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Mitterrand, Gorbachov, Havel, Mandela e outros amigos pessoais

François Miterrand, Mikhail Gorbachov, Nelson Mandela, Vaclav Havel, Yasser Arafat: Mário Soares privou com muitos dos protagonistas políticos do século XX, desenvolvendo nalguns casos "afetuosas amizades", nas suas palavras, "só possíveis entre os que defendem causas comuns".

07 de Janeiro de 2017 às 17:34
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"Mon ami Mitterrand", era assim que Mário Soares se referia ao histórico socialista francês (1916-1996), que não hesitou, em várias ocasiões, em retribuir-lhe.

 

"O senhor dá a França a honra de uma visita de Estado. E dá-me a mim a alegria de reencontrar por alguns dias um amigo, um companheiro pessoal", lê-se no discurso do banquete oferecido por Mitterrand na visita de Soares a França em outubro de 1989.

 

Soares conheceu Mitterrand no exílio em França, durante a ditadura de Salazar, num congresso dos socialistas franceses em que, disse, ficou impressionado com o "extraordinário discurso" do francês.

 

Mantiveram estreito contacto até à morte de Mitterrand, em 1996. A notícia chegou a Mário Soares por radiograma, durante o voo que o levou para a sua primeira visita de Estado a Angola, e provocou-lhe "profunda tristeza" pela perda de alguém com quem teve uma "afetuosa amizade ao longo de quase três décadas" e que "deixa um enorme vazio, dificilmente preenchível".

 

"É raro coexistirem no político de exceção, que ele foi, um verdadeiro estadista, um homem de cultura e de sensibilidade, com o culto raríssimo da amizade", disse Soares, frisando o que Portugal devia ao seu amigo: "Uma solidariedade, sem falhas, desde a revolução dos cravos, que acompanhou com paixão, e que se tornou bem patente no apoio decisivo que deu" às negociações para a integração do país na Comunidade Europeia.

 

A projeção internacional de Mário Soares foi salientada por várias personalidades, como o ex-presidente brasileiro José Sarney (1985-1990), para quem Soares "extrapola a dimensão do seu país" sendo "um homem da Europa e do mundo", ou o ex-primeiro-ministro britânico James Callaghan (1976-1979), que afirmou ser alguém "tido em profunda consideração no mundo inteiro".

 

Enquanto presidente (1986-1996), Mário Soares fez 150 viagens ao estrangeiro, "tantas" que deram origem a uma anedota: "Deus está em todo o lado, Soares já esteve".

 

Mas os contactos internacionais começaram antes: no exílio em França (1970-1974), na fundação do Partido Socialista na Alemanha (1973), no papel que assumiu após o 25 de abril, na vice-presidência e presidência da Internacional Socialista.

 

"O 25 de Abril tinha acontecido há poucos dias e o general Spínola nomeou-me para explicar a revolução em toda a Europa", recordou Soares em 2004, ao explicar que foi dos últimos políticos a visitar Willy Brandt enquanto chanceler alemão (1969-1974).

 

Soares nunca hesitou em definir Brandt como uma influência política e um amigo próximo. Quando o ex-chanceler morreu, em 1992, lamentou a perda de "uma das personalidades mais marcantes do século" XX, "um combatente generoso, tolerante e idealista, um homem de grandes convicções, de coerência, de diálogo e de paz".

 

"Portugal e eu próprio devemos-lhe muito: nos momentos particularmente difíceis do verão quente e antes e depois do 25 de Abril, nunca nos faltou com o seu apoio e a sua ativa solidariedade", disse.

 

"Um gigante" do século XX, disse em 2004, quando assistiu em Lisboa à estreia da peça "Democracia", de Michael Frayn, baseada na vida de Brandt.

 

"É cada vez mais difícil indicar gigantes na política internacional como Willy Brandt. Há o papa João Paulo II, uma personalidade ímpar, o presidente Lula da Silva, que tem grande projeção na América do Sul, e o antigo chefe de Estado da África do Sul Nelson Mandela", disse nessa altura.

 

Soares conheceu-os a todos e com todos estabeleceu uma amizade.

