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Discurso do ministro Campos e Cunha

Aproxima-se a hora da verdade para a consolidação das nossas finanças públicas.

11 de Maio de 2005 às 19:33
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Aproxima-se a hora da verdade para a consolidação das nossas finanças públicas.

Dentro de mais alguns dias, a Comissão Constâncio revelará a dimensão do problema, apresentando o valor do défice implícito no Orçamento do Estado para 2005.

Dias depois, será a vez do Governo apresentar ao País as medidas concretas, primeiro no Programa de Estabilidade e Crescimento para 2005-2009 e depois no Orçamento Rectificativo.

A poucas semanas desse momento decisivo para os portugueses, para os investidores internacionais e para os nossos parceiros da União Europeia, a minha presença hoje aqui tem um objectivo: desmistificar três perigosas falácias que poderão estar enraizadas nalguma opinião pública e relacionadas com as finanças do Estado.

A primeira falácia é que o Pacto de Estabilidade e Crescimento morreu.

Desde que os Estados da União Europeia aprovaram as novas regras de aplicação do PEC, muitos comentadores nacionais e estrangeiros se prontificaram a enterrá-lo.

Ora na actual conjuntura, nada é mais falso e perigoso do que a ilusão da morte do PEC.

A morte do PEC é falsa, porque não corresponde ao que foi aprovado, ou seja, comentou-se sem estudar o que de facto foi acordado.

A ilusão da morte do Pacto é perigosa porque cria nos portugueses uma ideia de facilidade, quando se mantém intacta a absoluta necessidade de sanear as contas públicas.

A ilusão da morte do Pacto é perigosa porque as agências de rating sentem uma obrigação acrescida, quiçá um excesso de zelo, na vigilância de países como Portugal.

A ilusão da morte do PEC é também perigosa pelo impacto que pode ter no ambiente económico e nos mercados financeiros, prejudicando o País, as famílias e as empresas.

Para que fique claro, não descontando qualquer categoria de despesa pública, o novo Pacto mantém obviamente intactos os valores de referência de 3% do PIB e só mostra alguma compreensão para com défices marginalmente acima desse valor.

Como no OE de 2005 o défice estará certamente muito para além dos 3%, não se prevê grande margem adicional por parte do novo PEC.

Para o nosso caso, a única alteração relevante do Pacto é tempo. Temos mais tempo para reduzir o défice, sem recurso a expedientes contabilísticos que só minam a credibilidade do país e agravam o próprio problema orçamental nos anos seguintes.

Mais tempo significa apenas que, se começarmos já a trabalhar nesse sentido, poderemos evitar o recurso a medidas cegas e não sustentáveis a prazo.

O programa do Governo é claro quanto a este ponto: até ao final da legislatura, cumpriremos o Pacto sem recurso a receitas extraordinárias.

Enquanto aguardamos pelos resultados da Comissão Constâncio, deixo-vos uma ideia da dimensão do desafio.

Chegar ao final de 2008, com um défice abaixo dos 3% do PIB equivale a preparar o sector público para viver com menos quatro mil milhões de euros. É reduzir o défice sensivelmente em mais de 1% do Produto por ano!

A segunda falácia é que a consolidação das finanças públicas prejudica a economia.

Desde 2001 que a economia estagnou e a confiança afundou-se, o desemprego quase duplicou, o défice manteve-se insustentável e a dívida pública não parou de subir.

Nos últimos quatro anos a taxa média de crescimento anual da nossa economia ficou abaixo de 0,5% e a divergir da União Europeia.

E o mais grave é que isto sucede num quadro internacional e de políticas pouco ou nada restritivas. Senão vejamos:

*Não há crise internacional. A economia mundial em 2004 cresceu a 5% e o comércio internacional a 10%. A economia europeia não acompanhou a economia mundial, mas está longe da estagnação;

*A política orçamental não tem sido restritiva quando os sucessivos défices ficam acima dos 5% do PIB; mesmo se medida pelo défice estrutural a sua restrictividade tem sido apenas marginal;

*A política monetária do Banco Central Europeu é claramente expansionista. Portugal goza hoje de excelentes condições de crédito e de taxas de juro historicamente baixíssimas.

Ora isto é exactamente o oposto do que sucedeu em períodos recessivos anteriores.

Nas recessões de 83-84 e de 93-94, as políticas monetária e orçamental foram claramente contraccionistas e portanto pró-ciclicas. Apesar disso a retoma fez-se através das exportações, seguida do investimento e só depois do consumo privado.

Hoje, e com a consolidação orçamental por fazer, a economia portuguesa teima em não descolar. A retoma iniciou-se pelo consumo privado, e não pelas exportações, o que põe em causa, desde logo, a sua sustentabilidade.

