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Bússola da competitividade chega tarde, defende antigo secretário de Estado
João Neves, antigo secretário de Estado da Economia, considera que os passos agora apresentados pela Comissão Europeia são importantes mas chegam pelo menos com uma década de atraso. O antigo governante considera que a "perceção de que algo estava a correr mal já devia ter sido apreendida".
"As respostas deviam ter sido dadas há pelo menos uma década", começa por afirmar João Neves, antigo secretário de Estado da Economia, sobre a chamada Bússola para a Competitividade, apresentada na quarta-feira pela presidente da Comissão Europeia, que pretende criar uma nova "doutrina" económica para o futuro da competitividade europeia. Também Mario Draghi, ontem convidado do Conselho de Estado, já alertou no seu relatório que a Europa está a ficar para trás, com pouca produtividade, menos inovação e investimento e mais custos energéticos e burocráticos.
"Os relatórios são muito importantes para que esta discussão esteja a existir. Agora, a trajetória de sintonia entre aquilo que é o crescimento da Europa e dos Estados Unidos e também da China ao longo dos últimos 20 anos é muito significativa. Mas há elementos de aceleração deste processo e esta comunicação vem dar uma resposta parcial, julgo eu, em relação àquilo que são as dificuldades e os desafios que a Europa tem. E estamos a falar de um tempo certo, ou seja, fala-se aqui sobre vários pontos importantes, quer a nível da desregulação, quer a nível sectorial", afirma o antigo governante em entrevista ao programa do Negócios no canal NOW.
Contudo, reforça,"as respostas deviam ter sido dadas há pelo menos uma década. Porque se estamos a falar de uma distinção entre o crescimento da Europa e dos Estados Unidos, nomeadamente, mas também de outros blocos, ao longo de duas décadas, a perceção de que algo estava a correr mal já devia ter sido apreendida, quer pelos Estados, quer sobretudo pelas instituições comunitárias, pela Comissão".
Para João Neves "esses sinais não foram compreendidos, nomeadamente naqueles setores que hoje são claramente aqueles que estão mais afetados pelas circunstâncias que estamos a viver, como no automóvel. A resposta que vem no texto de proposta da comunicação da Comissão é muito lacónica sobre o que tenta fazer. É um diálogo. E a informação que eu tenho, quer dos construtores, quer também dos fabricantes de componentes das associações europeias, é que esse diálogo está a começar com muita prudência do lado da Comissão".
Há "um processo de sustentabilidade e de descarbonização, que é absolutamente essencial e sobre o qual, digamos que há consenso, mas tem vários caminhos que devem ser percorridos". Ao contrário da China e mesmo dos Estados Unidos, sublinha o antigo governante, a Europa "não teve instrumentos para transformar aquilo que era a construção de veículos com base em combustão para veículos elétricos, e agora está a apanhar o refluxo desse atraso".
E o setor automóvel não está sozinho. João Neves dá ainda o exemplo do setor da moda que "está confrontado com plataformas de comércio eletrónico de base chinesa que são muito opacas. Nós não sabemos bem quanto é que a Shein vende na Europa, mas as estimativas a partir do número de pacotes que são entregues na casa das pessoas, sem fatura e, portanto, sem nenhum mecanismo de controle, sem pagar IVA, sem pagar direitos aduaneiros, aponta para qualquer coisa relativamente próximo dos 20 mil milhões de euros. E nós sabemos que grandes empresas estabelecidas nesta área, sei lá, Inditex, H&M, vendem pouco mais que isso a nível global".
Contudo, critica, a proposta da Comissão Europeia é "muito pouco expressiva sobre isso, é um parágrafo, basicamente, de mudança daquilo que são os instrumentos da política comercial. Não estamos a falar de protecionismo, porque protecionismo é aquilo que estamos a tentar perceber das políticas que o Presidente Trump está agora a concretizar. Nós estamos a falar da definição de regras de mercado que sejam comuns nas transações internacionais, regras que todos cumprem e que podem conduzir ao progresso global da humanidade".