Cristiano Ronaldo estava numa fase de transição. E o País também. "Em 2009, Portugal vivia um momento muito difícil. Em 2008, tinha eclodido a crise do subprime, em 2009, estávamos num momento muito agudo, que depois, em 2010, viria a culminar numa intervenção do Banco Central Europeu e da troika no país", recorda Rita Torres-Baptista, então diretora de marketing do Banco Espírito Santo (BES).
Face ao contexto financeiro que Portugal e o resto do mundo atravessavam, o principal objetivo dos bancos, nesta altura, era "a captação de poupança": "O crédito que tinha sido, durante muitos anos, a joia da coroa dos produtos e do portefólio de captação de clientes da banca, estava numa fase adormecida. E a captação de poupança era absolutamente estratégica. Os bancos precisavam de recursos no seu balanço e era muito importante conseguir fazer uma eficaz captação de poupança, apesar de estarmos num período de crise económica. Este era um ‘produto-estrela’ e o desafio era muito claro: maximizar a captação de poupança e a quota de mercado do banco na captação de poupança."
O produto era um depósito a prazo a três anos que pagava uma taxa média de 3,25%. Algo que – segundo Rita Torres-Baptista – não era "mais nem menos competitivo do que aquilo que era possível encontrar nos concorrentes". Portanto, o produto, por si só, não era suficiente para convencer os clientes a aderirem nem para atingir o objetivo do banco. Depois, existiam dois desafios acrescidos, resultantes do contexto económico. Por um lado, a necessidade de estimular a poupança surgia, de certa forma, "em contracorrente" daquilo que era normalmente "a grande motivação para a comunicação publicitária": "o incentivo ao consumo". Por outro, o incentivo à poupança que existia "muitas vezes tinha um tom moralista, que procurava estimular a ideia do medo: ‘É melhor poupar porque não sei o que aí vem, porque vêm tempos difíceis, etc.’", explica a ex-diretora de marketing do BES. No entanto, não era esta a forma de comunicar que o BES pretendia ter. "O mood, o moral do tempo, do momento, do país, de facto, não nos pedia que nos socorrêssemos desse discurso. Precisávamos de um discurso que fosse ouvido, que captasse a atenção das pessoas, mas que não tivesse esse peso pessimista ou moralista", diz. Por isso, recorreram àquele que era "o maior trunfo" do banco: Cristiano Ronaldo.
"O BES trabalhou com o Cristiano Ronaldo desde 2003 até à data em que deixou de existir, em 2014, portanto, durante 11 anos. Começámos a trabalhar com o Cristiano Ronaldo quando ainda era jogador do Sporting e no exato momento em que preparava a sua transferência para o Manchester United. Acompanhámos essa carreira e fomos fazendo várias campanhas publicitárias que, de uma maneira ou de outra, refletiam esse espírito de fazer o ponto de encontro entre a verdade da oferta do banco, a verdade da vida do Ronaldo enquanto jogador e da sua performance e aquilo que podia interessar às pessoas e que nos podia permitir dramatizações eficazes de comunicação: contar boas histórias. E, desta vez, pedimos à BBDO – a agência responsável por esta criatividade – que tirasse partido do contexto muito particular em que estávamos para construir esta comunicação. E qual era o contexto muito particular em que estávamos? O Cristiano Ronaldo era já, há seis anos, jogador do Manchester United, mas tinham começado os rumores de que a próxima época seria feita noutro clube. Ele iria ter uma transição e ia ser vendido por um valor astronómico a um outro clube. Mas não se sabia qual", recorda Rita Torres-Baptista.
No vídeo da campanha, vemos Cristiano Ronaldo, em ambiente de estúdio, numa sessão fotográfica, em que ele questiona: "Onde é que eu vou estar daqui a três anos?" E responde: "Talvez esteja perto, talvez esteja longe, talvez num sítio frio, talvez num sítio quente, talvez esteja aqui ou aí…" Enquanto ouvimos a voz do internacional português, vamos vendo fotografias que simulam estas possibilidades: num cenário ao estilo faroeste, na neve, num ambiente tropical, em Inglaterra (onde jogava na altura), entre outros. Até que conclui: "Sinceramente, não sei. Mas sei onde é que vai estar o meu dinheiro." E a campanha termina com a assinatura do BES.
"Geralmente, entre uma primeira conversa sobre uma campanha e o ‘airing’ [momento em que é emitida] passam cerca de dois meses. Nós sabíamos que, nessa altura, muito provavelmente estaria ao rubro a incerteza e a discussão de onde iria estar o Cristiano Ronaldo. Com risco, naturalmente, porque podia sempre acontecer que a revelação fosse feita antes e, se isso acontecesse, esta abordagem de comunicação que fizemos não iria funcionar. Mas nós acreditámos e apostámos", afirma a então diretora de marketing do BES. E foi uma aposta "absolutamente ganha": "Umas semanas após a campanha estar no ar, tornou-se claro, para nós, que ia ser anunciado o clube e que havia uma enorme probabilidade de ele ir para o Real Madrid. E resolvemos produzir uma série de conteúdos contextuais, mais uma vez, sem saber se iria ser isso ou não, porque não era evidente. Havia também a probabilidade de ir para um clube italiano. Mas nós resolvemos apostar e ter tudo pronto para o momento em que se soubesse que ele tinha ido para o Real Madrid." Ao confirmar-se a notícia, a campanha do BES foi "ela própria veículo de comunicação da novidade, que fez palpitar o mundo e teve o seu cúmulo no momento em que ele foi recebido por mais de 90 mil pessoas ao som de ‘A Minha Casinha’, dos Xutos e Pontapés, no Santiago Bernabéu", lembra, entusiasmada, Rita Torres-Baptista.
Os resultados – assegura a ex-diretora de marketing do BES – foram "absolutamente ganhadores" não só nos "índices de recordação" que bateram "todos os recordes" como na "captação recorde deste produto em Portugal e em Espanha": "Tínhamos tudo preparado para que o banco em Espanha tivesse exatamente a mesma campanha, porque, a partir do momento em que ele lá estivesse como jogador do Real Madrid, isso era relevante. E a captação ibérica de depósitos foi extraordinária."
A campanha do BES ganhou o Grande Prémio da edição de 2010 dos Prémios Eficácia promovidos pela Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN), o que foi, segundo Rita Torres-Baptista, "maravilhoso" e teve "um grande impacto no moral interno": "A felicidade de ver um banco receber este prémio, num momento de uma profundíssima crise financeira, de um estado anímico muito deprimido do país em 2010… Ter este reconhecimento de ser uma marca que soube trabalhar uma personalidade, uma celebridade, não ao serviço da personalidade ou da celebridade, mas ao serviço da sua causa, da sua história, da sua capacidade de persuasão, foi absolutamente maravilhoso. Lembro-me, como se fosse hoje: a alegria que tivemos – a equipa do BES e da BBDO – foi imensa. Guardo esse momento com especial carinho, com muito orgulho e alguma saudade, porque é uma marca que deixou de existir, mas que foi extremamente marcante. Penso que não arrisco muito em dizer que estas campanhas do BES e do Cristiano Ronaldo continuam na memória dos portugueses."