução de algumas restrições à produção de prova nos processos mais complexos (a obrigação de apresentação dos meios de prova logo no início do processo e a introdução de limites de número e/ou tempo para a inquirição de testemunhas);
A mediação poderia desempenhar um papel mais relevante na solução de litígios judiciais, com incentivos mais fortes a que as partes ponham termo aos litígios por acordo (não através de isenções que, dada a conjuntura financeira parecem inexequíveis, mas, por exemplo, através da penalização mais clara da parte vencida na acção em termos de custas judiciais e honorários do advogado da parte vencedora).”









António Ribeiro
Associado Coordenador na área de Contencioso & Arbitragem da VdA





“[Alterações?] só alguns afinamentos”

“O Código de Processo Civil tem sido objecto de sucessivas reformas e alterações nos últimos quinze anos, as quais, pela sua frequência, têm, por vezes, um efeito perverso de indução de lentidão no sistema, dada a necessidade de juízes, advogados e funcionários judiciais, antes de mais, as estudarem e, depois, perceberem qual a norma ou a redacção da mesma aplicável em cada caso.

Assim, as alterações a introduzir devem limitar-se a alguns afinamentos, designadamente na área da acção executiva, em que é necessária uma maior rapidez e eficácia na penhora (por exemplo de saldos bancários e veículos automóveis) e na venda dos bens penhorados.

Resulta, aliás, do memorando de entendimento com a troika que, nesta área, os esforços devem concentrar-se, em larga medida, na implementação de anteriores alterações legislativas, como a reforma do mapa judiciário e o alargamento do regime processual experimental, na eliminação das pendências e na melhoria da gestão dos tribunais.”







Miguel de Almada,
Sócio da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados






“Foquemo-nos em medidas de gestão”

“Grande parte dos problemas da justiça e, em particular, da justiça cível em Portugal advêm precisamente de excessos cometidos na acção legislativa, com sucessivas reformas, alterações ou retoques que impedem a adequada produção de efeitos das medidas introduzidas, a necessária consolidação jurisprudencial e doutrinária e a devida avaliação de resultados, trazendo insegurança, falta de fiabilidade e, consequentemente, um aumento potencial e efectivo da litigiosidade.

Não creio, por isso, que seja indispensável, ou mesmo prioritária, uma nova reforma do Código de Processo Civil (CPC) para resolver os males que afectam o nosso sistema. Concerteza que há aspectos negativos, melhorias a introduzir, mas enquanto pensarmos que a principal atenção se deve centrar na modificação do CPC, estaremos distraídos do essencial. De resto, muitas das medidas que normalmente se propugnam, já são possíveis de pôr em prática com o CPC actual, utilizando o seu enorme potencial ‘dormente’.

Foquemo-nos pois, antes de mais, em medidas de gestão e afectação de meios materiais e humanos que permitam introduzir maior eficiência e qualidade no funcionamento dos Tribunais e na acção dos juízes. A aposta em gestores profissionais e em assessores dos juizes, a simplificação de procedimentos burocráticos, a introdução de objectivos e de uma avaliação mais responsabilizante e uma distribuição de meios e infraestruturas melhor adequada ao volume de trabalho de cada tribunal, são alguns pontos-chave que fariam a diferença.”








Luís Filipe Carvalho
Sócio da ABBC






“Aproximação ao regime anglo-saxónico”

“[...] Desde há muito que os principais objectivos [ao nível da reforma do CPC] estão diagnosticados: simplificar as regras processuais, eliminar os formalismos, a burocracia, as cominações formais e os actos processuais inúteis. Terá que se dar prevalência à resolução substantiva dos conflitos, centrando-se a intervenção do juiz no julgamento e na decisão e impondo-se uma limitação efectiva às questões processuais relevantes.

No fundo, o que se exige é uma aposta na mudança de paradigma, numa clara aproximação do nosso regime processual ao modelo anglo-saxónico. E isto já devidamente adaptado ao futuro mapa judiciário.

Terão que se reduzir as fases dos articulados escritos e incrementar a oralidade. Terá que se caminhar para uma real desmaterialização e para uma forte redução dos actos de secretaria.

Mas não chega. A par da gravação vídeo terão que se simplificar os processos de cobrança de dívidas. A decisão nos processos de reduzido valor deverá ser oral e proferida após o debate oral, só sendo reduzidas a escrito em caso de recurso. As regras de contagem de prazos terão que ser simplificadas e únicas para todos os tipos processuais. As citações deverão deixar de ser um entrave ao processo, apostando-se na criação do domicílio único e do endereço electrónico único.

Na acção executiva o juiz deverá voltar a ter o respectivo domínio e o Estado também terá que assegurar, a par dos agentes de execução, a realização de actos de execução. Terão que se flexibilizar certo tipo de execuções, em especial as cobranças, os despejos e os alimentos. Terá que se investir na criação de bases de dados que sirvam as execuções (registos de bens mobiliários e imobiliários), na penhora por meios electrónicos e num sistema electrónico para venda.

Tudo isto acabando com experiências pilotos, com sucessivos remendos legislativos e com soluções provisórias que se vão cristalizando como definitivas. Simplicidade e celeridade devem ser as palavras de ordem.”








Francisco Colaço
Albuquerque & Associados






“Advogados e juízes a respeitar prazos”

“Antes de mais, falta trabalhar a montante do Processo Civil para libertar os tribunais do número de cobranças e execuções que neles dão entrada diariamente, de forma a proporcionar às empresas que são responsáveis pela grande litigiosidade, os meios para poderem evitar o recurso aos tribunais, em vez de as ‘castigar’ por esse mesmo recurso com aumentos nas suas custas judiciais [...].

Depois, é preciso desburocratizar e simplificar procedimentos:
Prazos respeitados não só pelos advogados mas também pelos juízes;
Há que estipular prazos categóricos e impreteríveis para prolação de despacho saneador ou realização de audiência preliminar;
Há que respeitar, por outro lado, o que já existe - no papel - para a prolação das sentenças, que não podem chegar a demorar meses e, até, anos, após o encerramento da discussão;
É preciso reduzir os articulados em número e extensão, mimetizando o melhor do sistema anglo-saxónico, cabendo ao Legislador reduzir o seu número e ao Advogado mudar uma cultura de séculos de retórica a mais das vezes absolutamente inútil;
É necessário instituir condenações pecuniárias efectivas por mau e dilatório uso do processo;
Simplificar as Sentenças - fundamentadas mas não prolixas com reforço do quadro de juízes estagiários para despachar e recuperar as mais simples;
Flexibilizar a prova e respectiva apresentação;
Acabar com as audiências de tentativa de conciliação e aproveitar, antes, a realização das audiências preliminares para o efeito;
Mudar o paradigma da base instrutória para um verdadeiro trabalho de condensação dos articulados em vez de uma cópia dos mesmos, reduzindo radicalmente o número de quesitos a provar por síntese a fazer em trabalho conjunto com os Advogados.

Enfim, simplificar, agilizar, modernizar numa reforma única, abrangente e duradoura. E dotar o sistema de meios para que as boas intenções passem do papel e se reflictam no trabalho de todos quantos fazem parte do sistema judiciário Português, beneficiando assim os cidadãos em geral e os agentes económicos em particular, para que todos voltem a confiar na Justiça como pilar fundamental do Estado de Direito.”


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