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Economistas afastam cenário de recessão no curto prazo
Os economistas ouvidos pela Lusa antecipam que ainda não existem "sinais claros" de uma recessão, nem nos Estados Unidos nem à escala global, e sublinham que os principais bancos centrais estão a tomar medidas para a adiar.
"Os principais bancos centrais estão a tentar adiar uma recessão, e ela pode ser efetivamente adiada caso exista um investimento em novas tecnologias e infraestrutura para manter o ritmo de expansão económica", afirmou Pedro Lino, economista e administrador da Dif Broker e da Optimize, à Lusa.
Para o especialista, "é possível que uma recessão prevista por muitos analistas para 2021 apenas ocorra uns anos mais tarde".
Também Filipe Garcia, economista da IMF -- Informação de Mercados Financeiros, afirmou que uma nova recessão "um dia acabará por chegar, claro, mas não há ainda sinais claros de que possa mesmo concretizar-se".
Segundo o especialista, "os indicadores avançados mais preocupantes têm sido observados na Europa e em particular na indústria", havendo sinais de desaceleração na China, "que podem contagiar o resto da economia global".
"Seria importante resolver os temas da guerra comercial e do 'Brexit' [saída do Reino Unido da União Europeia], que, embora em escalas diferentes, têm provocado muita incerteza nos agentes económico e o adiamento de decisões", afirmou Filipe Garcia, acrescentando que "o Médio Oriente, que até aqui não era fator, poderá voltar ao centro das atenções no caso de envolvimento norte-americano no terreno contra o Irão".
Rui Bernardes Serra, economista-chefe do Montepio, indicou, por seu turno, que "ninguém sabe" quando chegará uma nova recessão.
"Sabemos é que, quanto mais se falar do tema, maior será a probabilidade de, efetivamente, entrarmos em recessão pelo efeito que poderá ter nas decisões dos agentes económicos", explicou, adiantando que, se os consumidores adiarem decisões de consumo por recearem uma recessão, aquele comportamento vai implicar uma queda da procura e, dessa forma, colocar riscos adicionais no sentido de colocar a economia em recessão, aplicando-se o mesmo nas decisões de investimento dos empresários.
Segundo o economista-chefe do Montepio, "as medidas de política monetária recentemente tomadas por praticamente todos os principais bancos centrais do mundo" -- nomeadamente a descida das taxas de juro e a compra de títulos de dívida pública, e outros adiando subidas de taxas, como é o caso do Banco de Inglaterra -- "vão contribuir para melhorar as condições de financiamento dos agentes económicos, ao que acrescem iniciativas de caráter orçamental que estão (por exemplo, na China) ou poderão a vir a ser adotadas por algumas economias (por exemplo, Alemanha)".
Bancos centrais estão a distorcer curva dos rendimentos de dívida soberana
Os economistas ouvidos pela Lusa explicam que o facto de existir demasiada liquidez no sistema está a distorcer a curva de rendimentos dos títulos de dívida soberana à escala global, que é, historicamente, utilizada para prever recessões.
"Os investidores estão com receio de uma recessão, e o facto de existir demasiada liquidez no sistema está a distorcer a curva de rendimentos", afirmou Pedro Lino, economista e administrador da Dif Broker e da Optimize, à Lusa.
"A lógica é que se as taxas de juro no longo prazo são inferiores à de curto prazo, então o Banco Central terá de reduzir as taxas de juro e este cenário normalmente acontece quando está prevista uma forte desaceleração económica", explicou o economista.
Pedro Lino frisou que, além disso, neste momento, "fruto das intervenções dos bancos centrais, em termos de compra de ativos e cedência de liquidez, existe a procura por preservação do capital, estando o preço das obrigações inflacionado".
Na chamada "inversão da curva de juros", os investidores são melhor remunerados por comprarem títulos de dívida soberana de curto prazo do que títulos de dívida com prazos mais longos, o que inverte a lógica de funcionamento do mercado, segundo a qual quando os investidores que apostam em títulos de dívida com maturidades mais longas devem ser melhor remunerados, uma vez que o risco de os deterem é maior, devido ao maior prazo do investimento.
