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Cortar bónus pode prejudicar ainda mais a economia?

A população agita cartazes de protesto à porta dos executivos da AIG e os congressistas querem tributar os bónus de 2008 a uma taxa de 90%. Obama, que de início se mostrou favorável ao castigo, está a recuar. A medida pode acalmar ânimos, mas abalar o desejado percurso da estabilidade económica

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O artigo do Negócios, intitulado "Cortar bónus pode prejudicar ainda mais a economia",
da autoria das jornalistas Elisabete de Sá e Elisabete Miranda, venceu, na categoria de "Gestão de Empresas, a 4.ª edição do prémio de Jornalismo Económico do Banco Santander Totta. Leia (ou releia) aqui o artigo.


De um lado estão os congressistas que aprovaram, na semana passada, uma lei que introduz uma tributação de 90% aos bónus relativos a 2008 pagos aos executivos de instituições financeiras que tenham recebido mais de 5 mil milhões de dólares em ajudas dos cofres públicos (cerca de 3,7 mil milhões de euros). Do outro, encontra-se o Senado norte-americano, que começa esta semana a estudar a proposta.

Entre uns e outros, está uma opinião pública furiosa a braços com uma crise económica que vitimou casas e empregos, que faz questão de expressar bem alto a sua indignação, gritando palavras de ordem como "ganância" e "cadeia" e exigindo um sinal de que os protagonistas do colapso financeiro serão punidos. "As pessoas juntam-se em autocarros e vão empunhar cartazes de protesto à porta de casa de alguns desses gestores", descreve Rui Albuquerque, professor de Finanças e Economia na escola de gestão da Universidade de Boston.


Líder da AIG diz que bónus são "repugnantes"

O escândalo estalou quando se soube que a seguradora norte-americana AIG ia pagar bónus de 127 milhões de euros aos seus executivos e funcionários. Isto depois de ter sido salva da falência pelo Governo em Outubro do ano passado, através de uma injecção financeira de 132 mil milhões de euros. Edward Liddy, presidente da seguradora, foi ouvido a 18 de Março pelo congresso norte-americano, onde admitiu que os bónus aos administradores eram "repugnantes". Liddy, que só começou a gerir a seguradora em Setembro do ano passado, anunciou ainda ter pedido aos funcionários que receberam bónus acima de 74 mil euros que devolvessem metade desse dinheiro.


Ao retirar este tipo de incentivos [bónus] aos bons gestores, o futuro das empresas fica empenhado
Nuno Fernandes
Professor de Finanças do IMD
E entre todos está a Casa Branca, que numa fase inicial se mostrou favorável ao agravamento da tributação bónus, mas que entretanto , recuou de forma cautelosa, dando já sinais de que esta talvez não seja a melhor solução. Numa entrevista ao programa "60 minutes", no fim-de-semana, Barack Obama fez questão de deitar água na fervura, afirmando que "a raiva" não pode motivar a actuação do Governo. "Este tipo de legislação não revela equilíbrio entre a necessidade de abordar a justificada raiva do Congresso e do povo americano acerca do dinheiro que está a ser gasto em bónus não merecidos e a necessidade de manter o caminho rumo à estabilidade financeira", detalhou um conselheiro económico do vice-presidente Joseph Biden, citado pelo "The New York Times".

Para Rui Albuquerque, que tem centrado quase todo o seu trabalho académico em questões de mercado de capitais e governo das sociedades, não restam muitas dúvidas: a lei não vai passar. O mercado falará mais alto que o populismo . E não será por esta via que o Governo conseguirá remediar o erro de ter injectado mais de 170 mil milhões de dólares na seguradora AIG, sem definir, à partida, eventuais condições para o fazer. Rui Albuquerque cita Winston Churchill: "Se eu vou pagar à banda, quero poder dizer-lhe que música é que vai tocar". Antes do concerto começar, é claro.

Emenda pior que o soneto
A discussão segue agora para o Senado, que sobre ela deverá votar apenas no próximo mês. Até lá, o debate nos Estados Unidos da América começa a centrar-se nos riscos que uma medida deste género pode acarretar. Os argumentos são vários e de toda a ordem.

