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Intervenção integral de Vítor Constâncio no Congresso da Democracia

Intervenção integral de Vítor Constâncio no 1º Congresso da Democracia, onde o Governador do Banco de Portugal afirmou que o Orçamento de Estado de 2005 é «insuficiente» para reduzir o défice.

12 de Novembro de 2004 às 09:06
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I O Problema do desenvolvimento

Começo por agradecer a honra do convite para participar nesta celebração da Democracia organizada pela Associação 25 de Abril, onde se reúnem muitos daqueles a quem devemos a nossa liberdade e a quem, uma vez mais, presto a minha homenagem.

O tema do desenvolvimento foi desde o início uma preocupação da nova democracia e é natural que continue a ser uma problemática fundamental para assegurar o seu futuro. Na verdade, é bem conhecida a correlação existente entre o nível de desenvolvimento e a estabilidade e qualidade dos regimes democráticos, tão dependentes, como já assinalava Aristóteles, da existência de uma vasta e sólida classe média. No entanto, é a causalidade inversa que desejo invocar porque é essa que está associada a uma correcta visão do que é o desenvolvimento.

Na concepção de Amartya Sen, prémio Nobel da Economia, o desenvolvimento deve ser definido como o processo de expansão da liberdade positiva ou substancial dos cidadãos. O espaço de variáveis onde se mede o desenvolvimento não é apenas o do crescimento do PIB, mas inclui tudo o que afecta as capacidades dos indivíduos para funcionarem de acordo com a dignidade básica devida ao ser humano. Isso inclui o rendimento e a riqueza como variáveis instrumentais, exclui a pobreza e implica a inclusão social, mas supõe também o exercício da liberdade e da participação política de que, aliás, na visão de Sen o próprio desenvolvimento depende.

Na verdade, para além do seu valor intrínseco um regime que respeite as liberdades públicas tem um valor instrumental favorável ao desenvolvimento, como Sen ilustra a propósito de diferentes episódios de luta contra a pobreza. A disseminação da informação sobre os problemas e as manifestações de pressão pública para a sua resolução, constituem factores de mudança fundamentais. O espaço público de debate é também um factor de conceptualização de necessidades e de formação de valores e prioridades essenciais ao processo de transformação da sociedade.

Estes conceitos de Sen encontram-se na base da construção do Índice de Desenvolvimento Humano elaborado pela ONU, abrangendo indicadores sobre educação, saúde ou distribuição do rendimento, índice que permite verificar os progressos feitos por Portugal nas últimas décadas. Nos primeiros índices publicados no início da década de 90 Portugal encontrava-se na 42º posição e situa-se agora na 26ª . Progresso igualmente revelado pelo indicador de bem-estar que inclui o crescimento do PIB e a evolução da esperança de vida à nascença, construído por Gary Becker, também Nobel da economia, e que mostra Portugal como o país com mais acentuada melhoria em 30 anos entre os 23 mais desenvolvidos.

No índice de qualidade institucional elaborado pelo Banco Mundial situamo-nos também no grupo dos países mais desenvolvidos e, em particular, nos indicadores relacionados com as liberdades e o funcionamento da democracia estamos na parte superior desse índice, acima de vários outros países europeus com que nos comparamos (Grécia, Espanha, Itália). Finalmente, no índice de competitividade divulgado pelo World Forum, Portugal aparece em 25º lugar, à frente da Bélgica, da França, da Irlanda ou da Grécia.

Desde 74 a economia portuguesa cresceu em média acima da economia europeia apesar das vicissitudes que o processo democrático atravessou inicialmente. De 74 a 85 a taxa média de crescimento foi de apenas 2,2% (contra 2% na EU) , mas após a adesão à União Europeia de 86 a 2001 o crescimento acelerou para 3,6% ao ano (contra 2,8% na média europeia). Este conjunto de indicadores serve para ilustrar os progressos feitos por Portugal nos domínios do desenvolvimento e da melhoria da qualidade das nossas instituições.

