"Ruas Elétricas", desenvolvimento da infraestrutura de carregamento para veículos pesados, desenvolvimento de ferramentas tecnológicas ou internacionalização. Projetos não faltam a Luís Barroso, presidente da MOBI.E, que fala da realidade da mobilidade elétrica em Portugal e de outros Estados-membros, em relação aos quais Portugal está mais avançado.
O balanço anual que a ACAP fez de 2024 revela que "as energias alternativas continuam a liderar as matrículas dos automóveis ligeiros de passageiros novos, representando um peso de 57 por cento; os veículos elétricos, com 41.757 matrículas, representam 20 por cento do total de ligeiros de passageiros matriculados". Está surpreendido?
Não estou de todo surpreendido. Fruto do seu pioneirismo, Portugal desenhou o seu sistema, quando a mobilidade elétrica era pouco mais do que uma miragem. Esta solução, construída para proporcionar a melhor experiência possível ao utilizador, assentou na interoperabilidade total, na universalidade de acesso e na informação aberta em tempo real, características que, 13 anos depois, o Regulamento Europeu para Combustíveis Alternativos (AFIR) veio consagrar.
O modelo implementado permite-nos hoje dispor de uma rede de carregamento de âmbito nacional, de fácil acesso e com informação integrada em tempo real, cuja integração com o sistema elétrico torna mais atrativa a entrada de empresas no mercado, uma vez que permite escolher que negócios pretendem desenvolver, venda de energia, operação de pontos de carregamento ou ambas, estendendo-o a espaços de acesso privado e reduzindo os custos de operação dos pontos, o que permite uma adaptação dos agentes de mercado à dinâmica de vendas de veículos elétricos. Os resultados estão à vista: no primeiro ano de implementação do AFIR, Portugal continua a destacar-se dos restantes Estados-membros.
O que mudou em concreto no país com o regulamento AFIR, que entrou em vigor a 13 de abril de 2024?
As principais características do AFIR são coincidentes com as características da solução portuguesa. A forma de lá chegar é que é um pouco diferente, mas compreende-se. Enquanto Portugal iniciou muito cedo o seu caminho, o que permitiu organizar o mercado de mobilidade elétrica em torno destas características, os outros Estados-membros debatem-se agora com a necessidade de organizarem os seus mercados, onde uma multiplicidade de soluções técnicas, nem sempre compatíveis, têm agora de convergir para as regras do AFIR. Por isso, naturalmente, no primeiro ano de aplicação do AFIR, Portugal continuou a crescer, enquanto a média da União Europeia viu a sua mobilidade elétrica praticamente estagnar. Este avanço permitiu que Portugal se concentrasse, por exemplo, em cumprir, sobretudo, a regra dos Terminais de Pagamento Automático nos novos pontos de carregamento com potência superior a 50 kW, uma vez que os denominados carregamentos ad hoc com pagamento digital já existiam desde abril de 2021, enquanto os outros países andam à procura de formas de se organizar para responder aos desafios do AFIR.
A MOBI.E tem sido responsável por diversas iniciativas de promoção e desenvolvimento da mobilidade elétrica em Portugal. Nesse sentido, o que é o projeto "Ruas Elétricas"?
Tem, de facto, sido um papel importante que a MOBI.E tem desempenhado ao longo dos anos. Primeiro com a rede-piloto, que permitiu gerar a confiança para que empresas, grandes, médias e start-ups, decidissem apostar no mercado de mobilidade elétrica, depois com os pilotos de hubs e de postos de carregamento ultrarrápido em zonas do interior, que fez com que o mercado privado desenvolvesse soluções idênticas, e agora o piloto "Ruas Elétricas". Foi lançado em abril de 2024 e visa dotar de postos de carregamento de média potência ruas em zonas urbanas, onde predominam edifícios de habitação ou comerciais sem parqueamento próprio, permitindo, por um lado, que os utilizadores de veículos elétricos tenham mais locais disponíveis para carregar e, por outro, incentivando quem pondera vir a comprar um carro elétrico (100% ou híbrido plug-in) e não tem garagem. O projeto, cofinanciado pelo Fundo Ambiental, tem um orçamento de dois milhões de euros.
Este projeto tem mais algum objetivo?
Além de apoiar o investimento na instalação de postos em zonas sem estacionamento privativo, este projeto pretende incentivar municípios e operadores a adotarem uma posição colaborativa e simplificada que lhes permita crescer em conjunto e fazer crescer a rede para um cenário em que todos ganham em conjunto com os utilizadores de veículos elétricos.
E que balanço faz destes meses do "Ruas Elétricas"?
