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A riqueza do Ocidente e a pobreza do Médio Oriente

Porque é que o Ocidente se tornou rico e o Médio Oriente, que durante séculos foi a fonte de conhecimento e tecnologia, deixou de o ser? Um novo livro vem colocar a discussão num outro nível: o da importância da impressão tipográfica e da separação entre o poder religioso e político.

25 de Agosto de 2017 às 13:00
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Jared Rubin
Rulers, Religion & Riches (Why the West Got Rich and the Middle East Did Not)
Cambrigge University Press, 272 páginas, 2017

No seu incontornável "O Declínio do Ocidente", Oswald Spengler previa que as nações ocidentais acabariam por perder população e acabariam na decadência. Spengler achava que a urbanização excessiva do Ocidente levaria a um afastamento da "lógica orgânica" da vida: deixaria de haver razão para a existência de filhos. E assim o Ocidente pereceria. O crescimento da população mundial durante os anos de "boom" económico (de alguma maneira também em partes do Ocidente) acabaria por suavizar as profecias de Spengler. Mas hoje essa lógica voltou a colocar-se. E, nesse aspecto, até face às constantes crises e guerras que hoje cruzam os destinos da Europa e do Médio Oriente (realidades que sempre estiveram ligadas durante séculos devido ao comércio, à ocupação do Islão da Península Ibérica, ao colonialismo ocidental até meados do século XX, ao petróleo ou às guerras no Iraque ou na Síria), a própria questão demográfica corre contra os países ocidentais e muçulmanos. Há quem sustente que a riqueza, pelo menos aparente, das sociedades, leva a que estas se cansem de viver e de arriscar.

E talvez isso nos leve a uma outra questão: porque é que algumas partes do mundo se tornaram ricas e outras ficaram pobres, sobretudo quando nos séculos antes as condições económicas e sociais pareciam indicar o contrário? Centremo-nos pois na relação da Europa com o Médio Oriente. É esse paradoxo que é o centro de um livro extremamente aliciante de Jared Rubin, professor de economia da Universidade de Chapman, na Califórnia. Hoje parece haver um "fosso económico" enorme entre estes dois mundos. Porque será, se pensarmos que há 500 anos o Ocidente não era mais rico do que o Oriente e há mil anos o mundo islâmico era muito mais desenvolvido em tudo (da matemática à tecnologia) do que a Europa cristã? Córdova era, por essa altura, o centro da beleza do mundo que os europeus poderiam conhecer. Se a época dos Descobrimentos já fugiu à alçada islâmica (apesar dos interesses comerciais que detinha na parte oriental do oceano Índico e que colidiram muito depressa com os dos portugueses e, depois, de outras potências europeias), em 1600 os dados estavam lançados. O mundo islâmico encontrava-se já atrás da Europa Ocidental, primeiro passo de um retrocesso assinalável em termos de crescimento económico, a que se juntou uma pobreza persistente e vários problemas sociais. O norte da Europa tornou-se, por essa altura, o local mais rico do mundo, o laboratório da industrialização e da globalização comercial e mesmo financeira.


No Médio Oriente, como se viu no Império Otomano, a ligação férrea entre o Estado e o poder religioso, se serviu para unificar, acabou por conduzir depois à sua implosão. 


Rubin não divaga muito sobre o pretenso conservadorismo da fé muçulmana. Porque para ele é evidente que o sucesso do Islão medieval não tem a ver com a doutrina religiosa. Para ele a questão é outra: está na relação da religião com os governos e foi isso que fez a divergência da Europa e do Médio Oriente. Para a maior parte dos líderes o que verdadeiramente importa é conquistar e manter o poder e não a ideologia ou o bem comum. E isto requer "coerção" e alguma forma de legitimidade. No mundo medieval quer os dirigentes cristãos ou islâmicos tinham autoridade conferida pelas autoridades religiosas, mas depois da Reforma tudo mudou. Rubin pensa que os governos europeus tiveram de se afastar do poder religioso como fonte de poder. E isso terá feito a diferença. Afastando a religião da política, a Europa abriu o bolo do poder aos interesses económicos, criando uma lógica de interesses que tinham a ver com o comércio e com o crescimento. Os dirigentes islâmicos, pelo contrário, ficaram reféns do poder religioso, a que se associou o poder militar. A lógica de ruptura não existia. E tudo se centrava numa questão de legitimação.

Com a Reforma assistiu-se na Europa a uma revolução de ideias. E no centro desta democratização esteve um facto a que Jared Rubin dá uma enorme, e crucial, importância: a impressão tipográfica. Apesar de rapidamente o sistema poder ser utilizado com caracteres árabes, demorou cerca de 300 anos a ser popular no Médio Oriente. Os líderes religiosos conservadores desconfiavam da descoberta de Gutenberg, porque isso iria minar o seu poder e o Estado (ligado à religião e não ao comércio), não tinha interesse em motivar a impressão e tudo o que daí adveio, desde a popularização dos escritos religiosos à imprensa. Só em 1727 o Império Otomano permitiu o processo de impressão tipográfica em caracteres árabes. O universo económico, que permitiu a expansão do poder comercial no Ocidente, com a criação de empresas, da Bolsa, de formas céleres de crédito mas também de debate de ideias e de alterações suaves do poder político, cimentou a revolução europeia. A revolta holandesa contra a Espanha católica e o corte com Roma deu força aos Parlamentos da Holanha e da Inglaterra. No século XVII ambos os países era governados por Parlamentos e por elites económicas. As suas políticas promoviam o comércio e os direitos de propriedade. O capitalismo moderno ganhava os seus pilares. E isso teve a ver com a deslocação da política do epicentro religioso. Algo que não sucedeu no Médio Oriente.


Porque será, se pensarmos que há 500 anos o Ocidente não era mais rico do que o Oriente e há mil anos o mundo islâmico era muito mais desenvolvido em tudo do que a Europa cristã?

É certo que, como escreve Rubin, "tirar a religião da política demorou séculos" mas isso transformou não apenas a política e a economia mas também o mundo das ideias e da cultura. E tudo isso, junto, acabou por ser uma locomotiva do sucesso ocidental. Tal como disse Max Weber, no início do século XX, a maioria das regiões europeias que tinham tido sucesso económico eram protestantes e não católicas. Ou seja, o "espírito do capitalismo" era essencialmente protestante. Muitos duvidam desta tese, mas o certo é que o norte da Europa acabou por centralizar a ideia de desenvolvimento capitalista.

Se pensarmos na relação de Portugal com a Inglaterra teremos uma boa matéria de reflexão sobre esta lógica dentro da Europa: Portugal financiou muito da Revolução Industrial e do sector financeiro britânico com o ouro do Brasil (e antes, com o que vinha do Oriente), em troca de produtos já feitos e que serviam de ostentação. Na Espanha, por exemplo, os interesses do Estado e da Igreja estiveram muito ligados e durante muito tempo. No Médio Oriente, como se viu no Império Otomano, a ligação férrea entre o Estado e o poder religioso, se serviu para unificar, acabou por conduzir depois à sua implosão. Os otomanos falharam a fazer reformas financeiras ou nas leis e isso acabou com o poder do sultão. No fundo a riqueza de uns acabou por se tornar a pobreza de outros. E o livro de Jared Rubin acaba por ser um bom foco de debate sobre o tema.


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