É essencial sublinhar que nada disto teria sido possível sem a democracia instaurada em 1974 e sem a adesão à EU que apenas a democracia tornou possível. Importa dizê-lo contra todos os que ainda se referem aos traumáticos primeiros anos do processo democrático como suposta causa de actuais dificuldades que atravessamos no processo de crescimento. Vencemos diversos obstáculos e atravessámos períodos de instabilidade, mas a vitória da democracia foi também a vitória do desenvolvimento. Este tem sido um período de maior relevância externa do país e de maior afirmação internacional da cultura portuguesa. A entrada na UE marcou a importância da abertura da economia à concorrência e ao enquadramento institucional europeu que forneceu importantes estímulo à estabilidade e evolução das nossas instituições. Não admira, assim, que o período após a adesão tenha sido o mais dinâmico. A teoria moderna do crescimento sublinha a importância fundamental da qualidade das instituições como o principal factor explicativo do crescimento.

Que instituições? Aquelas de que dependem as funções essenciais de uma economia. Instituições de criação e garantia do mercado (ou seja: o primado da lei, a garantia dos direitos económicos e da execução dos contratos), instituições de regulação do mercado, instituições de estabilização do mercado (instituições monetárias e orçamentais e instituições de supervisão prudencial do sistema financeiro) e instituições de legitimação do mercado, como seja o próprio sistema democrático ou as instituições de protecção e segurança social.

Recorrendo à teoria e à evidência histórica dos processos de desenvolvimento podemos enumerar uma lista mais geral de políticas e instituições que determinam o sucesso dos países a longo prazo. Estabilidade macroeconómica, grau elevado de abertura da economia, mercados eficientes, sem grandes distorções, recursos humanos com elevado nível de educação, desenvolvimento da excelência tecnológica, da investigação e da inovação, administração pública qualificada, sólido e estável Estado de Direito com Justiça independente na garantia dos direitos e boa execução dos contratos. Isto parece ser o essencial da boa governance que garante o desenvolvimento das nações.

O ponto a prevenir, porém, é que para assegurar estas funções não existe um só modelo de economia de mercado. Sempre existiram e existem diferenças, por exemplo, entre a Europa, os Estados Unidos e o Japão. O que distingue a sociedade europeia é a maior importância dada às ideias de coesão social, de estabilidade e de equidade. O processo da globalização tem conduzido a aproximações em vários aspectos institucionais, mas as distinções continuam, sobretudo, no que diz respeito às relações de trabalho em que os níveis de regulação são muito superiores na Europa. Negociação colectiva, salários mínimos, legislação de protecção de emprego, subsídios de desemprego mais generosos, tudo isso marca a diferença do modelo europeu, também caracterizado por um maior papel do Estado no fornecimento de bens públicos e de função de redistribuição do rendimento.

É no contexto do modelo social europeu, que ainda assim contém alguma heterogeneidade, que temos que equacionar as condições do nosso desenvolvimento futuro. Evoluiremos com ele e nunca contra ele. Por outro lado, é também na perspectiva da lista de políticas e instituições que enumerei há pouco como as mais favoráveis ao desenvolvimento que devemos avaliar o nosso desempenho e as nossas insuficiências face aos desafios futuros.

Nesse sentido, os indicadores que referi de início apontam para um desempenho que, em geral, foi positivo e mesmo ligeiramente acima do que seria esperado quando correlacionamos numa amostra com outros países, o nível de Rendimento Nacional e o progresso institucional. São, porém, evidentes importantes excepções de resultados abaixo da média nos domínios da educação, da redução da pobreza, da eficiência da Administração e da Justiça e do subsistema de inovação e absorção tecnológica. São dimensões que afectam o principal problema da economia portuguesa que é, precisamente, o problema estrutural do nosso desenvolvimento a longo prazo.

