Notícia
Achados da Quinta de La Rosa
A propósito de umas novidades muito em conta desta quinta do Pinhão, algumas considerações sobre a avalanche de provas, almoços e jantaradas.
26 de Maio de 2018 às 13:00
Por causa da velha história do mundo ser um lago de vinho, as agendas dos críticos são curtas para registar provas de lançamento, provas verticais, almoços, jantares, "rebrandings", "sunsets" e outras coisas parecidas. Visto de fora, tudo isto é glamoroso; visto por dentro, chega a ser um massacre.
Compreende-se que os produtores queiram apresentar os seus vinhos perante os críticos, visto que tal facilita a comunicação e o enquadramento do projecto. O problema é que os produtores não reflectem sobre o efeito que a saturação de eventos em cascata tem nos críticos. Só pensam em comunicar e no possível efeito de boas notas para a venda dos seus vinhos. É natural.
Perante este cenário, idealizei um esquema que hierarquiza as variáveis que determinam a minha presença em provas, sendo que a primeira é muito simples: aprendizagem. Se for para sair do evento menos ignorante, eu vou; se é só para provar novas colheitas de marcas que já conheço de ginjeira e que, mais coisa menos coisa, serão iguais às da colheita anterior, muito obrigado pelo convite.
Ora, se há coisa que sei quando vou a uma prova comentada por Jorge Moreira é que virei de lá com o espírito mais crítico perante certas ideias feitas. Por exemplo, num recente lançamento dos vinhos da Quinta de La Rosa (Douro), os críticos que gostam sempre de esmiuçar o vinho até à última molécula entretinham-se em debater o equilíbrio perfeito entre acidez e pH (maçada a que pouparei os leitores) quando, Jorge Moreira, perante um vinho que apresentava parâmetros menos canónicos, mas com uma excelente prova de boca, fez uma declaração tão singela quanto curiosa, e que cito de memória. "Por mais ciência que haja na vinha e na adega e por mais vindimas que um enólogo tenha, um vinho nunca é uma conta tipo 2 + 2 =4." E aqui não é apenas a variabilidade climática que manda. É mesmo aquele carácter misterioso que, de resto, é a essência do vinho. Daí que, por regra, quando explica um vinho, Jorge Moreira só fala de parâmetros analíticos se for forçado por algum "enochato". Ele é mais homem de vinho e menos homem de química.
Ainda assim, e perante vinhos da Quinta de La Rosa e Quinta das Bandeiras da colheita de 2016, o enólogo não deixou de enfatizar que a frescura que foi possível garantir nos brancos e tintos durante uma vindima complicada só foi possível devido à viticultura moderna que hoje se pratica no Douro. "Se recuássemos alguns anos, não teríamos vinhas capazes de fazer face à violência do clima, pelo que teríamos vinhos necessariamente desequilibrados." Disse.
E se reflectirmos um pouco, na última década, não podemos apontar uma única colheita classificada como desastre, coisa que não invalida - segundo o produtor Abílio Tavares da Silva - as clássicas angústias dos enólogos início da vindima. "Se não é a podridão, é sobre maturação ou outra coisa qualquer. Em Setembro, os enólogos estão sempre angustiados. E, vai-se a ver, depois é só coisas boas ou muito boas. Faz parte."
Posto isto, interessa hoje sublinhar que, das novas colheitas da Quinta de La Rosa e da Quinta das Bandeiras, merecem destaque três vinhos. O primeiro é o Quinta de La Rosa Tinto 2016, por ser um exemplo apurado do que é um tinto do Douro by Jorge Moreira. Ou seja, um vinho que cheira e sabe a Douro, com frutos mais vermelhos do que pretos e - cá está o tempero - umas certas notas de cogumelos à mistura com sensações vegetais, coisas que lhe dão uma graça peculiar.
Este vinho tem um "primo" do mesmo ano na variante Reserva, que é mais cuidado ao nível da selecção de uvas e do estágio de madeira. Sendo ele refinado, tem, todavia, um perfil em que só sobressai a Touriga Nacional e, na boca, alguma madeira. Se me perguntarem que vinho prefiro, claramente o primeiro. Tem mais latitude. E um comportamento polifacetado à mesa. Mas, lá está, é só uma questão de gosto.
E se o Tim branco 2017 - o vinho de homenagem de Sophia Bergqvist ao pai - é senhorial e grave, apetece aplaudir o Passagem Reserva Branco 2017, quer pelo vinho em si, quer pelo preço. Se, de início, pode parecer austero, rapidamente nos apercebemos de notas de fruta de caroço (tipo nêspera), com a boca a dar a ideia de uma certa rudeza, mas envolta numa estrutura gorda e com bela acidez. Rapidamente percebemos que estamos perante um vinho que já dá muito prazer hoje, continuando neste caminho daqui por cinco, sete ou 10 anos.