Numa primeira fase, os municípios interessados apresentaram a sua manifestação de interesse, na qual referiram as localizações preferenciais para os postos. Sublinhamos a forte adesão dos municípios. Em setembro, foi lançado um concurso público internacional para instalação e exploração de 156 postos (312 pontos de carregamento) durante 12 anos, em 62 municípios, a maioria dos quais (mais de 70%) estão localizados no interior. Entre o final de dezembro e o início de janeiro, foram assinados os contratos com os seis Operadores de Pontos de Carregamento, vencedores do concurso público internacional, que têm agora seis meses para instalar os postos. E aqui é de destacar também que todos os lotes que estiveram a concurso, um total de 66, tiveram candidatos. Prevemos que os postos entrem em funcionamento no início do segundo semestre deste ano. Pensamos ainda este mês lançar um novo procedimento envolvendo até 20 municípios que não foram contemplados na primeira fase, otimizando, desta forma, a utilização do valor disponível para este piloto.
Que outros projetos tem a MOBI.E para este ano?
A MOBI.E deve continuar o seu papel de facilitador e promotor de mobilidade sustentável, de forma a garantir a manutenção da dinâmica do crescimento do mercado de mobilidade elétrica, reduzindo os riscos de inovação dos agentes de mercado e manter Portugal como um exemplo de referência internacional. Para além do "Ruas Elétricas", a MOBI.E deverá dinamizar o processo de desenvolvimento de infraestrutura de carregamento para veículos pesados.
Numa outra vertente, pretendemos desenvolver, no âmbito da plataforma de gestão da rede nacional, ferramentas tecnológicas que permitam que os agentes de mercado continuem a oferecer aos utilizadores produtos e serviços inovadores, tais como soluções de flexibilidade para as redes de energia, de plug&charge e de reserva de posto. Estão ainda previstas ações de promoção e divulgação dirigidas a segmentos específicos, de forma a prestar esclarecimentos, combater a desinformação e manter a MOBI.E como entidade de referência de informação credível.
Que desafios tem a MOBI.E para o futuro?
Continuar a combater o desconhecimento e a desinformação sobre a mobilidade elétrica em Portugal, promovendo, em vez disso, o conhecimento e a informação credível e acessível a todos, é algo que nos move todos os dias e que é cada vez mais fundamental. Manter as condições que permitam que Portugal continue a cumprir os objetivos, quer em termos de AFIR, designadamente, de potência (no mínimo 1,3 kW por cada veículo 100% elétrico e 0,8 kW por cada veículo híbrido plug-in), quer do PRR, com 15.000 pontos de carregamento no final de 2025.
Do ponto de vista técnico, continuamos a trabalhar na nossa plataforma de gestão da rede MOBI.E, para que seja cada vez mais simples, completa e segura a gestão dos fluxos financeiros, energéticos e de informação.
Por fim, e em paralelo com todo este trabalho de literacia, apoio e incentivo ao investimento na rede nacional, temos também ambições de expansão da atividade além-fronteiras, estando a estabelecer contactos com outras geografias que também procuram o acesso a um sistema interoperável. Desde o final de 2023, trabalhamos com a Colômbia e estamos perto de poder vir a trabalhar com outros países na Europa e na América Latina, sendo Espanha o principal mercado. Muito embora a Alemanha muito recentemente se tenha tornado também um objetivo potencial, uma vez que querem desenvolver uma infraestrutura de carregamento para veículos pesados assentes num modelo que não é mais do que a solução que Portugal adotou desde 2010, pelo que temos um know-how único conferido pela nossa experiência. O futuro mostra-se cheio de desafios, mas também repleto de oportunidades.
"Não se trata de um monopólio, mas sim de uma solução de âmbito nacional"
Luís Barroso quis desfazer uma ideia que tem vindo a ser repetida ultimamente e que, garante, não corresponde à realidade: na mobilidade elétrica nacional existe uma única plataforma digital, a MOBI.E. Tal como existe uma única infraestrutura de caminho de ferro, denominada IP, na qual as diferentes empresas de transporte ferroviário fazem passar os seus comboios, uma única rede de distribuição de energia, REN – em alta tensão – ou E-Redes – em média e baixa tensão –, que permite aos comercializadores do setor elétrico vender a energia, também na mobilidade elétrica nacional existe uma única plataforma digital, a MOBI.E, que permite aos Operadores de Pontos de Carregamento (OPC) disponibilizar pontos de carregamento e aos Comercializadores de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica (CEME) vender energia para carregar os veículos.
"Tal como a IP, a REN ou a E-Redes não exercem a sua atividade em regime de concorrência, e, por isso, estão regulados, também a MOBI.E tem vivido num regime idêntico", explica e prossegue: "Só assim foi possível construir uma solução que permite que todos os utilizadores tenham acesso a todos os pontos de carregamento e disponibilizar informação integrada em tempo real, como os resultados nos destacam."
Os agentes de mercado da mobilidade elétrica têm "inteira liberdade para estabelecer os seus tarifários, podendo inclusive um OPC fazer acordo(s) com o(s) CEME para terem preços integrados de carregamento". Pelo que, "ao contrário do que alguns querem fazer crer, não se trata de um monopólio, mas sim de uma solução de âmbito nacional que garante a disponibilidade integrada de informação em tempo real, com os resultados que se destacam dos outros Estados-membros".
Luís Barroso nota ainda que, até ao momento, apesar de muito maior investimento público, "nenhum país conseguiu atingir ou aproximar-se deste nível de informação".