Notícia
Moscatel doce e com bolhas
Se esta fosse uma crónica para jovens, o título seria: “Domingos Soares Franco passou-se”. Mas, com um ar mais sério, vamos dizer que a última criação do enólogo é a transformação de um vinho Moscatel numa espécie de Ice Wine Sparkling. Estranho? Pois, mas entranha bem.
22 de Abril de 2017 às 13:00
Há enólogos e empresas que inovam todos as colheitas porque, enfim, somos - sem ofensa - filhos, vítimas ou amantes do capitalismo. E há outros que, sistemas filosóficos à parte, nasceram com o vírus da criatividade e da inquietação. Os primeiros manifestam-se quase sempre nas reuniões de finais de Outubro/Novembro, nos conselhos de administração, adivinhando o que podem ser as tendências futuras. Os segundos são gente à solta que, a partir do trabalho na vinha, na sala de provas ou da visita a feiras no estrangeiro, está sempre com os sentidos despertos para receber informações que alimentam e desinquietam estados d'alma à laia de Professor Pardal.
E, se nesta última categoria há muito poucos enólogos em Portugal, acho que não será fugir à verdade dizer que Domingos Soares Franco lidera a lista. Há alguns enólogos portugueses a fazer experiências disruptivas com castas nacionais (António Maçanita, Anselmo Mendes ou Luís e Filipa Pato, só para dar alguns exemplos), mas, ano após ano, o enólogo e administrador da José Maria da Fonseca (JMF) exagera. De tal maneira que, quando, duas vezes por ano, convoca a comunicação social (quer numa prova informal na companhia do Pele - um parente de papagaio de língua muito solta - em que cada convidado leva garrafas velhas, quer noutra prova de apresentação das novas colheitas da JMF), alguns dos jornalistas costumam cochichar entre si sobre "o que é que o Domingos terá inventado desta vez?" Ainda não existe um sistema de apostas, mas pouco falta.
É certo que 180 anos é muito tempo na vida de uma empresa. É certo que foi a JMF a primeira casa a engarrafar vinhos tintos e bancos. E é certo ainda que possui um património vegetal tão rico e diversificado que facilita o trabalho das actuais gerações. Mas o espírito irrequieto de Domingos Soares Franco é algo completamente à parte.
Em conversa, até é alguém com uma matriz clássica, mas em matéria de criatividade vínica mais parece um desses gurus modernaços das tecnologias da informação, do "design" ou da gestão, que tudo fazem para pôr a assistência de boca aberta. No caso, Domingos adora ver a cara de espanto de alguém que provou uma invenção sua para, logo de seguida, mandar uma gargalhada que enche toda a sala.
E o que ele inventou desta vez é difícil de explicar e leva o nome de Alambre Ice. Vejamos. Um Ice Wine, coisa criada na Alemanha e muito popular no Canadá, é um vinho feito a partir de uvas que congelaram nas cepas e foram colhidas em Janeiro, quando as temperaturas rondam os -9º. Uma vez fermentados, os bagos mirrados dão origem a um vinho aromático e muito doce, parecido com um vulgar colheita tardia.
Como se sabe, na Península de Setúbal não cai neve, mas isso não refreia o ímpeto de Domingos. Tendo visitado adegas de Ice Wine no Canadá e provado os Sparkling Ice Wine, logo imaginou que poderia pegar num vinho licoroso feito à base de Moscatel Roxo, baixar-lhe a percentagem de álcool e fermentá-lo uma segunda vez, à moda de um espumante.
Depois de várias experiências, percebeu que, por via da refermentação de um vinho com muita doçura, conseguia um espumante fresco, aromático, bastante doce e com bolhas ligeiramente crepitantes. Mais em concreto, notas de laranja confitada, de flor de laranjeira, noz moscada e mel. No nariz, o vinho não estranha muito, mas a prova de boca baralha-nos por via da combinação da doçura com o tal gás natural ligeiro e o corpo untuoso.
