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Pandemia abala ordem mundial com desconfiança e disputas entre países
Governos em colapso, fome, economias em crise e extremistas com mais poder estão entre os cenários pós-pandemia mais sombrios
Enquanto a pandemia da covid-19 causa estragos em muitos países, líderes políticos e empresariais já começam a pensar como será o mundo quando a pior fase do surto passar.
As previsões não são boas.
Governos em colapso, fome, economias em crise e extremistas com mais poder estão entre os cenários pós-pandemia mais sombrios. No entanto, mesmo as perspetivas menos drásticas têm um tom sombrio, com quebras de alianças políticas e baixas expectativas de que as economias recuperem rápido o suficiente para atenuar o impacto de centenas de milhões de empregos perdidos.
As divisões que já existiam antes de surgir a pandemia ampliam-se mais rapidamente. A disputa entre EUA e China sobre as origens e a resposta ao vírus está agora a ameaçar o acordo comercial que poderia ajudar o mercado global a recuperar. A luta pela distribuição de uma possível vacina divide aliados. Enquanto a ONU é posta de parte, governos autocráticos intensificaram ataques às liberdades civis.
A esperança de que os países possam momentaneamente deixar de lado as diferenças para combater o coronavírus praticamente desapareceu.
"Esta pandemia está quase tão perto de um asteroide que atinge a Terra quanto se possa imaginar em termos de ameaça comum", disse Richard Fontaine, diretor-presidente do Center for a New American Security, em Washington. "Além de não haver cooperação significativa, tornou-se apenas mais um vetor para concorrência."
Muitos países, tendo visto a resposta "America First" à pandemia, terão receio de depender muito do governo norte-americano. A maior economia do mundo, que possui muitas das principais universidades e investigadores, não conseguiu garantir testes e equipamentos médicos suficientes para combater o vírus, que já matou mais de 86 mil norte-americanos.
Ao mesmo tempo, as exigências da China por concessões em troca de equipamentos extremamente necessários - geralmente de baixa qualidade - e a contínua recusa em permitir uma investigação completa sobre a origem do vírus tornam a nação asiática a opção menos atrativa para países espremidos entre as superpotências.
"O dano corrosivo é bastante profundo", disse William Burns, ex-vice-secretário de Estado dos EUA que agora é presidente do Carnegie Endowment for International Peace. "A crise da pandemia é um doloroso acelerador de muitas tendências no cenário internacional - fragmentação entre estados, foco no nacionalismo restrito, agravamento da competição entre grandes potências e desordens regionais."
A pandemia também criou outro dano com potencial duradouro. A Argélia, que depende do petróleo para obter a maioria das receitas, já anunciou o corte do seu orçamento para metade devido à queda acentuada dos preços da matéria-prima. Vários especialistas temem uma nova onde de migrantes para a Europa através do Mediterrâneo.
A pandemia deve eliminar 8,5 biliões de dólares do PIB global e colocar 130 milhões de pessoas em pobreza extrema, segundo a ONU. Mais de 100 países recorreram ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para ajuda.
"Vamos ver um papel cada vez maior do governo na economia, porque essa é a única maneira" de impulsionar a atividade económica, disse Nathalie Tocci, diretora do Instituto Italiano de Assuntos Internacionais em Roma. "Haverá um papel maior do governo na recuperação económica, mas também uma maior vigilância para evitar aquisições hostis, principalmente com a China em mente."
Numa altura em que são cada vez mais diversos os cenários para o pós-pandemia, o que parece claro é que o mundo depois do coronavírus será muito diferente daquele em que vivíamos há seis meses. Com a pandemia a propagar-se rapidamente para muitos países pobres do hemisfério sul, onde o inverno está a chegar, a crise pode forçar os Estados Unidos e os seus aliados a deixar de lado várias prioridades da política externa que marcaram o primeiro mandato de Donald Trump.
Assuntos que pareciam relevantes, como a campanha de pressão máxima sobre o Irão, podem perder importância à medida que cresce o impacto do vírus.
"Os EUA não vão poder escolher onde estará o foco" da sua política externa, diz Vali Nasr, professor da Johns Hopkins University. "Vai ser o coronavírus a decidir".