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Há muitas formas de ajudar

Se, da próxima vez que formos às compras, levarmos um vinho, um queijo, um frasco de mel ou um paio da região centro, estamos a ajudar a manter um sistema agrícola determinante para combater a desertificação e proteger o ambiente. E isso custa uns trocos.

04 de Novembro de 2017 às 13:00
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Quando a desgraça bate à porta, cada português transforma-se num bom samaritano, cheio de criatividade e valentia; quando gerimos a nossa vida na rotina costumeira, é mais cada um por si e o Estado por todos. O que nos sobra em solidariedade durante a crise falta-nos em cidadania ou vigilância de risco no dia-a-dia.

Enquanto não ocorre a sempre desejada revolução de mentalidades, uma das soluções para impedir o abandono definitivo do território afectado pelos incêndios passa pelo consumo de bens agrícolas e agro-industriais.

O agricultor é um agente eficaz de ordenamento do território, determinante para o equilíbrio ambiental do país. Durante décadas, destruímos a agricultura porque era necessário reduzir-lhe o peso no PIB e porque era importante baixar a inflação com a importação de alimentos (obrigadinha, Professor Cavaco). O resultado é essa coisa linda, que se chama Área Metropolitana de Lisboa.

Todavia, para que tudo isso funcione, terá de haver uma cultura de consumo de produtos agrícolas nacionais. Por exemplo, essas estrelas que são os chefes de cozinha poderiam empenhar-se no assunto. Admito que seja distracção minha no meio de tanto ruído, mas não me apercebi de nenhuma iniciativa de relevo. Não falo de jantares ou de almoços de solidariedade, mas de compromissos na compra - por justo valor, sublinhe-se - de produtos agrícolas das regiões afectadas, mencionando esse facto nas ementas. Os chefes que enchem a boca com a "importância do produto" poderiam, agora, comprar queijos, vinhos, mel, carne, enchidos e demais iguarias da zona centro. Isso dinamizava as economias locais e atraía gente que gosta de comer bem. Um português solidário diante de uma mesa bem posta ganha o estatuto de santo.

Peguemos, por exemplo, na Casa de Mouraz (um de entre vários casos de destruição de produção agrícolas na região do Dão). De um total de 25 hectares de vinha, 13 foram visitados pelas chamas, sendo que parte do armazém com vinho e materiais de adega ficou em cinza. Resultado, António Ribeiro estima que o prejuízo ronde os 600 mil euros.

Como se imagina, António e a mulher Sara terão apoios e ânimo para voltar a investir, mas, nós, enquanto consumidores, podemos ajudar com a compra de garrafas da Casa de Mouraz, tanto mais que estamos diante de vinhos especiais.

Em verdade, a Casa de Mouraz não é apenas um projecto vitícola. É um modelo de comunhão entre o homem e a natureza, por via da aplicação de técnicas biodinâmicas. Além de todo o processo de produção de uva e de vinho respeitar as regras da agricultura biológica, a biodinâmica obriga a que um conjunto de operações se realize em harmonia com os ciclos cosmológicos.

Dito assim, parece que o gestor da quinta é dado à astrologia, mas, na realidade, estamos perante práticas que os antigos usavam. Por exemplo, a poda das vinhas deve realizar-se na fase da Lua nova. Ou seja, e como se dizia noutros tempos, deve podar-se "no escuro" (não confundir o conceito com podar à noite). Aliás, muito do que se faz "no escuro" fica mais bem feito. Pedro Pereira Gonçalves é enólogo do Monte da Ravasqueira e não é um devoto da biodinâmica, mas reconhece que quando a batonage (processo que consiste em revolver as borras dos vinhos brancos para acrescentar complexidade) se realiza durante a fase da Lua nova, a sedimentação das partículas em suspensão decorre de forma mais homogénea.

Donde, quando provamos um vinho da Casa de Mouraz, estamos a contribuir para a manutenção de um ecossistema complexo, que permite o suporte de diferentes formas de vida em perfeita harmonia. Em determinada fase do ciclo vegetativo, não se consegue perceber bem se os nossos olhos estão focados numa vinha ou num jardim multicolor, com muita bicharada a passear entre as videiras sem idade e de todas as castas e mais algumas. Até as ovelhas que fertilizam os solos e comem as ervas daninhas estão autorizadas a circular nos vinhedos, visto que, estatisticamente, não atacam muito os rebentos verdes. Os senhores da Monsanto e da Bayer deviam dar um salto a Tondela para ver que é possível produzir-se fruta sã sem envenenamento dos solos.

Moral da história: beber uma garrafa da Casa de Mouraz é ajudar uma família, ajudar uma região, reordenar o território e defender a natureza. E com menos de €10 fazemos a festa.
Os tintos, os brancos e os rosés da Casa de Mouraz caem no conceito de vinho de terroir. Biológicos e biodinâmicos (com certificação e tudo), representam o velho conceito de vinho do Dão, em que a diversidade de castas numa só garrafa está lá para fazer diferença e acrescentar complexidade. Preços a partir dos €7.


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