Após taxas de crescimento económico significativas em décadas passadas sofremos desde há algum tempo de uma desaceleração sistemática da taxa de crescimento potencial. Parece termos chegado a um patamar de desenvolvimento intermédio, em que é agora mais difícil criar uma nova dinâmica. O problema e, de alguma forma, a preocupação que sentimos é saber se estamos condenados a um período de crescimento relativamente medíocre que faça estagnar o nosso posicionamento em relação aos países mais desenvolvidos da Europa.

Note-se que não me estou a referir à situação recessiva conjuntural que acabamos de atravessar. Este episódio temporário deve, aliás, ser analisado no contexto de um ajustamento após um período de forte crescimento e melhoria do nível de vida dos portugueses durante quase uma década. Esse período prodigioso da economia e da sociedade portuguesa não tem paralelo histórico e, infelizmente para nós, também não se repetirá com facilidade porque não voltaremos a ter uma década em que as taxas de juro caiam de 20% para 5%, com o que isso significa de aumento de riqueza e capacidade solvente dos agentes.

Verificou-se ao mesmo tempo um aumento do rendimento disponível real das famílias de cerca de 40%, se tomarmos o ano de 1990 como referência, ou de 70%, se tomarmos o momento de entrada na União Europeia. Tudo isto tornou possível, por exemplo, que vivam hoje em casa própria cerca de 80% das famílias portuguesas ou que se tenha verificado um aumento de 240% do número de veículos particulares por mil habitantes, atingindo valores que são superiores, por exemplo, aos da Dinamarca e que são cerca de 25% superiores aos da Grécia. Essa melhoria do nível de vida, muito para além do crescimento do rendimento disponível, está directamente associada ao benefício de termos feito o caminho para entrarmos na União Monetária Europeia.

Para além desta evolução e da recessão conjuntural do ano passado, o que é importante analisar na perspectiva do desenvolvimento futuro é o que passa com a tendência de desaceleração do crescimento do produto potencial. O crescimento económico potencial é o que resulta, por um lado, do pleno emprego do trabalho e da capacidade produtiva criada pelo investimento e, por outro, da evolução da tendência da produtividade.

Nos últimos anos a principal responsabilidade pela desaceleração do crescimento do produto potencial cabe à desaceleração da produtividade. Quer da produtividade total de factores, quer da produtividade do trabalho. Ou seja, o crescimento tem sido assegurado, em períodos mais recentes, sobretudo pelo aumento do volume de emprego e pelo maior investimento e não pelo aumento da produtividade. O problema é que dificilmente esse comportamento pode assegurar uma aceleração do crescimento económico futuro. Na verdade, temos uma taxa de investimento já muito elevada e temos problemas reais de limitação de oferta de trabalho, por razões demográficas e por razões associadas à dificuldade de absorver mais imigração, dadas as reacções sociais existentes em relação a esse fenómeno. E, portanto, a única alternativa é conseguirmos uma aceleração significativa da produtividade.

Produtividade que apresenta níveis muito baixos no contexto da União Europeia, mesmo considerando os novos países membros. Isto apesar de, como sabemos, nas últimas décadas a produtividade ter crescido mais em Portugal do que na média da União Europeia. Mas, partindo de níveis muito inferiores, encontra-se ainda num nível largamente insuficiente.

As explicações para isto não são fáceis. Nomeadamente, não é fácil compatibilizar esse facto com as elevadas taxas de investimento que temos tido ao longo de muitos anos. Ou melhor, isso significa que a produtividade desse investimento tem sido muito baixa. As deficiências do nosso nível educativo e a relativa dificuldade em aumentar o conteúdo tecnológico do que produzimos fornecem certamente outros factores explicativos.