Questionado sobre se a inversão da curva continua a ser um sinal que antecipa uma recessão nos próximos meses, Rui Bernardes Serra, economista-chefe do Montepio, indicou que "é verdade que o declive negativo da 'yield curve' é utilizado como uma ferramenta de antecipação de recessões", não sendo, contudo, o único.
"O resultado da aplicação do nosso modelo interno para antecipar recessões nos EUA, que utiliza vários indicadores de conjuntura dos EUA, está em níveis elevados para o atual ciclo (não em máximos), mas continua a sinalizar uma probabilidade de recessão ainda baixa", referiu o economista.
No mesmo sentido, Filipe Garcia, economista da IMF -- Informação de Mercados Financeiros, referiu que, "historicamente, a inversão da curva de rendimentos sinalizou recessão, e é verdade que há esses receios e essa possibilidade, mas grande parte do que tem sucedido nas obrigações decorre da política monetária e das expectativas de política monetária futura, que estão a tornar as obrigações um bem escasso, daí resultando uma descida dos rendimentos".
O especialista frisou também que a curva de rendimentos nos 2-10 anos, que já esteve invertida nos EUA -- ou seja, com os títulos de dívida a dois anos a remunerarem melhor os investidores que os títulos a 10 anos --, já não está.
"Deste lado do Atlântico, a curva tem estado positivamente inclinada nos 2-10 anos, embora com inclinação negativa entre os títulos a 1 e os 2 ou 3 anos, dependendo dos casos, o que, a meu ver, prende-se sobretudo com a política monetária", explicou Filipe Garcia.
A inversão na curva de rendimentos nos EUA aumentou os receios de uma possível recessão no país e Rui Bernardes Serra salientou: "Estamos perante o período de expansão mais longo desde que começaram a ser datadas as recessões", em dezembro de 1854.
O economista-chefe do Montepio indicou que "o atual período de expansão dos EUA iniciou-se em julho de 2009, tendo, em agosto, já completado 122 meses consecutivos de expansão, e superando em dois meses o anterior mais longo período de expansão, no final da década de 1990 e início de 2000, durante a Presidência Clinton.
"Deste ponto de vista, aumenta a probabilidade de termos a breve trecho uma recessão por, digamos, 'envelhecimento' do atual período de expansão", referiu, acrescentando, contudo, que existem vários fatores a concorrer para que o atual processo de expansão se possa manter, nomeadamente o facto desta expansão ocorrer depois do "processo recessivo mais gravoso desde a Grande Depressão do início do século XX", a recessão de 2008/09 que ficou apelidada de Grande Recessão.
Outro aspeto a considerar, segundo Rui Serra, é o facto de a recuperação durante este período ter sido "relativamente lenta comparativamente a outros períodos de recessão e, sobretudo, face à magnitude da recessão, o que permitiu que o crescimento da procura não superasse o da oferta (e se refletisse em pressões inflacionistas)".
Além disso, registaram-se também vários progressos tecnológicos ao longo da última década que "não estão integralmente colocados na cadeia produtiva", nomeadamente a tecnologia de informação e Internet, a inteligência artificial e a robótica.
Contudo, Pedro Lino sublinhou que "não poderá ser a política monetária a fazer tudo" e "os Estados podem aproveitar as taxas zero para fortalecer a política orçamental e assim criar condições para a manutenção da expansão económica atual".
Na semana passada, o Banco Central Europeu (BCE) desceu, como esperado, a taxa dos depósitos bancários para -0,50%, menos uma décima do que a anterior, e decidiu voltar a comprar dívida pública, no valor de 20 mil milhões de euros por mês, sem definir um horizonte temporal para o novo programa.
A nova descida da taxa dos depósitos destina-se a incentivar os bancos a injetarem mais dinheiro na economia, através de empréstimos às empresas e famílias, em vez de acumularem reservas.
Hoje, a Reserva Federal dos Estados Unidos deverá anunciar uma nova descida das taxas de juro para contrariar os riscos de abrandamento ligados à 'guerra' comercial com a China e abrandamento económico na Europa.