Notícia
Histórias da cidade maravilhosa
Ruy Castro, excelente contador de histórias, traz-nos a do seu Rio de Janeiro, cidade de que guarda memórias fascinantes e recordações de personagens únicos.
Ruy Castro
Rio de Janeiro, o Carnaval no Fogo
Tinta da China,
239 páginas, 2017
Ruy Castro é um dos maiores cronistas sobre a história do Rio de Janeiro. As suas obras sobre a Bossa Nova, sobre esse infernal autor que foi Nelson Rodrigues ou sobre a dama que conquistou os Estados Unidos, Carmen Miranda, são verdadeiramente fundamentais. Isto para não falar desse "pequeno herói" do futebol brasileiro, Garrincha, que encontrou na pena de Castro as asas para reocupar o seu lugar há muito merecido na constelação do samba futebolístico tricolor. Agora, num livrinho menos volumoso, o autor olha para essa "cidade maravilhosa" que desvaneceu poetas e que tornou simples canções, como "Garota de Ipanema", verdadeiros hinos à beleza e à rebeldia malandra de um povo que desejava o prazer.
"Rio de Janeiro, Carnaval no Fogo" é um livro sobre a grande cidade e sobre a festa que funciona como seu bilhete de identidade. Mas é, também, uma longa viagem, cheia de cruzamentos, entre o passado e o presente, entre o Rio imperial e o republicano, entre o da malandragem e o do perigo. Está cheio de pequenas histórias que nos guiam através de 500 anos de vida, onde sucessivas vagas de emigrantes, nómadas e escravos foram compondo um "puzzle" único. Como escreve Castro, "aos olhos estrangeiros, em quinhentos anos de História, o Rio foi, sucessivamente, o Éden sonhado pelos utópicos; a malograda França Antártica; um porto de piratas e corsários; um entreposto de ouro e escravos; a capital de um império europeu; uma corte de opereta; a Cidade Maravilhosa; a terra do Carnaval; e, sempre, mesmo que em surdina, uma espécie de Meca do sexo".
Há algo, no entanto, fundamental, como relembra Ruy Castro: "Ninguém entenderá o Rio sem entender o Carnaval." Hoje é diferente, especialmente no Sambódromo, mas "há duzentos, cem ou mesmo cinquenta anos, o Carnaval carioca era diferente. Ninguém precisava de pagar, ninguém ficava sentado e, em vez de assistir, cada folião se fantasiava e fazia o seu próprio Carnaval. O espectáculo era a cidade - toda ela. Espalhava-se pelos bairros por dias e noites e seus protagonistas eram a população. Era a liberdade, a loucura, a folia". No fundo, este livro é uma longa crónica sobre o Rio. Não é um conjunto de pequenas histórias que se contam em papel de jornal todos os dias. Castro não chora por cima das pedras do calçadão por causa do passado que se perdeu. Não sente nostalgia balofa. Acredita que o Rio renasce e rejuvenesce-se ciclicamente.
Ruy Castro fala-nos do Carnaval e do samba e relembra uma história que tem muito que ver com a mistura carioca: "A primeira orquestra de sambas e choros, Os Oito Batutas, de Pixinguinha, criada em 1922, era preta e branca em partes iguais, quatro para cada lado, e tocava para plateias mistas em cinemas e teatros (...) E as gravadoras americanas sediadas aqui nunca cometeram a torpeza de obrigar suas filiais brasileiras a produzir 'race records' (discos mais baratos, de artistas negros para compradores 'idem'), como faziam nos Estados Unidos com os jazzistas". Castro recorda mesmo: "Alguém comentos, admirado, que o brasileiro 'é um negro de todas as cores'." Há claro, muitas páginas dedicadas à música. A António Carlos Jobim e a Vinicius de Moraes, criadores soberanos de uma cidade com vista para a imensidão do mar e da liberdade. O Rio, não o esqueçamos, chegou a ser a capital do Império português. Algo que não sucedeu em mais nenhuma potência colonial. Já então começava a ser a cidade única da língua portuguesa. A canção de André Filho, "Cidade Maravilhosa", de 1935, iria tornar-se o hino do Rio. Mas isso, claro, já é outra história.
Rio de Janeiro, o Carnaval no Fogo
Tinta da China,
239 páginas, 2017
Ruy Castro é um dos maiores cronistas sobre a história do Rio de Janeiro. As suas obras sobre a Bossa Nova, sobre esse infernal autor que foi Nelson Rodrigues ou sobre a dama que conquistou os Estados Unidos, Carmen Miranda, são verdadeiramente fundamentais. Isto para não falar desse "pequeno herói" do futebol brasileiro, Garrincha, que encontrou na pena de Castro as asas para reocupar o seu lugar há muito merecido na constelação do samba futebolístico tricolor. Agora, num livrinho menos volumoso, o autor olha para essa "cidade maravilhosa" que desvaneceu poetas e que tornou simples canções, como "Garota de Ipanema", verdadeiros hinos à beleza e à rebeldia malandra de um povo que desejava o prazer.
Há algo, no entanto, fundamental, como relembra Ruy Castro: "Ninguém entenderá o Rio sem entender o Carnaval." Hoje é diferente, especialmente no Sambódromo, mas "há duzentos, cem ou mesmo cinquenta anos, o Carnaval carioca era diferente. Ninguém precisava de pagar, ninguém ficava sentado e, em vez de assistir, cada folião se fantasiava e fazia o seu próprio Carnaval. O espectáculo era a cidade - toda ela. Espalhava-se pelos bairros por dias e noites e seus protagonistas eram a população. Era a liberdade, a loucura, a folia". No fundo, este livro é uma longa crónica sobre o Rio. Não é um conjunto de pequenas histórias que se contam em papel de jornal todos os dias. Castro não chora por cima das pedras do calçadão por causa do passado que se perdeu. Não sente nostalgia balofa. Acredita que o Rio renasce e rejuvenesce-se ciclicamente.
Ruy Castro fala-nos do Carnaval e do samba e relembra uma história que tem muito que ver com a mistura carioca: "A primeira orquestra de sambas e choros, Os Oito Batutas, de Pixinguinha, criada em 1922, era preta e branca em partes iguais, quatro para cada lado, e tocava para plateias mistas em cinemas e teatros (...) E as gravadoras americanas sediadas aqui nunca cometeram a torpeza de obrigar suas filiais brasileiras a produzir 'race records' (discos mais baratos, de artistas negros para compradores 'idem'), como faziam nos Estados Unidos com os jazzistas". Castro recorda mesmo: "Alguém comentos, admirado, que o brasileiro 'é um negro de todas as cores'." Há claro, muitas páginas dedicadas à música. A António Carlos Jobim e a Vinicius de Moraes, criadores soberanos de uma cidade com vista para a imensidão do mar e da liberdade. O Rio, não o esqueçamos, chegou a ser a capital do Império português. Algo que não sucedeu em mais nenhuma potência colonial. Já então começava a ser a cidade única da língua portuguesa. A canção de André Filho, "Cidade Maravilhosa", de 1935, iria tornar-se o hino do Rio. Mas isso, claro, já é outra história.