A conclusão é a de que temos que actuar nas variáveis que fazem progredir a produtividade, mas também aumentar a oferta de trabalho para conseguirmos aumentar o potencial de crescimento. Uma dificuldade que surge, porém, é que a produtividade é a resultante complexa do funcionamento de todos os subsistemas sociais e não constitui uma variável instrumental ao dispor das políticas públicas. Seguramente podemos afirmar que em grande parte a desaceleração do aumento do nosso potencial económico decorre da relativa dificuldade dos agentes económicos se adaptarem às mudanças do paradigma do funcionamento eficiente das economias modernas e, em particular, de uma economia que se tornou uma componente da União Económica Monetária Europeia.

Três grandes evoluções condicionam o sucesso de qualquer economia moderna:

Em primeiro lugar, uma evolução tecnológica que faz do conhecimento o principal factor produtivo e coloca exigências de formação e flexibilização empresarial para assegurar uma permanente capacidade de adaptação. Isto influenciou também o mundo do trabalho no sentido da terciarização, da diversificação e da fragmentação com quebras de solidariedade que afectam o processo de negociação colectiva que, em muitos países, se tornou mais descentralizado. Deste modo se tem vindo a tornar mais difícil a coordenação de decisões com a política macroeconómica.

Em segundo lugar, a globalização com o aumento da concorrência e a integração do mercado de capitais, obrigam a um esforço permanente de aumento de conteúdo tecnológico da produção, impõem disciplina dos mercados financeiros à política orçamental, tornam mais prioritário o controlo da inflação para manter a competitividade. Todos estes aspectos se reforçam para um país membro de uma união monetária que deixa de dispor do instrumento cambial. Uma união monetária impõe regras e disciplinas que devem ser seguidas para que um país membro possa beneficiar de um regime de inflação e taxas de juro baixas sem exacerbar indesejáveis flutuações de crescimento e emprego.

Finalmente, temos o envelhecimento populacional a colocar nova pressão nos orçamentos nos regimes de pensões e de saúde, e a condicionar a oferta de trabalho futura. Por exemplo, no nosso caso a população em idade de trabalhar que inclui hoje em dia as idades dos 15 aos 64 anos, deverá diminuir mais de 20% até 2050.

O mundo do imediato pós-guerra em que se formou a consciência e o imaginário da geração do 25 de Abril era um mundo com forte crescimento, pleno emprego facilmente assegurado, massificação do emprego industrial, crescente protecção social e restrições aos movimentos de capitais. Esse é. porém, um mundo que deixou de existir. Nas condições actuais, a produção de bens e serviços tornou-se inapelavelmente mais intensiva em conhecimento, mais descentralizada e mais internacionalizada.

Uma consequência importante disso é a alteração do equilíbrio entre as três principais políticas de regulação macroeconómica.: a política monetária e orçamental; o processo de negociação colectiva das condições de trabalho e as políticas de protecção social. Nomeadamente, a integração dos mercados de capitais e a pertença a uma união monetária conduzem a uma inversão de paradigma. Anteriormente, a política macroeconómica privilegiava o emprego e a política de rendimentos procurava conter a inflação, enquanto agora a política macroeconómica, nomeadamente a monetária, tem que se preocupar em conter a inflação e a política de rendimentos deve defender a competitividade externa e o emprego. Sem moeda própria, o nível relativo de inflação é também um outro nome para a competitividade internacional das nossas produções.

II Políticas para aumentar o crescimento potencial da economia.

1. Deste modo, a primeira condição para melhorarmos o nosso desenvolvimento futuro é a de corrigirmos os erros cometidos na regulação macroeconómica. A participação bem sucedida na união supõe a interiorização de novas regras de disciplina orçamental e de comportamento de custos salariais e preços a nível nacional. A política orçamental tem que ser usada de forma a exercer uma função estabilizadora do ciclo económico, restringindo em períodos de forte crescimento espontâneo e expandindo a economia em fases recessivas. Temos tido, por razões conhecidas, exactamente o comportamento contrário e deixámos agravar uma crise orçamental que se revela cada vez mais difícil de resolver.