De forma mais imediata, um eventual agravamento da carga fiscal sofre os bónus poderá surtir um efeito semelhante ao que foi provocado pela imposição de um salário anual máximo de 500 mil dólares aos executivos de empresas que recorram ao pacto de estímulo financeiro.

A medida foi aprovada pela Administração Obama no início de Fevereiro e várias empresas, nomeadamente do sector financeiro, não quiseram incorrer nesta obrigatoriedade. O EUA poderão deslizar para uma crise económica ainda mais profunda se o sistema bancário não estiver estabilizado, frisou Obama, na sua intervenção no "60 minutes". É que desencorajar bancários de participar nos programas de apoio que estão em curso, poderá significar menos liquidez num sistema que ainda está fragilizado. "Pelo que o risco sistémico manter-se-á", defende Nuno Fernandes, professor de Finanças da escola de gestão suíça IMD, que feito pesquisa sobre os sistemas de remuneração das cotadas portuguesas.

A prazo, uma limitação de bónus poderá levar a que a estabilidade - no que a expressão tem de menos ousado e inovador - seja, por si só sinónimo de incentivo. E até mesmo resultar numa fuga dos melhores quadros para empresas estrangeiras e áreas de actividade menos escrutinadas. "Ao retirar este tipo de incentivos aos bons gestores, o futuro das empresas fica empenhado", aponta ainda Nuno Fernandes.

Rui Albuquerque e Nuno Fernandes têm sido dois críticos da "desgovernação" salarial dos executivos de topo, particularmente na sua ténue relação com indicadores de desempenho de médio e longo prazo. Ambos defendem agora que o populismo é a única justificação para avançar com uma lei com estes contornos. "A intervenção política nas empresas nunca teve bons resultados", alerta Nuno Fernandes. Dentro das empresas privadas, são soberanos os seus accionistas.

"Uma vez mais, acho que o 'free market' vai funcionar . Até porque nenhum investidor gosta de sentir que tem no Estado uma entidade arbitrária que, a qualquer momento, interfere na vida dos mercados", acrescenta Rui Albuquerque.


Lá por fora
Como são tributados os prémios?

EUA: sistema fiscal distorceu as escolhas
O nome do antigo presidente norte-americano, Bill Clinton, parece ser indissociável da actual crise. Por ter permitido um crescimento desmesurado do mercado hipotecário de alto risco (o popularizado "subprime"), mas, também, por ter criado a legislação fiscal que levou a que boa parte remuneração dos gestores de topo fosse paga a título variável.

Foi na era Clinton que, em traços gerais, a lei veio prever que as empresas apenas podiam deduzir como custo - ao equivalente ao IRC português - um máximo de um milhão de euros por cada gestor de topo. Esta situação, que com carácter aparentemente bem intencionado, acabou por ter um efeito perverso: levou a que as empresas, para poderem continuar a deduzir custos, pagassem até um milhão de euros de salário fixo e, a partir daí, cobrissem o resto com remunerações variáveis, designadamente prémios, indexados ao desempenho de curto prazo. Do lado do beneficiário do rendimento, o Departamento do Tesouro cobra 35% sobre prémios e bónus superiores a um milhão de euros e uma parcela de 25% a valores inferiores a esse patamar.

Reino Unido: bónus pagam imposto e segurança social
No Reino Unido, o pagamento de um bónus por parte da entidade patronal é considerada como remuneração do trabalho, sendo por isso sujeito a imposto sobre o rendimento e também ás taxas para a Segurança Social. O sistema é mais generoso se o prémio for em espécie, designadamente através de acções. Sempre que o trabalhador mantenha os títulos durante pelo menos cinco anos, não paga imposto nem Segurança Social quando as adquire. Também está isento de mais valias, desde que os títulos fiquem sempre associados ao plano de incentivos da empresa.





Novo Código do Trabalho mantém prémios a salvo da Segurança Social

Gratificação. Percentagem. Comissão. Participação. Prémio. Independentemente do que se chame a uma remuneração que visa premiar o trabalhador pelo seu desempenho, o IRS que sobre eles recai é o mesmo. Se a lei fiscal os enumera é apenas para evitar que a fertilidade da língua portuguesa sirva de pretexto à evasão fiscal. Contudo, na Segurança Social já não é bem assim.