 

O "republicano, laico e socialista" Mário Soares viu em João Paulo II (1920-2005) "uma pessoa extraordinária" e de "grande autenticidade", "vítima da opressão comunista e da invasão de Hitler, mas que soube reagir contra isso". E, como o papa Francisco, alguém que se opôs ao neoliberalismo e defendeu os pobres.

 

Um "apaixonado pelo Brasil", Soares forjou também uma amizade com Lula da Silva (2003-2010), "uma figura eminente mundial" que, "como Fernando Henrique Cardoso" (1995-2002), de quem também foi amigo, "contribuiu muito […] para o Brasil chegar onde chegou, um país emergente, uma das maiores potências mundiais".

 

"Meu querido Mário Soares, quando você pensa que já tinha feito tudo e que podia descansar, não descanse. O país precisa de você", retribuiu Lula em 2013, quando esteve em Lisboa para o lançamento de um livro do ex-primeiro-ministro José Sócrates.

 

Considerá-lo-ia um "rei-cidadão", "não fosse o republicanismo" de ambos, disse Fernando Henrique Cardoso quando Soares o agraciou com o Grande Colar da Ordem da Liberdade (1995). "Um marco para todos os que amam a liberdade", detentor da "qualidade única, tão portuguesa, de mostrar o essencial".

 

A relação com Nelson Mandela (1918-2013) sofreu os revezes da frágil saúde do herói da luta contra o "apartheid" e várias visitas oficiais de Mandela a Portugal e de Soares à África do Sul foram adiadas por desencontro de agendas entre os dois chefes de Estado.

 

Para Soares, Mandela foi "um grande vulto da democracia do humanismo, da liberdade" e "uma das figuras de referência maior em todo o mundo".

 

Além destes, Mário Soares privou com o ex-presidente soviético (1990-1991) Mikhail Gorbachov, responsável pela "Perestroika", que considerou "uma das grandes figuras do século" e alguém em relação a quem "todos os países do mundo têm uma dívida de gratidão".

Em 1995, antes de partir para uma visita a Lisboa, Gorbachov disse vir para cumprir "um dever para com o presidente Mário Soares e o povo português", para "um contacto de velhos amigos e parceiros" que tinham "algo de que falar".

 

O intelectual, dramaturgo, dissidente e depois presidente checo Vaclav Havel (1936-2011) figurou igualmente entre os amigos pessoais de Soares, tendo afirmado a sua gratidão e do povo checo por Soares ter sido o primeiro estadista estrangeiro a "aparecer em Praga" depois da Revolução de Veludo, de 1989.

 

O líder palestiniano Yasser Arafat (1929-2004) e o dirigente israelita Shimon Peres (1923-2016) contam-se também entre os protagonistas de quem Soares foi amigo.

 

Arafat, que esteve cinco vezes em Lisboa, "capital do amigável povo português", foi um "ilustre amigo" que em diferentes ocasiões mostrou gratidão pela visita que dele recebeu em 1983, quando o líder da OLP estava num ‘bunker’ em Beirute, então cercada por tropas israelitas.

"Arafat dir-lhe-á mais tarde e noutras circunstâncias: Nunca esquecerei que você foi o único líder europeu a visitar-me em Beirute", lê-se numa das biografias de Soares.

 

E Shimon Peres, cuja relação com Soares remontava aos tempos do exílio em Paris, afirmou, durante a visita que o presidente português fez a Israel em 1995, tratar-se de alguém que é "a expressão viva de que se pode ser um político e ter valores".

 

Em Espanha, país de que se disse "amigo e velho admirador", Mário Soares fez também fortes amizades, desde logo com o rei Juan Carlos e o filho Felipe, mas também com o camarada socialista Felipe González, ao lado de quem assinou o tratado de adesão à CEE.

 

No final do segundo mandato presidencial, González não poupou elogios ao amigo, destacando-lhe "a generosa vida entregue à causa da liberdade, da justiça, da democracia e da promoção dos ideais europeus".

 

O ex-primeiro-ministro espanhol destacou ainda "uma dimensão muito particular" de Mário Soares para Espanha, onde é objeto de "um grande afeto" graças às "constantes mostras de carinho para com o país" e a ter sido "uma personalidade chave do forte desenvolvimento das relações luso-espanholas".

 

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