O Orçamento actual é insuficiente para assegurar qualquer progresso na redução do défice estrutural, enquanto a dívida pública evolui para valores acima de 60% do PIB. O país terá inevitavelmente que fazer face mais corajosamente ao problema orçamental e como isso implicará medidas difíceis, do lado da receita e da despesa, serão necessários consensos e grande sentido de responsabilidade de todos os intervenientes.

Outro aspecto da regulação macroeconómica relaciona-se com o comportamento dos custos unitários de trabalho que têm subido mais nos últimos anos do que em todos os nossos parceiros comerciais, prejudicando a nossa competitividade externa. No actual quadro de funcionamento da economia portuguesa, a política social tem que estar centrada na defesa do emprego e as preocupações com a equidade social têm que ter como prioridade assegurar aos cidadãos capacidades profissionais e nível de educação que lhes possibilita a melhor inserção e progressão nas respectivas carreiras de emprego.

A tónica não pode colocar-se na repartição primária de rendimento, uma vez que não se pode ignorar os aspectos de afectação de recursos que lhe estão associados. As formas correctas de actuar para corrigir a distribuição pessoal do rendimento, a única que conta em última análise, implicam também a utilização da política fiscal e orçamental. Actuar do lado dos impostos e do lado das despesas, sobretudo para combater situações de pobreza e melhorar as qualificações e o capital humano, deverão ser os principais vectores de actuação. Níveis de educação mais elevados conduzem a mais altas remunerações e a uma repartição diferente dos resultados da produção. Por último, outra importante orientação para atender à equidade é a que consiste em criar condições para assegurar o pleno emprego. Note-se, que não se trata de apostar numa política de «baixos salários» como estratégia de desenvolvimento.

Portugal já não pode competir com os baixos custos salariais que vigoram noutros pontos da Europa do Centro e do Leste. Do que se trata, é de manter um comportamento realista e ajustar a progressão dos salários à evolução da produtividade. Aumentar a produtividade é a única forma de melhorar consistentemente o nível de vida sem causar pressões inflacionistas.

2. A segunda orientação necessária ao aumento do crescimento potencial refere-se à necessidade de aumentar a oferta de trabalho face às tendências demográficas vigentes. O que está em causa não é a legislação de trabalho na medida em que acaba até de ser aprovado um novo Código que é preciso deixar funcionar. Não creio que esta seja uma área que constitua obstáculo fundamental ao nosso desenvolvimento. Como é conhecido estamos mal classificados no índice da OCDE sobre legislação do trabalho, mas penso que essa classificação não é correcta e carece de revisão. A verdade é que estudos da OCDE mostram também que os níveis de protecção do emprego não apresentam qualquer correlação significativa com os níveis de taxa de desemprego. A legislação de protecção do emprego quando é mais restritiva afecta sobretudo a mobilidade e a rotação das pessoas entre empregos, embora seja difícil medir as consequências disso na eficiência económica. Por outro lado, sabemos como as relações de trabalho em Portugal asseguram mobilidade salarial e os salários apresentam flexibilidade em resposta às variações da conjuntura económica.

O importante neste ponto tem a ver com o cumprimento das metas da Estratégia de Lisboa relativamente à taxa de participação na população activa e no emprego, com o estímulo à empregabilidade dos mais idosos. Para isso é necessário estender os programas de formação ao longo da vida e aumentar futuramente a idade de reforma, o que também dará contributo importante para a resolução dos problemas do regime de pensões. Esclarecer em definitivo esta questão e resolvê-la tornou-se importante para desvanecer inquietações e estabilizar as expectativas das pessoas por forma a normalizar comportamentos intertemporais de consumo e poupança.

