Notícia
Lisboa saiu à rua para cantar o futebol
Há quem tenha feito directa para os ir esperar. Há quem tenha chorado quando os viu em Belém. Milhares aplaudiram os novos campeões da Europa.
"Até parece que D. Sebastião apareceu por um bocadinho". Mafalda Aguiar é do Porto, vive em Lisboa e já trabalhou durante algum tempo em Paris. Não consegue conter as lágrimas quando os jogadores da selecção surgem na varanda do Palácio de Belém e erguem a taça ao som de "campeões, campeões". Não é só alegria e comoção, é "tudo o que isto significa para as comunidades portuguesas e para quem está lá fora. Foi uma grande vitória e eu que já lá andei, sei o que isto significa", afirma.
Pouco antes, ao receber na residência oficial os jogadores da selecção nacional, Marcelo Rebelo de Sousa tinha dito mais ou menos o mesmo, lembrando os emigrantes portugueses em França, "que [nos anos 50 e 60] chegaram a viver em bairros de lata" e que agora podem dizer "somos tão bons ou melhores do que vocês". Mafalda concorda. "Isto é como se fosse uma nova esperança" para todos. Por isso, já não é só de futebol que se fala. É de "orgulho nacional e de fé".
Os 23 jogadores, mais o treinador, Fernando Santos, a equipa técnica e os representantes da Federação Portuguesa de Futebol chegaram a Belém quase às 14h30 e tinham a aguardá-los alguns milhares de pessoas. O banho de multidão, no entanto, começou logo no aeroporto Humberto Delgado, onde o seu avião aterrou pouco depois do meio-dia e meia desta segunda-feira, 11, o tal dia em que Fernando Santos tinha prometido que regressaria a Lisboa. Na noite anterior Portugal vencera a França por 1-0 num jogo sofrido, quase no final do prolongamento e com um inesperado golo de Éder que pôs meio mundo a saltar de contentamento e colocou nas mãos do país o primeiro título de campeão europeu de futebol.
Fez-se história, portanto, e Lisboa saiu à rua para esperar os novos heróis da nação e para os ver passar nos autocarros, por breves instantes apenas, mas não faz mal, que o que interessa é estar ali e fazer parte da história.
"Sempre soube que eles iam ser campeões"
Salvador tem 4 anos e está em frente à porta 6 do aeroporto desde as nove e pouco da manhã. Com ele estão os irmãos Bárbara, de 8 e Bernardo, de 12, mais a mãe, Sandra Rego. Estão de férias e quiseram ir "comemorar o golo do Éder" e "o pontapé de bicicleta do Quaresma, que perdeu mas não faz mal, que eles ganharam e isso é que interessa", explica Bernardo que "sempre soube que eles iam ser campeões. Sempre, sempre".
E foram mesmo. "Isto é um dia único", "especial", "para não esquecer", ouve-se aqui e ali. No aeroporto há uns bons milhares de pessoas à espera e algumas ainda não dormiram. Andreia e os amigos, um grupo de cinco, vieram directos do Terreiro do Paço, onde viram o jogo no écran gigante. Chegaram ali ainda era madrugada, ficaram à conversa e continuam com energia para dar e vender e gritar e saltar enquanto os autocarros com a equipa não se mostram no cimo da rampa.
Andreia e os amigos são do Sporting e não se cansam de falar do Rui Patrício, o guarda-redes leonino que no jogo da final esteve imbatível na baliza, defendendo as várias, muitas, jogadas de ataque da equipa francesa. Tiago, benfiquista, concorda. Tal como Pedro Vieira, outro adepto do Benfica: "Rui Patrício fez ontem uma grande exibição." Hoje estão ali sportinguistas, benfiquistas, portistas e muito mais. A selecção é de todos e as únicas cores que tem são as da bandeira.
"O Renato Sanches estava a olhar para mim, ele conhece-me" jura Vital Nazário, confesso admirador do mais jovem jogador de sempre da selecção nacional a jogar numa final, ainda em êxtase com a passagem dos atletas. "Fizeram história, escreveram a página mais bonita no futebol nacional", grita para se fazer ouvir no meio da multidão que aplaude e canta à passagem da equipa.
"O jogo foi justo, o resto do campeonato não"
Brigitte e Gérard Burrut, 55 e 56 anos, respectivamente, são franceses e foram apanhados de surpresa pelas comemorações em Belém. Tinham ido visitar os Jerónimos e acabaram no meio dos festejos. Com "fair play", mas com muitas críticas. "Foi futebol, França perdeu, é assim mesmo, mas não foi um jogo bonito. Foi muito recuado, muito à defesa", diz Gérard. "Portugal tem algumas estrelas, mas a equipa francesa foi melhor no colectivo", comenta. "O resultado do jogo foi justo, mas o do total da competição não foi".
"Sem ressentimentos contra os portugueses, que são muito gentis", acrescenta Brigitte. Os portugueses não gostaram de não ver a Torre Eiffel iluminada com as cores da bandeira nacional, ontem no final do jogo, recordamos-lhes. "Foi por razões de segurança", assegura o marido. "Por causa do terrorismo e para evitar grandes ajuntamentos a comemorar no local", diz. "Uma multidão como esta em Paris seria impensável agora".
Por cá, a segurança também esteve ao rubro. A PSP não revela quantos operacionais destacou para acompanhar a equipa, mas foram seguramente muitas dezenas, entre pessoal do policiamento normal e do trânsito, equipas de intervenção rápida e corpo de intervenção, adianta fonte do comando distrital de Lisboa. Foram eles que abriram caminho aos autocarros ao longo dos percursos pela cidade. De Belém, as comemorações prosseguiram na Alameda, onde a equipa, já bastante mais informal, se juntou à multidão que aguardava. O capitão, Cristiano Ronaldo, que, afastado por uma lesão, acabaria por não terminar o jogo da final, agradeceu a todos: "Entrámos na história de Portugal. Vocês merecem, sempre acreditaram em nós."
Fernando Santos ergue a taça e canta-se - mais uma vez - o hino nacional, as mãos no peito, a Portuguesa a encher a Alameda. Há confetis no ar, bebe-se champanhe, dança-se ao som dos Xutos, do hino da selecção, dos Queen e do inevitável "We are the Champions".
Algumas horas antes, em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa afirmara: "O dia de hoje não é igual ao de ontem. Para muitos parece que sim, ganhou-se o campeonato da Europa, continuam os problemas económicos, sociais, políticos e culturais. Mas há uma diferença, a diferença foi o vosso exemplo".