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Inverno demográfico pode cortar crescimento potencial para metade
Portugal está a registar um desempenho positivo, mas que não é sustentável face ao potencial de crescimento da economia, que rondará agora os 1%. Pior: a redução da população activa poderá cortar este valor para metade nas próximas décadas.
Portugal não deve dormir à sombra do bom desempenho cíclico da economia, avisa o Banco de Portugal no seu Boletim Económico de Dezembro de 2017, lembrando que o crescimento potencial tem vindo a desacelerar, rondando agora apenas 1%, um valor que poderá ser cortado para metade nas próximas décadas devido à diminuição projectada para a população activa. O desafio para potenciar o crescimento é ainda maior porque o país sofre de níveis muitos baixos de capital, o que dificulta a inovação e os ganhos de produtividade necessários.
"Enquanto a recuperação recente da economia portuguesa tem sido evidente, o seu crescimento de longo prazo continua a suscitar preocupações. Segundo as projecções mais recentes da Comissão Europeia, o crescimento potencial da economia portuguesa situa-se perto de 1% até 2070. Em termos médios, Portugal vai crescer 0,4 pontos percentuais abaixo do projectado para o conjunto da área do euro", lê-se na análise dos economistas do Banco Central ao produto potencial nacional, que dizem estar "condicionado pela desaceleração prolongada do investimento, com impactos persistentes na evolução do stock de capital, assim como pela redução da população em idade activa".
De acordo com uma das estimativas "o decréscimo da população em idade activa contribui para uma redução média perto de -0,5 pontos percentuais no crescimento potencial anual da economia portuguesa entre 2020 e 2080, o que compara com -0,1 pontos percentuais para a área do euro", o que significa que só pelo efeito do envelhecimento populacional e migratório o PIB potencial actual poderia ser cortado pela metade nos próximos 60 anos.
Porque cresce pouco Portugal?
O banco central nota que apesar da variabilidade dos valores obtidos pelas diferentes metodologias de cálculo deste indicador (que é estimado e não observado), há pelo menos uma conclusão segura que se pode tirar sobre Portugal: "todos os métodos utilizados apontam (…) para uma desaceleração do produto potencial desde o início da amostra [1995]", sendo que "a última recessão que afectou a economia portuguesa esteve associada a uma diminuição do produto potencial", lê-se no artigo. Mesmo com a recuperação verificada desde então, "o crescimento potencial situa-se actualmente no intervalo entre 0% e 2% [dependendo das metodologias], que é claramente inferior ao estimado para o início da amostra (entre 2% e 4%)", acrescentam.
Portugal contrasta com a Zona Euro, onde a desaceleração do crescimento potencial foi muito ligeira nos últimos 20 anos e onde não se verificou qualquer queda do produto potencial na crise. A explicar o mau desempenho nacional estão o envelhecimento populacional e os baixos níveis de capital humano e físico, com efeitos na produtividade.
Na análise, o banco central dá conta do "peso crescente da população entre os 65 e os 74 anos, o que se acentuou após a recente crise financeira internacional", considerando que é um dos elementos "que sobressai em comparação com a área do euro, a par de variações mais acentuadas [negativas] da população portuguesa", o que tem contribuído "para limitar o crescimento do factor trabalho" no país. O contributo do factor trabalho é também limitado pelas baixas qualificações.
Em termos de capital, Portugal também sai mal na fotografia: "Outro factor importante é o baixo nível do capital por trabalhador, associado em particular a baixos níveis de investimento na economia portuguesa", lê-se no texto que destaca que "em 2016, Portugal apresentava um dos rácios capital-trabalho mais reduzidos entre os países da área do euro", avisando que "baixos níveis de capital por trabalhador colocam Portugal num segmento da fronteira de produção mundial que não cresce significativamente em resultado do progresso tecnológico".
Face ao diagnóstico, a instituição liderada por Carlos Costa defende que sejam adoptadas reformas que possam actuar sobre os vários elementos definidores do PIB potencial do país, com medidas que aumentem a taxa de participação da população (nomeadamente "as dirigidas a grupos vulneráveis como os menos qualificados, os desempregados de longa duração ou os inactivos, tais como os desencorajados" ); que fomentem o investimento, em particular o directo estrangeiro; e que garantam um quadro legal, fiscal e concorrencial eficiente.
Cuidado com o PIB potencial para políticas de curto prazo
O Banco de Portugal deixa um aviso sobre os riscos da utilização do PIB potencial para conduzir a política económica e orçamental no curto prazo. É que o que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira, pois as estimativas mudam muito com a introdução de nova informação – isto para além dos resultados também dependerem do método usado. O aviso é importante no contexto da Zona Euro onde a fiscalização e a orientação da política orçamental está dependente de indicadores como o saldo orçamental estrutural que por sua vez depende das estimativas de PIB potencial.
"As estimativas do produto potencial estão condicionadas pelo momento do seu cálculo. As estimativas em tempo real têm um carácter provisório, devendo ser utilizadas com precaução na análise e definição de medidas de política económica", lê-se num texto, que sublinha que "a avaliação do ciclo económico e do crescimento potencial da economia exige o recurso a um conjunto de informação o mais alargado possível, eventualmente sectorial, devendo-se evitar conjuntos limitados e parciais que potenciam erros de percepção".
Para evidenciar a variabilidade das previsões, o banco central analisou as revisões das estimativas que a Comissão Europeia foi publicando desde 1998 para crescimento potencial e para o hiato do produto (a diferença entre o PIB potencial e o PIB efectivo): "A comparação entre as estimativas iniciais e as mais recentes revela que o crescimento potencial e o hiato do produto são revistos consideravelmente em alguns anos. Adicionalmente, as revisões tendem a ser mais significativas no hiato do produto, em resultado do efeito acumulado das revisões nas taxas de variação", nota o banco central, que sublinha que o nível de incerteza é tal que as estimativas mais recentes nem sempre ficam mais próximas do valor mais recente: "Isto é especialmente notável nas estimativas da Comissão Europeia para Portugal, onde se observam frequentemente revisões consecutivas em sentidos contrários".