3. A terceira orientação reporta-se à melhoria do nível educacional e profissional da população. Como é bem conhecido, entre os vários subsistemas relevantes para o desenvolvimento onde temos piores indicadores é no sector da Educação. Recordo rapidamente o desastre que temos neste sector. No que diz respeito à percentagem do grupo etário com educação secundária completa, estamos no nível mais baixo entre os países da OCDE e muito abaixo dos 10 países que agora aderiram à União Europeia. Em Portugal há cerca de 20% da nossa população, entre 15 e 64 anos, com curso secundário completo, os níveis médios dos novos países são superiores a 60 %. A mesma coisa acontece em relação ao ensino superior. Apesar destes indicadores temos um nível de despesas com a Educação, que, em percentagem do PIB, é superior à média da OCDE.

Temos também o melhor indicador de todos os países da OCDE na relação entre o número de alunos e de professores, o que, obviamente, deveria ser favorável a uma maior eficácia do sistema. Mas, apesar disso, a verdade é que os resultados, por exemplo, nos exames internacionais do programa PISA da OCDE situam-nos na cauda dos países da OCDE, em todas as matérias, quando estamos na 5ª. posição no que diz respeito às despesas com educação primária básica e secundária, que são os níveis que afectam estes exames internacionais.

Há, portanto, uma enorme perplexidade quando olhamos para estes números e uma grande angústia porque estes indicadores não são fáceis de corrigir e, sobretudo, não se corrigem no curto prazo. É necessário introduzirmos no sistema uma maior exigência na avaliação dos estudantes, dando maior peso a exames nacionais com reflexos na avaliação de escolas e professores.

4. Um quarto ponto de prioridade refere-se ao subsistema de Tecnologia, Investigação e Inovação, com despesas asseguradas sobretudo pelo sector público e não pelas empresas, numa inversão completa do que é a média nos países da OCDE. O investimento e a utilização de tecnologias de informação e comunicações é muito baixo na economia portuguesa quando a evidência internacional mostra que esse é o principal factor explicativo das diferenças de evolução da produtividade entre países desenvolvidos. No nosso caso, 73% dos sectores industriais têm fraca utilização dessas tecnologias, o que é uma percentagem elevadíssima. Por outro lado, o investimento em conhecimento, medido por despesas em investigação e desenvolvimento em software e no ensino superior, situa-nos na cauda dos países da OCDE. Estes indicadores revelam que em relação aos objectivos da estratégia de Lisboa, estamos em níveis muito insuficientes e que este é um sector em que temos de fazer um grande esforço.

5. Um quinto aspecto a melhorar respeita ao nível de concorrência e regulação nalguns sectores da economia onde existem ganhos de eficiência a obter e que possibilitarão reduções de preços de alguns bens e serviços de efeito horizontal significativo na economia. Na verdade, em vários sectores — sobretudo telecomunicações e electricidade — temos preços mais elevados do que a médias europeia. Isto significa que será necessário reforçar as instâncias de regulação e de defesa da concorrência para promover um aumento da eficiência nestes sectores e conter ou reduzir preços para níveis mais próximos dos nossos parceiros europeus.

6. Uma sexta orientação a sublinhar reporta-se à necessidade de melhorar a Administração Pública e a qualidade dos serviços públicos. Necessitamos de uma Administração mais qualificada e independente. É evidente que as limitações actuais nos vencimentos e nas admissões criam algumas dificuldades à modernização da Administração Pública no curto prazo, mas esta é uma reforma que tem de prosseguir com determinação. Um exemplo de serviço muito relevante para a vida económica é o da Justiça cuja baixa eficiência e baixa produtividade se reflecte na morosidade dos processos e da execução de contratos, aspectos em que estamos muito abaixo dos níveis europeus.

Desta enumeração de orientações e prioridades, que são aliás conhecidas, retiram-se conclusões sobre os pontos mais importantes, em que é preciso alterar políticas públicas, reorientar recursos e fazer reformas institucionais. Se não conseguirmos mudar as regras do sistema educativo, alterar o investimento em tecnologia e conhecimento e melhorar a eficiência da Justiça e da Administração não atingiremos uma nova dinâmica de crescimento.

