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Mais de metade dos argentinos na pobreza aos primeiros meses do governo Milei

Segundo os números oficiais, a pobreza afetou 52,9% da população no primeiro semestre de 2024, atingindo 24,9 milhões de pessoas que não têm o suficiente para as necessidades básicas em alimentação e serviços.

O novo Presidente da Argentina prometeu um choque, mas pode ser travado pelo caminho.
Agustin Marcarian/Reuters
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A pobreza na Argentina atingiu 52,9% da população ao somar 5,4 milhões de novos pobres no primeiro semestre do ano e do governo Milei, período no qual a pobreza infantil passou a atingir quase sete em cada dez crianças.

Os números oficiais, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), revelam a perda do poder de compra perante a inflação, uma tendência que ameaça desencadear uma crise de emprego.

"Desde que este governo assumiu, tudo se quebrou. A moeda não vale nada. Os preços aumentam, mas os salários não. Há um desequilíbrio económico muito grande que prejudica quem vive do seu trabalho", afirma à Lusa o reformado Hugo Benítez, de 78 anos.

Para completar a reforma mínima de 308 mil pesos (280 euros) que recebe como antigo pedreiro, Hugo passou a pedir dinheiro aos automobilistas quando param nos semáforos. Foi a única forma que encontrou para conseguir satisfazer as necessidades básicas.

"Esta é a última fonte de trabalho que temos para poder sobreviver. Tento manter-me a salvo sem afundar", resigna-se Hugo.

"Nas próximas eleições, esse senhor [o Presidente, Javier Milei] vai perder todos os deputados e senadores porque quem é que vai votar nele? Milei é como um tornado. Veio fazer este desastre", critica.

Segundo os números oficiais, a pobreza afetou 52,9% da população no primeiro semestre de 2024, atingindo 24,9 milhões de pessoas que não têm o suficiente para as necessidades básicas em alimentação e serviços. O número é o maior desde 2003, quando o país saía do colapso económico de 2001/2002.

O numero é 11,2 pontos percentuais superior aos 41,7% de pobres que havia no país em dezembro passado, quando o Presidente Javier Milei assumiu o cargo. Foram 5,4 milhões de novos pobres em seis meses.

Desses, os indigentes representam 18,1%, equivalentes a 8,5 milhões de pessoas que não podem comprar um cabaz básico de alimentos num dos países que mais proteínas, grãos e cereais produz no mundo.

São 4,2 milhões de pessoas a mais desde dezembro, quando a indigência atingia 11,9% da população, depois de uma inflação de 211,4% em 2023, a mais alta do mundo.

Nas estatísticas da pobreza infantil, 66,1% dos menores de 14 anos são pobres, representando 7,3 milhões de crianças. Nos casos mais extremos, o número de indigentes infantis, crianças que passam fome, chega a 27%, o dobro de há um ano.

Quando assumiu em dezembro passado, o presidente Javier Milei desvalorizou a moeda em 54% e adotou um forte ajuste fiscal, equivalente a cinco pontos do Produto Interno Bruto (PIB). Milei vangloria-se do que denomina "o maior ajuste fiscal da história da humanidade".

A desvalorização da moeda fez disparar os preços. A perda de poder de compra paralisou a economia e os cortes na despesa pública paralisaram obras.

O PIB caiu 3,4% nos primeiros seis meses de governo Milei (-5,1% no primeiro trimestre). O consumo privado diminuiu 9,8%. Os setores mais dinâmicos para o emprego, como construção (-22,2%), indústria de manufaturas (-17,4%), comércio (-15,7%) e hotéis e restaurantes (-4,5%) desabaram.

A receita familiar aumentou 87,8% em média, enquanto o cabaz básica de alimentos subiu 115,3%, resultando numa perda de 27,5% do poder de compra. Já os serviços básicos subiram 119,3%, totalizando uma perda de 31,5% do poder aquisitivo.

A Argentina pode estar no ponto de inflexão a partir do qual uma crise de consumo gera também uma crise de desemprego, indicador que no primeiro semestre subiu de 6,2% a 7,6% na comparação com o mesmo período do ano passado.

O ajudante de cozinha Miguel Guzmán, de 43 anos, ficou desempregado em janeiro, logo no começo do mandato de Milei.

Sem trabalho e com uma inflação acumulada de 145% desde que o novo Presidente Javier Milei tomou posse, Miguel não conseguiu mais pagar o aluguer e passou a viver na rua, dependendo de doações para se alimentar.

"As formas que eu tenho hoje de conseguir um pouco de dinheiro são pedir às pessoas, juntar restos dos caixotes de lixo e vender nas feiras as coisas usadas que encontro. O dinheiro não é suficiente para nada. A nossa moeda está totalmente desvalorizada", descreve Miguel enquanto aguarda as 19 horas, quando a igreja abre o seu refeitório para sem-abrigo.

"Eu durmo ali em frente, na rua, com uns papelões e uns cobertores. Nesta bolsa estão todas as minhas coisas. Nem sequer um colchão para dormir eu tenho", lamenta-se.

Quanto à esperança de sair desta situação, Miguel não é otimista enquanto Milei for Presidente.

"Eu vejo as hipóteses de sair desta situação como muito distantes. Com este sistema, com este governo, desgraçadamente, não vejo saída. Esperemos que este governo saia para tentarmos nós sair desta", admite.

Para o Presidente Javier Milei, a atual situação social é uma herança do governo anterior. O porta-voz da Presidência, Manuel Adorni, indicou que os primeiros meses do mandato foram dedicados a evitar uma hiperinflação que pioraria o quadro social.

"Este governo herdou uma situação desastrosa. Provavelmente, a pior herança que um governo recebeu na história argentina. Quando falamos sobre hiperinflação e da importância de tê-la evitado, a questão é que a pobreza teria passado de cerca de 40% para cerca de 95%. Teríamos entrado num mar de pobreza absoluta", argumentou.

No entanto, essa visão não se traduz em mais tolerância social. Neste mês, todas as sondagens detetaram uma mudança de postura na opinião pública: a imagem do Presidente Javier Milei, até agora mais positiva do que negativa, inverteu-se, passando a ser mais negativa do que positiva.


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