Países como a Suécia ou a Irlanda tiveram processos duríssimos de consolidação orçamental, mas poucos anos depois apresentavam-se como algumas das economias mais competitivas.

A redução do défice público, seja pela receita seja pela despesa, não deixará de ter um impacto imediato negativo de tipo keynesiano no crescimento. No entanto, o aumento da confiança dos agentes e da credibilidade do país certamente que terão um efeito positivo no ambiente dos investimentos e um efeito expansionista para a economia. Sendo que a prazo este último efeito positivo acabará por dominar.

É crucial que entendamos de forma definitiva que precisamos de reduzir o défice para:

continuarmos a usufruir de baixas taxas de juro;

voltarmos a convergir com a União Europeia;

termos mais e melhor emprego.

Precisamos de reduzir o défice para garantirmos o Estado Social que os Portugueses ambicionam e merecem.

A consolidação orçamental, num quadro de políticas económicas adequadas, é condição necessária para a competitividade da economia, gerando confiança e induzindo o crescimento.

A terceira falácia é que as soluções são apenas mais sacrifícios

A base da estratégia plurianual de consolidação orçamental desta legislatura é o Programa de Estabilidade e Crescimento para 2005-2009.

O documento será apresentado à Assembleia da República e à Comissão Europeia até ao final deste mês e é crucial para garantir a credibilidade de Portugal junto dos investidores, dos mercados internacionais e dos nossos parceiros da União Europeia.

Por esta razão as medidas exactas nele contidas serão apresentadas em primeira mão noutro momento e na Assembleia da República.

De qualquer modo, face à grave situação de partida, a aceitação internacional do Programa é crucial.

Neste contexto, o Programa de Estabilidade deverá ter três características.

1 - A primeira, o Programa deve consistir num pacote integrado de medidas, com uma calendarização de implementação concreta, articulada e quantificada.

Assim se dará conta de forma transparente do plano de acção com vista à prossecução de objectivos quantificados.

Como verdadeiro plano plurianual de política orçamental, terá diversos tipos de medidas.

Medidas de efeito imediato;

Medidas aprovadas desde já, para ter em conta no Orçamento do Estado para 2006;

Medidas mais estruturais ou com processos legislativos mais demorados, que necessariamente levarão mais algum tempo a ter efeitos, mas que imediatamente devem fazer parte do compromisso público e internacional.

2 - A segunda característica é que o Programa deve ser "front-loaded", ou seja, concentrar o esforço em 2005 e 2006.

É essencial não adiar o esforço para o final da legislatura. A opinião pública, os mercados e Bruxelas estão à espera que assim seja. As medidas necessárias e que garantem a credibilidade e o compromisso de todo o programa, terão que ser assumidas desde já, até porque muitas delas não provocam efeitos imediatos.

3- A terceira característica do Programa é assentar na contenção da despesa pública, com particular atenção à evolução dos custos de pessoal e salvaguardando a sustentabilidade da segurança social.

No horizonte desta legislatura, como já referi na Assembleia da República, não é realista pensar que se pode reduzir o défice sem um significativo aumento da receita fiscal. Mas uma consolidação orçamental duradoura e sustentável tem de se basear essencialmente na redução da despesa.

Note-se que há rubricas da despesa, que pela sua dimensão ou natureza são menos relevantes neste processo: o consumo intermédio está abaixo dos 4% do PIB, os juros não atingem os 3% e o investimento rondará os 4,5% do Produto.

As grandes rubricas da despesa são as despesas com pessoal, com 15% do PIB, e as transferências correntes, nomeadamente a saúde e a segurança social, com 22% do Produto.

À consolidação orçamental não pode escapar estas duas rubricas que representam três quartos da despesa pública portuguesa.

Do lado da despesa, o Programa tem acima de tudo de:

- garantir a sustentabilidade de longo prazo da segurança social;

- reduzir a dimensão estrutural da administração pública, reformar a gestão dos recursos humanos, promover a flexibilidade e premiar adequadamente o mérito;

- criar incentivos para a melhoria da qualidade da despesa pública, nomeadamente na saúde, no ensino ou no investimento.

 

Em conclusão, este programa de Estabilidade não é do ministro das Finanças ou mesmo do Governo.

Deve ser de todos os portugueses para, definitivamente resolvermos a situação orçamental de forma realista e determinada.

Enganem-se pois aqueles que pensam que as soluções são apenas mais sacrifícios. Pelo contrário. Estas são as medidas necessárias para manter a sustentabilidade das finanças públicas e garantir o crescimento da economia. Só essa sustentabilidade e esse crescimento podem garantir um Estado forte. E só um Estado forte pode garantir a segurança e a protecção dos mais fracos.

Estou consciente das dificuldades e dos desafios, mas estou também convicto de que este é o rumo certo com vista a uma participação plena de Portugal no contexto de uma União Europeia alargada e mais competitiva.

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