De acordo com as regras fiscais portuguesas, todo e qualquer rendimento que o contribuinte receba a título de remuneração, é considerado rendimento do trabalho e englobado no IRS. Seja ele recebido de forma fixa ou variável, em dinheiro ou em espécie (veja-se o artigo 2º do Código do IRS). Estes rendimentos do trabalho são somados aos rendimentos prediais, de capitais e mais-valias que o contribuinte eventualmente tenha, deduzidos dos benefícios fiscais, e sujeitos à taxa de IRS do escalão de rendimento respectivo. Portanto, a lei fiscal é neutra, não incentivando as empresas a optarem por uma ou outra forma de remuneração dos seus quadros.

Chamem-lhe gratificações, percentagens, participações ou prémios: ao IRS, nada escapa. Já no caso da Segurança Social, a lei é mais generosa
O mesmo se aplica às "stock-options", que desde 2001 estão desenhadas para não darem um tratamento discriminatório a estes incentivos (antes disso, e por falta de uma alegada regulamentação, estes prémios escaparam aos impostos). Em traços gerais, este instrumento é tributado no momento em que o direito é exercido, e pela diferença entre o valor de mercado das acções e o valor pelos quais os trabalhadores as adquiriram (como rendimentos do trabalho dependente, categoria A); e, num segundo momento, em sede de mais valias, quando os trabalhadores resolverem vender os títulos com lucro (cat. G).

Segurança Social: a periodicidade conta
Mas, se na legislação fiscal nem o nome nem a periodicidade da retribuição contam, já na Segurança Social não é bem assim. Os trabalhadores ou gestores que recebam um prémio têm de pagar ou não taxa social única sobre esse montante consoante ele seja posto à disposição do trabalhador ou gestor de forma periódica (diluído por vários meses, por exemplo) ou num momento único (no final do ano).

Esta diferenciação já vinha de trás, e o novo Código do Trabalho, que entrou em vigor em Fevereiro deste ano, reitera-a. Continua a considerar que "a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie". Contudo, nos artigos seguintes (260º) exclui deste conceito de retribuição "as gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa" assim como "a participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho".

Em contrapartida, a taxa social única incide sobre "prémios de rendimento, de produtividade (...) que tenham carácter de regularidade".





Devolver os prémios para acalmar os ânimos

O passado está a ser resolvido de vários modos. Recurso a tribunal, pela força da lei ou de forma voluntária. O futuro pede transparência e prazos mais longos

"Não tenho a menor dúvida de que os esquemas de incentivos vão passar a ser diferentes como consequência desta crise", aponta Nuno Fernandes, especialista em Finanças e professor da escola de negócios suíça IMD. Os pagamentos variáveis e os sistemas de atribuição de bónus deverão passar a ser mais indexados a indicadores de desempenho de médio-longo prazo, o que poderá passar pelo seu diferimento no tempo. A transparência deverá ser reforçada.

Em tempos de crise, como nunca, os modelos de remuneração dos executivos do sector privado, ficam debaixo de fogo. Um pouco por todo o globo, a opinião pública pede sinais de contenção, pressionando poderes políticos e decisores empresariais. Responsáveis como Richard Fuld (Lehman Brothers) e John Thain (Merrill Lynch), têm vindo a ser "crucificados" em praça pública devido aos bónus e indemnizações a que tiveram direito ao deixar a gestão de instituições que se debatiam com a sua própria viabilidade. E é também por isso que empresas, como o banco holandês ING, têm vindo agora a solicitar a quadros de topo e funcionários, a restituição voluntária dos bónus recebidos referentes ao exercício de 2008.

