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Malta Files: Há 423 portugueses a aproveitar o regime fiscal mais baixo da UE
Depois dos Panamá Papers, chegam os Malta Files. Num trabalho de investigação jornalística do qual fazem parte 13 redacções, entre as quais a do Expresso, chegou-se à conclusão que Malta é um “paraíso” para a máfia italiana, os tubarões russos dos empréstimos e a elite turca, à conta da do sistema fiscal daquele país. O Expresso revela este sábado que há 423 portugueses a aproveitar este regime.
Malta tem um regime fiscal onde as empresas podem usufruir dos mais baixos impostos sobre os rendimentos (IRC) da União Europeia: apenas 5%. Assim, "além de beneficiar da vantagem de ser membro da UE, Malta também acolhe grandes empresas e abastados clientes privados que procuram fugir ao pagamento de impostos nos seus países", sublinha o Times of Malta na sua edição deste sábado, 20 de Maio.
Apesar de o processo ser legal, "parece que Malta não cumpre todos os requisitos de modo a controlar possíveis casos de fraude", destaca a mesma publicação.
Nos últimos três meses, os jornalistas envolvidos nesta investigação analisaram milhares documentos que mostram como é que as empresas aproveitam este sistema fiscal, usando Malta como "uma base pirata" para a evasão fiscal na União Europeia, refere o jornal maltês.
"Centenas de milhares de documentos obtidos pelo EIC (…) revelam a lista completa de accionistas por detrás de mais de 50.000 companhias registadas em Malta, o país que até Junho está à frente da presidência da União Europeia", sublinha o Expresso na sua edição de hoje.
Nessa fuga de informação, denominada Malta Files, estão mais de 150.000 documentos de uma empresa de serviços empresariais, a Credence Corporate & Advisory Services, e uma base de dados do registo comercial de Malta que permite cruzar nomes de accionistas e administradores com as suas nacionalidades e com todas as companhias a que estão ligados naquele país, explica o semanário português.
Na análise destes dados, que vão de 1965 até ao final de 2016, os jornalistas do Expresso descobriram que há 465 cidadãos portugueses accionistas de empresas em Malta. "Desses, 381 são residentes em Portugal e controlam de forma directa 257 empresas naquele país, havendo ainda 89 pessoas que se registaram como portuguesas mas moram noutros países".
"Na lista estão alguns empresários conhecidos e que na última década tinham sido indiciados por fraude fiscal na ‘Operação Furacão’ — Joe Berardo, Miguel Pais do Amaral, os irmãos Sacoor — e gestores em dificuldades, com grandes dívidas em Portugal, como Nuno Vasconcellos, da Ongoing, João Gama Leão, da Prebuild, Eduardo Rodrigues, da Obriverca, ou Alfredo Casimiro, da Urbanos", avança o Expresso.
Questionados pelo Expresso sobre quanto é que o Estado português estará a perder "com a opção de centenas de portugueses de tributarem em Malta parte dos seus rendimentos", a Autoridade Tributária e o Ministério das Finanças não responderam.
"Mais de 93% das companhias em Malta detidas por portugueses residentes em Portugal foram criadas depois de 2007, a seguir àquele país ter lançado um esquema de devolução quase total de impostos para contribuintes não residentes cujos rendimentos não sejam obtidos em Malta, resultando numa taxa efectiva de 5%", frisa o semanário.
Desta forma, o Governo de La Valeta quis "aumentar o fluxo de dinheiro a entrar nos cofres dos bancos locais, desenvolvendo uma estratégia política de estimular o mercado de serviços financeiros – dando, por exemplo, condições ideais aos estrangeiros que queiram ir para lá trabalhar nesse sector (ou na indústria do jogo online)".
Conforme explica o Expresso, "os empresários não residentes que beneficiem do regime fiscal local só conseguem garantir benefícios enquanto mantiverem o dinheiro dos seus dividendos fora dos seus países de origem. Isso significa liquidez para os bancos malteses".
O Times of Malta refere que são citados nos documentos cerca de um milhão de nomes, provenientes de 60 países.
Segundo aquela publicação, citando a plataforma jornalística The Black Sea, entre os trabalhos que estão a ser divulgados, já se sabe que o genro do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, Berat Albayrak, ajudou a criar uma estrutura offshore em Malta e na Suécia, para onde "evade" milhões de dólares em impostos da sua empresa: o conglomerado Çalik Holding, que opera nas áreas da energia, têxteis e construção.
A mesma plataforma cita ainda o nome do multimilionário russo Oleg Boyko, que através do seu veículo de investimento Finstar Financial Group detém interesses na banca, serviços financeiros, retalho, lazer, media e tecnologia. De acordo com a The Black Sea, Boyko e os seus parceiros da Letónia usam Malta como paraíso fiscal para operações na Europa e nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que obtêm avultados lucros com empréstimos de emergência aos "cidadãos mais pobres e mais vulneráveis" da Europa.
Mas há mais. "Telefónica, BMW, Lufthansa, Puma ou a gigante química alemã BASF são algumas das grandes empresas que contam com um endereço postal em Malta", diz, por seu lado, o El Mundo.
Segundo o jornal espanhol, que faz parte desta rede de investigação, "pôr em marcha uma 'Ltd.' – abreviatura de 'Limited', com responsabilidade legal limitada, o tipo de empresa mais popular em Malta – é algo que pode ser feito em apenas 24 horas com um depósito mínimo de 1.200 euros". Em Setembro de 2016, o registo maltês de empresas contava com mais de 50.000 empresas, acrescenta.
Oficialmente, explica aquele jornal, o IRC maltês é de 35%, o mais alto da UE. No entanto, o sistema de imputação e reembolsos para os accionistas de empresas registadas em Malta permite que em muitos casos a tributação efectiva dos rendimentos se reduza a 5% - além de que Malta não impõe qualquer tipo de retenção sobre o pagamento de dividendos, juros e royalties.
Assim, a ilha mediterrânica oferece em simultâneo as vantagens de uma legislação fiscal baseada na do Reino Unido, a localização dentro da União Europeia e impostos semelhantes aos dos territórios mais atractivos das Caraíbas, sublinha o El Mundo.
(notícia actualizada às 13:06)