Agora, quando ficamos a saber que este branco Reserva do Douro custa €11, a ideia é que, seguramente, houve um erro qualquer. Mas não. Parece que é o resultado da marca ter aparecido no mercado quando a crise entrou de rompante nas nossas vidas. E assim ficou com estes valores até hoje.
Nunca pensei que um dia iria agradecer alguma coisa aos senhores da troika.
Compreende-se que os produtores queiram apresentar os seus vinhos perante os críticos, visto que tal facilita a comunicação e o enquadramento do projecto. O problema é que os produtores não reflectem sobre o efeito que a saturação de eventos em cascata tem nos críticos. Só pensam em comunicar e no possível efeito de boas notas para a venda dos seus vinhos. É natural.
Ora, se há coisa que sei quando vou a uma prova comentada por Jorge Moreira é que virei de lá com o espírito mais crítico perante certas ideias feitas. Por exemplo, num recente lançamento dos vinhos da Quinta de La Rosa (Douro), os críticos que gostam sempre de esmiuçar o vinho até à última molécula entretinham-se em debater o equilíbrio perfeito entre acidez e pH (maçada a que pouparei os leitores) quando, Jorge Moreira, perante um vinho que apresentava parâmetros menos canónicos, mas com uma excelente prova de boca, fez uma declaração tão singela quanto curiosa, e que cito de memória. "Por mais ciência que haja na vinha e na adega e por mais vindimas que um enólogo tenha, um vinho nunca é uma conta tipo 2 + 2 =4." E aqui não é apenas a variabilidade climática que manda. É mesmo aquele carácter misterioso que, de resto, é a essência do vinho. Daí que, por regra, quando explica um vinho, Jorge Moreira só fala de parâmetros analíticos se for forçado por algum "enochato". Ele é mais homem de vinho e menos homem de química.
Ainda assim, e perante vinhos da Quinta de La Rosa e Quinta das Bandeiras da colheita de 2016, o enólogo não deixou de enfatizar que a frescura que foi possível garantir nos brancos e tintos durante uma vindima complicada só foi possível devido à viticultura moderna que hoje se pratica no Douro. "Se recuássemos alguns anos, não teríamos vinhas capazes de fazer face à violência do clima, pelo que teríamos vinhos necessariamente desequilibrados." Disse.
E se reflectirmos um pouco, na última década, não podemos apontar uma única colheita classificada como desastre, coisa que não invalida - segundo o produtor Abílio Tavares da Silva - as clássicas angústias dos enólogos início da vindima. "Se não é a podridão, é sobre maturação ou outra coisa qualquer. Em Setembro, os enólogos estão sempre angustiados. E, vai-se a ver, depois é só coisas boas ou muito boas. Faz parte."
Posto isto, interessa hoje sublinhar que, das novas colheitas da Quinta de La Rosa e da Quinta das Bandeiras, merecem destaque três vinhos. O primeiro é o Quinta de La Rosa Tinto 2016, por ser um exemplo apurado do que é um tinto do Douro by Jorge Moreira. Ou seja, um vinho que cheira e sabe a Douro, com frutos mais vermelhos do que pretos e - cá está o tempero - umas certas notas de cogumelos à mistura com sensações vegetais, coisas que lhe dão uma graça peculiar.
Este vinho tem um "primo" do mesmo ano na variante Reserva, que é mais cuidado ao nível da selecção de uvas e do estágio de madeira. Sendo ele refinado, tem, todavia, um perfil em que só sobressai a Touriga Nacional e, na boca, alguma madeira. Se me perguntarem que vinho prefiro, claramente o primeiro. Tem mais latitude. E um comportamento polifacetado à mesa. Mas, lá está, é só uma questão de gosto.
E se o Tim branco 2017 - o vinho de homenagem de Sophia Bergqvist ao pai - é senhorial e grave, apetece aplaudir o Passagem Reserva Branco 2017, quer pelo vinho em si, quer pelo preço. Se, de início, pode parecer austero, rapidamente nos apercebemos de notas de fruta de caroço (tipo nêspera), com a boca a dar a ideia de uma certa rudeza, mas envolta numa estrutura gorda e com bela acidez. Rapidamente percebemos que estamos perante um vinho que já dá muito prazer hoje, continuando neste caminho daqui por cinco, sete ou 10 anos.
Agora, quando ficamos a saber que este branco Reserva do Douro custa €11, a ideia é que, seguramente, houve um erro qualquer. Mas não. Parece que é o resultado da marca ter aparecido no mercado quando a crise entrou de rompante nas nossas vidas. E assim ficou com estes valores até hoje.
Nunca pensei que um dia iria agradecer alguma coisa aos senhores da troika.