Na Holanda, como nos Estados Unidos da América, o afastamento do Estado da esfera da gestão privada é facilitado por culturas onde os accionistas intervêm e exercitam os seus direitos de forma activa e sonora. Uma postura que contrasta com a norma do mercado português. Por cá, poucos são os casos conhecidos de batalhas accionistas contra a remuneração dos gestores. A luta de Joe Berardo contra a anterior administração do BCP é uma excepção. O empresário, que se senta hoje na comissão de vencimentos do banco, tornou pública a sua disputa com os anteriores responsáveis executivos do banco, os quais lhe terão negado acesso a informação relativa aos salários e prémios de gestão auferidos pelos administradores. Este caso está prestes a seguir para os tribunais (ver caixas em baixo).

As regras de governo das cotadas em Portugal obrigam à existência de uma comissão de vencimentos à qual compete a definição, delegada pelos accionistas em assembleia-geral, das políticas salariais e valores a atribuir. Esta comissão deve ser composta, maioritariamente, por independentes. Critério que, segundo o último relatório da CMVM, está longe de ser amplamente cumprido. ES


Berardo acusa antiga gestão
do BCP de manipular lucros para receber mais prémios.
Prémios no BCP vão a tribunal

Joe Berardo vai avançar com uma acção em Tribunal contra os anteriores gestores do Banco Comercial Português (BCP), a partir de 20 de Abril. O empresário e accionista do banco explicou ao Negócios que pretende exigir à anterior administração um ressarcimento pelo facto de ter "manipulado os lucros durante vários anos para receber prémios de gestão" e obter "benefícios para o resto da vida" como é o caso das pensões de reforma.

Berardo estima em cerca de 700 milhões de euros, o valor que deverá ser exigido de volta aos antigos administradores. Inicialmente, a apresentação da acção estava prevista para Setembro do ano passado, no entanto, Berardo acabou por atrasar a sua entrega devido à entrada em vigor do novo código das custas judiciais, que permite uma redução substancial dos encargos que lhe estão associados. O actual conselho de administração do BCP não vai receber qualquer remuneração variável relativa aos resultados de 2008, de acordo com a decisão do conselho geral e de supervisão da instituição, na sequência de uma proposta feita pela própria equipa liderada por Santos Ferreira. MJS


Jan Hommen, CEO do ING, pediu a devolução dos bónus atribuídos aos funcionários.ING pede devolução dos bónus

O banco holandês ING pediu aos seus funcionários que devolvessem os bónus referentes ao exercício do ano passado, e que já lhes tinham sido atribuídos. "Dado o contínuo escrutínio público de práticas de pagamento variável na nossa indústria, o ING está a alinhar as suas práticas de compensações variáveis com a nova realidade", referiu o banco numa carta aos seus funcionários. O banco acrescentou que as recompensas irão se congeladas até ao próximo ano.

Em 2010 o ING promete criar novas regras. O presidente executivo, Jan Hommen, afirmou na mensagem que "neste ambiente, temos de mostrar como levamos a sério este assunto". O responsável sublinhou ainda que "temos de pôr este assunto para trás para nos podermos focar no que mais interessa, os nossos clientes e como levamos a empresa para a frente." O banco holandês recebeu 1,7 mil milhões de euros de ajudas do Governo em Dezembro e, segundo o jornal "De Volskrant" deverá ter pedido a devolução dos bónus a 1.200 funcionários. LR


Obama está a recuar na tributação dos bónus. Não se pode lesgislar pela raiva, já avisou.Menos dinheiro e mais impostos

Uma das primeiras medida da nova liderança de Barack Obama foi a imposição de um tecto salarial aos executivos das instituições financeiras que recorram ao auxílio estatal. Por ano, estes não poderão levar para casa mais de 500 mil dólares (cerca de 390 mil euros), um valor que, face aos elevados salários pagos em Wall Street, pode ser considerado simbólico. A medida foi anunciada uma semana depois do novo presidente norte-americano ter entrado na Casa Branca.