A terminar quero sublinhar dois pontos importantes. O primeiro para recordar que as políticas públicas são muito importantes, mas não são tudo. Fornecem um enquadramento positivo para as empresas aumentarem a produtividade, mas é nestas que se passa o essencial do esforço de aumento de produtividade. Neste sentido, é necessário mais iniciativa das empresas, que dispõem já de um enquadramento favorável com baixo custo de capital e acesso a um grande mercado sem risco cambial. Estão, portanto, em condições de poder aproveitar plenamente a nova fase do ciclo económico que se aproxima e liderar o processo de aumento da produtividade na economia portuguesa.

Quanto ao segundo ponto, quero sublinhar que a referência que fiz relativamente ao novo paradigma que condiciona as políticas e as reformas institucionais favoráveis ao desenvolvimento, não implica a defesa de um pensamento único de fundamento tecnocrático. Evidentemente, a experiência histórica permite identificar certos princípios de regulação económica que se têm revelado mais favoráveis ao desenvolvimento, ao emprego e à equidade social. No entanto, a própria variedade das economias de mercado revela que não existe uma forma única de assegurar os princípios de eficiência económica e social. Creio que alguns aspectos ilustrativos merecem uma referência, necessariamente breve. Por exemplo, os princípios da sustentabilidade das finanças públicas com défices prudentes e dívida pública contida, constituem um aspecto distinto do problema da dimensão do Estado em termos do nível de impostos e despesas em percentagem do PIB.

Entre os dez países mais competitivos do mundo, de acordo com o World Forum, encontramos 6 com elevado nível de despesas públicas e um generoso Estado – Providência. A lista é encabeçada pela Finlândia e contém os restantes países nórdicos onde se têm realizado reformas importantes nos sistemas de protecção social, mas se têm mantido níveis elevados de despesa a par de excedentes orçamentais com vista precisamente à defesa do futuro do Estado-Providência. O que tem tornado esses sistemas compatíveis com o crescimento económico é o facto do sistema fiscal e os programas sociais terem como preocupação fornecerem incentivos aos comportamentos favoráveis ao esforço produtivo e ao crescimento. Assim, por exemplo, a fiscalidade global é elevada, mas não a fiscalidade sobre os rendimentos do capital, aspecto em que os países têm que se manter competitivos.

O sistema fiscal usa bastante os impostos indirectos e os impostos sobre rendimentos pessoais do trabalho, podendo apressadamente ser apodado de regressivo nalguns aspectos. No entanto, isso encontra compensação em despesas elevadas em programas sociais desenhados por sua vez de forma a estimular a inserção no emprego produtivo, o que é visível na monitorização dos subsídios de desemprego e na importância das chamadas políticas activas de emprego.

Existe assim uma enorme margem de debate sobre a dimensão e qualidade de serviços públicos que a sociedade deve assegurar.

Divergências importantes existem entre os que querem reduzir o peso do Estado e o nível de fiscalidade e os que vêem os impostos como um investimento nas pessoas através de melhor educação, melhores condições de saúde ou adequado apoio em situações de desemprego ou incapacidade. Do mesmo modo, são legítimas as discordâncias entre os querem privatizar o regime de pensões ou os serviços de saúde e os que os defendem como expressão de direitos que são o reflexo de mecanismos eficientes de seguro e partilha social de riscos.

Ou seja, divergências que têm origem na divisão entre os que acreditam que a sociedade existe e implica princípios de responsabilidade mútua e os que consideram, na expressão da Sra Tatcher que «não existe sociedade, há apenas indivíduos e famílias» devendo predominar um princípio de responsabilidade pessoal, com « contas individuais» relativas a pensões e a cuidados de saúde como é agora proposto pelo Presidente Bush.

Tudo isto remete para debates essenciais sobre o futuro das sociedades modernas, debates que são também fundamentais para o nosso processo de desenvolvimento e para a vitalidade da democracia que, gloriosamente, o 25 de Abril nos trouxe.

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