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Álvaro Correia: Estão a matar o teatro de serviço público
"Dois terços daqueles que costumavam ser apoiados vão deixar de o ser. É uma realidade imediata e grave", diz o encenador e actor Álvaro Correia.
A crise obriga-nos a repensar e a refazer uma série de coisas que tínhamos como garantidas... Há um lado positivo porque vai obrigar a que as pessoas repensem a forma como têm realizado e produzido as suas peças. Vai obrigá-las a pensar e encontrar outras soluções. Acho que vai gerar uma relação mais directa de uns com os outros. Os criativos têm que ter uma postura muito mais de inter-ajuda e cooperação, senão isto desaparece tudo.
O Estado está, pura e simplesmente, a deixar de apoiar. Ainda não saíram os [resultados do concurso para atribuição de] subsídios, mas uma realidade é imediata: só um terço das pessoas que concorreram vão ser apoiadas. Portanto, dois terços daqueles que costumavam ser apoiados vão deixar de o ser. É uma realidade imediata e grave, porque há um desinvestimento numa área que, por si só, representa uma fatia ridícula daquilo que é o dinheiro do Estado. Quanto está provado que a cultura gera dinheiro, riqueza e é uma parte fundamental para o bem-estar das pessoas.
Temos uma série de limitações e isso, criativamente, obriga-nos a um requacionamento do que temos que fazer, o que não é necessariamente negativo. Obriga-nos a ter outro tipo de perspectiva sobre as coisas. Obriga-nos a criar parcerias para que as coisas não morram.
Estreei agora um espectáculo e pensei: "faz sentido uma comédia? Mas é uma comédia do Shakespeare. Faz todo o sentido porque, de repente, as pessoas, ao vê-la, revêem-se e vêem que a vida não é tão má como isso e que há esperança.
Nesta altura, não é garantido que devemos fazer só comédia ou só drama, porque os públicos comportam-se de maneiras diferentes, consoante o momento que estão a viver. Não há uma fórmula nem uma receita. No teatro não comercial, que é o teatro de serviço público, e é o teatro que fazemos, não podemos cair nessa asneira. O Estado dá-nos dinheiro para fazermos espectáculos para as pessoas terem o direito de fazer uma escolha. E isso é o serviço público. No fundo, estão a matar esse serviço público.