E foi acompanhada pelos "soundbites" de Obama a apontar a "irresponsabilidade" e a "vergonha" dos bónus pagos em 2008 a executivos da banca americana. Ao estabelecer um tecto salarial procurou-se injectar confiança no sistema financeiro, fundamentou Obama. Os críticos apontaram o populismo desta medida, da mesma forma que argumentam agora contra um eventual agravamento da carga fiscal sobre os bónus. O Governo americano é acusado de estar a interferir demasiado na esfera das empresas privadas. O que, quanto a gerar confiança no sistema, pode virar-se contra o feiticeiro. ES




Peso e medida
Sistema de bónus tem vindo a crescer

Prémios são a grande fatia dos salários na Europa
É através de prémios e bónus que os gestores europeus recebem cada vez mais o essencial do vencimento, em particular no sector financeiro. Segundo um estudo da consultora Mercer, o salário base médio dos executivos na banca rondou os 1,15 milhões de euros em 2007. A este valor, acrescem prémios que, em média, representam 164% do valor base, quando no ano anterior, em 2006, eram de 121%. Tudo somado, contando ainda com outras componentes variáveis de remuneração, o vencimento médio rondou os 4,3 milhões de euros. No sector segurador, os valores são mais baixos, mas a proporção entre salário base e prémios é idêntica, com os últimos a representarem 140% do primeiro, quando em 2006 era de 101%.

Variáveis competitivas em Portugal
Em Portugal, como no resto da Europa, a remuneração variável (prémios, bónus e planos de opções sobre acções) pesam cada vez mais no salário dos executivosde topo. Em 2006, segundo dados da Hay Group, a retribuição variável representou, em média, 19% do salário total dos gestores de topo nacionais. Quanto mais competitivas são essas empresas, mais elevada é a componente variável, analisou o estudo "Top Executives" do Hay Group.

O efeito perverso dos bónus
O debate em torno da remuneração variável dos gestores do topo é recorrente e tem disso, aliás, um dos temas em cima da mesa quando o debate se centra em torno da boa governação. Se para alguns, os prémios decorrem dos méritos dos gestores e são, por isso, legítimos, existem também quem aponte para os seus efeitos perversos. Por exemplo, no caso do sistema financeiro, a introdução do sistema de bónus pode encorajar uma excessiva tomada de riscos que não está alinhada com os interesses dos próprios bancos a longo prazo. Aliás, para Joseph Stiglitz, os bónus contribuíram para o desenrolar da crise. Segundo o prémio Nobel da Economia em 2001, nestas circunstâncias, é natural que quem partilhou os ganhos deve agora também assumir as perdas. Já em Maio de 2008 Stiglitz defendia que os bónus deviam ficar retidos por 10 anos. E de então para cá a situação só se agravou.





















Salários devem reflectir o futuro


Salários mais alinhados com os interesses de accionistas e a sustentabilidade do negócio; e componentes variáveis indexadas a indicadores que permitam medir o desempenho dos gestores a médio e longo-prazo - é nestes pontos que, um pouco por todo o mundo, se centra a discussão acerca da necessidade de contrariar políticas de incentivos que promovam uma gestão de curto-prazo. O regulador do mercado de capitais britânico, já fez o resumo das boas e más práticas salariais.


Boas Práticas

• Calcular o bónus com base nos lucros e fazendo referência a outros objectivos de negócio.

• Avaliar a performance com base numa média de resultados de vários exercícios.

• Os bónus devem ter em conta a avaliação de vários indicadores de performance, entre os quais competências de gestão do risco, adesão aos valores da empresa e aspectos comportamentais.

• A componente fixa do pacote salarial deve ser suficientemente grande para ir ao encontro dos compromissos financeiros do funcionário.

• Um pacote salarial deve incorporar dinheiro e outros componentes através de um desenho que encoraje a cidadania organizacional e o alinhamento dos interesses dos funcionários com os da empresa (acções, opções de compra).

• Política salarial desenhada com base numa previsão de riscos, por exemplo, riscos de liquidez.

• Uma proporção maioritária dos bónus é diferida de forma a que consiga estabelecer o impacto do desempenho num ano nos resultados a longo prazo.

• Os salários dos funcionários de áreas de risco e "compliance" são determinados de forma independente fora das respectivas áreas de negócio.
Más Práticas

• Calcular o bónus indexado às receitas, sem contrabalançar o controlo dos riscos.

• Avaliar o desempenho exclusivamente com base nos resultados do ano fiscal em curso.