E a pergunta imediata é saber para que momento da refeição está destinado o vinho. A mim, parece-me que, a 8 graus, acompanha sobremesas que tenham frutos secos ou citrinos.
Se o público masculino achará o vinho muito doce (e com razão), o público feminino pensará o contrário, sendo que os escanções mais criativos vão bater palmas, porque adoram coisas desafiantes. Seja. O importante é que estamos perante mais uma inovação do enólogo irrequieto. Até à próxima, claro.
Se amanhã alguém me dissesse que Domingos Soares Franco estava a plantar vinhas na coroa da ilha do Pico (2.351 metros de altitude) ou numa plataforma móvel ao largo da baía do Portinho de Arrábida, eu, honestamente, nem estranharia muito.
E, se nesta última categoria há muito poucos enólogos em Portugal, acho que não será fugir à verdade dizer que Domingos Soares Franco lidera a lista. Há alguns enólogos portugueses a fazer experiências disruptivas com castas nacionais (António Maçanita, Anselmo Mendes ou Luís e Filipa Pato, só para dar alguns exemplos), mas, ano após ano, o enólogo e administrador da José Maria da Fonseca (JMF) exagera. De tal maneira que, quando, duas vezes por ano, convoca a comunicação social (quer numa prova informal na companhia do Pele - um parente de papagaio de língua muito solta - em que cada convidado leva garrafas velhas, quer noutra prova de apresentação das novas colheitas da JMF), alguns dos jornalistas costumam cochichar entre si sobre "o que é que o Domingos terá inventado desta vez?" Ainda não existe um sistema de apostas, mas pouco falta.
Em conversa, até é alguém com uma matriz clássica, mas em matéria de criatividade vínica mais parece um desses gurus modernaços das tecnologias da informação, do "design" ou da gestão, que tudo fazem para pôr a assistência de boca aberta. No caso, Domingos adora ver a cara de espanto de alguém que provou uma invenção sua para, logo de seguida, mandar uma gargalhada que enche toda a sala.
E o que ele inventou desta vez é difícil de explicar e leva o nome de Alambre Ice. Vejamos. Um Ice Wine, coisa criada na Alemanha e muito popular no Canadá, é um vinho feito a partir de uvas que congelaram nas cepas e foram colhidas em Janeiro, quando as temperaturas rondam os -9º. Uma vez fermentados, os bagos mirrados dão origem a um vinho aromático e muito doce, parecido com um vulgar colheita tardia.
Como se sabe, na Península de Setúbal não cai neve, mas isso não refreia o ímpeto de Domingos. Tendo visitado adegas de Ice Wine no Canadá e provado os Sparkling Ice Wine, logo imaginou que poderia pegar num vinho licoroso feito à base de Moscatel Roxo, baixar-lhe a percentagem de álcool e fermentá-lo uma segunda vez, à moda de um espumante.
Depois de várias experiências, percebeu que, por via da refermentação de um vinho com muita doçura, conseguia um espumante fresco, aromático, bastante doce e com bolhas ligeiramente crepitantes. Mais em concreto, notas de laranja confitada, de flor de laranjeira, noz moscada e mel. No nariz, o vinho não estranha muito, mas a prova de boca baralha-nos por via da combinação da doçura com o tal gás natural ligeiro e o corpo untuoso.
E a pergunta imediata é saber para que momento da refeição está destinado o vinho. A mim, parece-me que, a 8 graus, acompanha sobremesas que tenham frutos secos ou citrinos.
Se o público masculino achará o vinho muito doce (e com razão), o público feminino pensará o contrário, sendo que os escanções mais criativos vão bater palmas, porque adoram coisas desafiantes. Seja. O importante é que estamos perante mais uma inovação do enólogo irrequieto. Até à próxima, claro.
Se amanhã alguém me dissesse que Domingos Soares Franco estava a plantar vinhas na coroa da ilha do Pico (2.351 metros de altitude) ou numa plataforma móvel ao largo da baía do Portinho de Arrábida, eu, honestamente, nem estranharia muito.