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Cloudflare nega transferência de dados do Censos para os EUA
Em declarações ao Público, a empresa norte-americana assegura que não enviou informação para os Estados Unidos. Oposição pede para ouvir Governo, INE e CNPD no Parlamento com urgência sobre suspensão do contrato com a Cloudflare e proteção de dados nos Censos.
A Cloudflare, empresa norte-americana que estava a trabalhar com o INE no processo de realização do Censos 2021 e que viu o contrato suspenso na sequência de dúvidas levantadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) afirma que não enviou quaisquer dados para os Estados Unidos. Numa declaração ao jornal Público, a Cloudflare diz que "nunca existiu transferência de dados dos Censos para os Estados Unidos" e entende que as declarações da CNPD "não reflectem com exactidão o serviço prestado".
Em causa, recorde-se, está o facto de, na sequência de uma fiscalização, a CNPD ter emitido esta terça-feira uma deliberação dirigida ao INE dando um prazo de 12 horas para que este suspendesse "qualquer transferência internacional de dados pessoais para os EUA ou outros países terceiros sem nível de proteção adequado, no âmbito dos inquéritos do Censos 2021". Basicamente, a Comissão concluiu que "o INE recorreu à empresa Cloudflare, Inc. para a operacionalização do inquérito censitário, que prevê no seu contrato a transferência de dados pessoais para os EUA".
A Cloudflare afirma, contudo, nas mesmas declarações ao Público, que "nunca forneceu acesso ao conteúdo que transita na sua rede em resposta a um pedido do governo". E acrescentou: "Se recebêssemos tal pedido, combatê-lo-íamos em tribunal e indicaríamos publicamente qualquer divulgação que fôssemos obrigados a fazer".
Um dos serviços prestados pela Cloudflare no âmbito do contrato com o INE era aumentar a dimensão da rede, multiplicando a resposta possível por vários servidores. No final a informação fica sempre nos servidores do INE, mas entretanto as respostas andaram em trânsito pelos servidores da Cloudflare, que tem sede na Califórnia. E, como refere a CNPD na sua deliberação, o contrato "prevê o trânsito dos dados pessoais para qualquer um dos 200 servidores" usados pela Cloudflare, "bem como a transferência de dados pessoais para os EUA".
Como o Negócios noticiou esta quarta-feira, a utilização, na UE, dos serviços de empresas norte-americanas foi já apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no caso "Schrems II, que concluiu, precisamente, que a legislação dos EUA "possibilita ingerências nos direitos fundamentais das pessoas, baseadas em requisitos relativos à segurança nacional e ao interesse público, que podem resultar no acesso a dados pessoais transferidos da UE para os EUA e da utilização desses dados no âmbito de programas de vigilância" com base no FISA, o "Foreign Intelligence Surveillance Act" .
Ora, refere também a CNPD na sua deliberação, os serviços prestados pela Cloudflare "colocam a empresa diretamente sob a alçada da legislação dos EUA, que lhe impõe a obrigação de conceder acesso em massa aos dados pessoais por si tratados, desde logo enquanto prestador se serviços de comunicações eletrónicas". Sendo que, sublinha a CNPD, "a legislação dos EUA impede as empresas norte-americanas de informarem os seus clientes do acesso realizado pelas autoridades norte-americanas para fins de recolha de informação sobre estrangeiros, no contexto da atividade de segurança nacional".
Bloco e PSD chamam Governo, CNPD e INE ao Parlamento
Em suma, conclui a CNPD, "não há qualquer garantia que os dados pessoais dos cidadãos residentes em Portugal" recolhidos pelo INE no âmbito do Censos, "não sejam acedidos pelas autoridades dos EUA". A Cloudflare nega que tal tenha acontecido, mas entretanto o INE, face às dúvidas e perante a exigência da CNPD, suspendeu o contrato e a fiscalização prossegue.
Entretanto, o Bloco de Esquerda já entregou um requerimento na Comissão de Assuntos Constitucionais para que o Parlamento chame com urgência o presidente do conselho directivo do INE e esta quinta-feira o PSD anunciou que entregou também um requerimento e que, além do responsável do INE, Francisco Lima pretende também ouvir no Parlamento "a propósito da suspensão do contrato com a Cloudflare e da proteção de dados nos Censos 2021" a Ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva e a presidente da CNPD, Filipa Calvão.