• Calcular os bónus apenas com base no desempenho financeiro.

• Remuneração com uma pequena, ou nenhuma, componente fixa.

• Pagar apenas em dinheiro.

• Bónus sem diferimento.

• Não alinhar o pagamento de elementos diferidos com o desempenho futuro do negócio.

• Usar esquemas de bónus que não têm em conta o risco ou custos de capital.

• As áreas de negócio podem determinar o salário dos funcionários ligados a área de risco e de "compliance".

• Os funcionários têm a possibilidade de influenciar em excesso a avaliação das suas posições, bem como dos indicadores de desempenho a que estão sujeitos.





Tipo de prémios

1 Bónus
São atribuídos a título
de incentivo e dependem, em regra, do cumprimento de objectivos globais da empresa, funcionais ou individuais.

2 Planos de acções ou opções
Incentivo que ganhou mais expressão, a partir dos anos 90, como sendo uma forma de alinhar mais o gestor com o interesse do accionistas. Foram desenhados como incentivo de longo prazo, uma vez que o exercício do direito de compra não é imediato. O gestor ganha com a valorização da acção entre o momento em que adquire o direito e o momento em que o exerce.

3 Fringe benefits
Incentivos adicionais como automóvel, viagens, assistência médica e seguros.





Os prémios dos gestores devem ser cortados?

Há argumentos fortes a favor e contra a limitação dos prémios dos gestores das empresas intervencionadas nesta crise. Helena Garrido é a favor do corte nos prémios de gestão pelo efeito social. Pedro Guerreiro é contra, porque, ao contrário, pode agravar a tensão social. O confronto de ideias pretende contribuir para o debate necessário. Participe também nele em negocios.pt



PELO NÃO
Pedro Santos Guerreiro

Matar a praça financeira não dá vida à praça pública


Há uma maneira eficaz de acabar com as enxaquecas de um doente: cortar-lhe a cabeça. É o que o Congresso americano faz com a proposta de um imposto de 90% sobre os prémios dos gestores da banca intervencionada: varre-os da praça financeira para júbilo da praça pública. Não é um erro, são dois: o de dizimar o sistema financeiro; e o de, paradoxalmente, poder agravar as tensões sociais que se quer distender.

A praça financeira: foram os prémios da AIG que detonaram uma onda de indignação. É compreensível: a seguradora onde os contribuintes americanos já injectaram 173 mil milhões de dólares vai pagar 220 milhões em bónus. Impotentes para impedir o que Obama considerou um ultraje, os congressistas propuseram um imposto que, retroactivamente, capture 90% desse prémio - e de todas as companhias sob intervenção.

Não, não se pode cortar prémios à pressão e por pressão. Os contribuintes foram extorquidos mas vingança não é justiça.
A medida é de legalidade duvidosa, porque cancela retroactivamente direitos contratualizados. Mas esse é o menor dos problemas. Além de estar a meter justos e pecadores no mesmo saco, este "confisco" de bónus vinga o passado atacando o futuro: hostiliza também os gestores que foram chamados para salvar a banca americana.

O mundo tem todas as razões para estar zangado com o sistema financeiro, mas não pode viver sem ele. Não pode fechá-lo. É por não haver alternativa, escreve a "The Economist" esta semana, que se estão a salvar os bancos: "Demonizar o sistema financeiro e os banqueiros torna politicamente mais difícil salvar o sistema financeiro, o que envolve trabalhar com eles e até premiá-los". Ou, acrescentava o "Financial Times" ontem, estes bónus não são dados pelo desempenho passado, mas para reter aqueles cujo trabalho é essencial na estabilização do sistema financeiro americano - e mundial. Que gestores quererão gerir bancos falidos se correm o risco de verem os prémios retirados e o seu nome anexado às listas dos infames que aniquilaram as instituições que eles estão a tentar salvar?

A praça pública: esta eliminação de prémios tem um fundamento moral e, sobretudo, a intenção de acalmar os contribuintes que se sentem extorquidos em favor da alta finança. Esse sentimento é social é justificadíssimo, mas não é com gasolina que se apagam fogos. Quando um senador republicano diz, como disse, aos gestores da AIG "demitam-se ou suicidem-se", está no grau zero da política, manipulando a ira das massas como na Idade Média.

O paradoxo é que, querendo pacificar os ânimos, pode estar-se a acicatá-los. Neste momento, o mais fácil é atacar banqueiros, gestores, privilegiados, proprietários, capitalistas, salários, prémios, mas a generalização é perigosa: cria-se um anti-gueto social, em que ser "rico" é defeito de carácter, ter lucros é uma iniquidade, alcançar objectivos é ganância. Governar para a popularidade é a mais perigosa tentação de um político. Não é regulação, é alienação.

Os países precisam dos bancos, dos bons gestores a salvá-los e de conter a ira social: ela é justificada mas não será resolvida se for saciada. Com a subida do nível do mar, todos os problemas das Maldivas serão resolvidos: as Maldivas acabam.





PELO SIM
Helena Garrido

Em defesa da democracia e do capitalismo

Uma gestão política sensata é mais importante para defender a democracia e para salvar e refundar o capitalismo, do que os pacotes de medidas económicas e financeiras. Porque a actual crise é muito mais que técnica. A crise feriu a alma do sistema, ao magoar profundamente a confiança dos cidadãos na banca e nos mecanismos de controlo das democracias.

Sim, é preciso cortar nos prémios dos gestores que insistem em não ter consciência da bomba-relógio que esta crise pôs a funcionar. Uma bomba que não será desactivada apenas com os milhões e milhões injectados na economia. É na política que está o segredo para se voltar a confiar.

Sim, é preciso cortar nos prémios dos gestores para recuperar a confiança no capitalismo e combater o populismo.
Não responder à compreensível revolta dos cidadãos com o que parece ter sido uma "fartar de vilanagem' em alguns universos empresariais cria terreno fértil para o populismo, ameaçando a democracia.

Gestores com consciência política e social deviam tomar a iniciativa de reduzir os seus prémios, mesmo sabendo que têm direito a eles porque são apenas uma parcela da sua remuneração. Os que não o fazem por livre vontade, devem ser obrigados pela lei, nomeadamente através de impostos.

Deve o Estado limitar todos os prémios? Claro que não. A limitação dos prémios deveria ser lei para todas as empresas que receberam alguma forma de ajuda do Estado. Quem não usou dinheiro público é livre de pagar o que entender aos seus gestores.

A intervenção do Estado, na remuneração dos gestores de empresas que ajudou, é justificada pelo dinheiro dos contribuintes. É verdade que os efeitos de "não salvar os bancos" seriam catastróficos e os contribuintes estão a pagar para evitar um mal maior. Mas exactamente por isso têm o direito de impor regras.

O argumento de que a limitação dos prémios de gestão afasta das empresas os melhores não pode ser levado em consideração porque, na realidade, hoje têm poucas ou nenhumas alternativas de emprego. Muito menos com o curriculum de terem contribuído directa ou indirectamente para o caos que hoje se vive.

Há ainda o argumento de os bancos não aceitarem os apoios para evitarem as regras impostas pelo Estado. É um risco que correm e um direito que têm. Aí, os poderes públicos podem avisar que, caso não consigam resolver o problema sozinhos, a próxima intervenção pública será a nacionalização. O Estado não pode é, por causa dessa opção ditada por interesses salariais de um grupo, colocar em risco a estabilidade política e social.

Os gestores são (ou deviam ser) como os generais. Devem cobrir-se de glória feita de elevadas remunerações em tempos de prosperidade, simbolizando neles o sucesso da sua empresa e assim motivando os seus empregados. Mas, exactamente pela mesma razão, têm de sofrer as derrotas sacrificando-se até mais que os soldados.

Em tempos excepcionais exigem-se medidas de excepção. Quando os prémios dos gestores são uma ameaça política, a escolha é óbvia. A liberdade é um valor máximo da sociedade ocidental. Os incentivos perversos de limitar os prémios de alguns gestores valem zero quando está em causa proteger a estabilidade social, garantir a democracia, refundar o capitalismo, recuperar a confiança.






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