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Têxteis inteligentes – muito mais do que um pano

Camuflados que conferem o dom da invisibilidade – mesmo perante detetores de infravermelhos –, revestimentos capazes de detetar o cansaço do condutor ou têxteis que geram e armazenam energia. O que há uns anos cabia apenas na ficção é hoje a realidade dos têxteis inteligentes. Um setor em desenvolvimento e onde Portugal dá cartas.
Susana Torrão 01 de Fevereiro de 2025 às 17:00

Clara Pereira, professora associada da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, vai dedicar os próximos cinco anos a desenvolver o Self Energy Driver, uma tecnologia têxtil capaz de produzir e armazenar energia elétrica utilizando duas fontes intrinsecamente ligadas ao corpo humano: a temperatura e a humidade. "A produção de energia acontece sempre que há uma diferença de temperatura ou de humidade entre nós e o meio ambiente", explica a investigadora do Laboratório Associado para a Química Verde (LAQV-REQUIMTE).

No início de dezembro, Clara Pereira recebeu uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação (ERC) no valor de dois milhões de euros para levar a bom porto este projeto. O objetivo é criar um protótipo que possa depois ser desenvolvido pela indústria. "Muito dos atuais sistemas de geração de energia são descontínuos. E, se não tivermos uma geração de energia contínua, não vamos conseguir uma estabilidade no desempenho de dispositivos e sensores integrados na roupa", explica a investigadora, para quem a principal inovação deste projeto é o recurso a duas fontes geradoras de energia. "Quando uma não está a acontecer, podemos ir buscar a outra".

Esta tecnologia inclui-se nos chamados têxteis inteligentes. "Falamos de têxteis funcionais quando têm uma ação especial, por exemplo, um têxtil que tem uma ação cosmética sobre a pele ou protege do fogo. Um caso particular dos têxteis funcionais são os têxteis inteligentes, que têm capacidade de reação a estímulos, associados a alguma eletrónica, e que podem comportar-se como sensores ou atuadores", explica António Braz Costa, diretor geral do Citeve, que dá como exemplo um tecido que aquece automaticamente quando a temperatura cai para valores negativos.

Clara Pereira começou a trabalhar na área da energia em 2016 e os seus projetos incluem também o setor tecnológico e empresas da indústria têxtil. No primeiro, desenvolveu supercondensadores em têxteis, algo que não existia até então. Noutro projeto que ainda decorre, o Boost Energy 4 Text, está incluída uma componente de produção de supercondensadores carregados termicamente, e existe já uma patente, em fase de validação.

No caso do Self Energy Driver, o objetivo é criar um têxtil capaz de alimentar sensores de baixo consumo, como os usados para monitorizar sinais vitais ou sistemas de iluminação. Uma vez concluído, poderá vir a ser usado em fardamentos de quem trabalha à noite ou em equipamentos de segurança. Com o tempo, o mais natural é que o leque de aplicações seja alargado, já que este sistema também poderá ser aplicado a outros materiais flexíveis como plástico ou papel. "A ideia é sempre que no final seja multifuncional", garante Clara, que aponta os estofos de automóveis como um dos elementos que podem vir a beneficiar da tecnologia.

Defesa e setor automóvel dão força aos têxteis

"Os têxteis funcionais estão por todo o lado. Hoje já não há uma peça que não seja respirável ou repelente à água. No caso dos inteligentes, são as aplicações técnicas dos têxteis que lideram", explica António Braz Costa, que aponta o setor automóvel como um dos impulsionadores destas tecnologias. "Hoje em dia, no interior do automóvel, o que parece ser apenas um têxtil tem uma série de funções. Cada vez mais o interior do automóvel incorpora sensores que permitem que seja muito mais simples, mas com muito mais funções", explica.

A investigadora Clara Pereira recebeu uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação (ERC), no valor de dois milhões de euros, para a desenvolver o Self Energy Driver, uma tecnologia têxtil capaz de produzir e armazenar energia elétrica utilizando duas fontes intrinsecamente ligadas ao corpo humano: a temperatura e a humidade.


Já existem tecidos que, aplicados aos assentos, permitem medir o ritmo cardíaco do condutor. "O setor automóvel tem um ciclo de implementação de novas tecnologias que andam à roda dos sete anos. Quando trabalhamos uma determinada solução, ela só vai aparecer nos próximos modelos. Mas já existe utilização industrial dessa tecnologia", refere António Braz Costa. Hoje existem sistemas que conseguem perceber a posição dos passageiros - por exemplo, se têm a cabeça baixa ou levantada - que, em conjunto com o ritmo cardíaco e outros sinais corporais, podem levar o automóvel a "perceber" o nível de cansaço de condutor e passageiros.

A Defesa é outro dos campos que tem impulsionado a investigação na área dos têxteis inteligentes. "Hoje, um soldado leva muita tecnologia consigo, e os fardamentos -incluindo capacetes, luvas, óculos -, e toda a parafernália associada é cada vez mais complexa e os têxteis inteligentes aqui têm uma palavra a dizer", diz António Braz Costa. O Citeve lidera um consórcio que integra empresas e entidades do sistema científico e tecnológico europeu para desenvolver a chamada "camuflagem do futuro".

"Até há algum tempo, quando falávamos em camuflagem, falávamos de camuflagem relativamente às ondas do visível, daí aqueles padrões que se confundem com a folhagem, com a neve ou com o deserto. Hoje temos de tentar perceber como conseguimos esconder um soldado (ou uma plataforma) da visão não apenas dos humanos, mas também dos sistemas de deteção de infravermelhos" , explica o responsável do Citeve. Para isso, há o recurso à camuflagem adaptativa. "O camaleonismo é uma das estratégias, e inclui também as questões da camuflagem a comprimentos de onda que os humanos não veem", refere. É o calor gerado pelo corpo que permite a sua deteção por câmaras de infravermelhos; se o fardamento impedir a passagem dos infravermelhos, o militar torna-se "invisível". "Isto tem um conjunto de implicações, porque pode aumentar excessivamente a temperatura do corpo e tem de haver uma série de estratégias para que isso não aconteça", continua António Braz Costa.

As várias tecnologias desenvolvidas pelo consórcio liderado pelo Citeve têm em conta a usabilidade dos futuros camuflados. "Temos de olhar para um soldado como olhamos para um atleta de alta competição. O fardamento deve contribuir para a performance daquela pessoa. Tem de ser leve, deve fazer uma boa gestão da humidade e da temperatura, proteger contra radiações, incluir tratamentos antibacterianos que permitam que, se o camuflado for usado durante uma semana, sem a pessoa tomar banho, possa continuar a ser usado…", explica o diretor do Citeve.

A Proteção Civil, nomeadamente os bombeiros, também beneficia da aplicação de têxteis inteligentes. Desde materiais que resistem melhor a diferentes tipos de fogo - um incêndio florestal ou uma explosão numa refinaria têm diferentes tipos de exigências, por exemplo - a inclusão de sensores que monitorizam os valores de monóxido de carbono, os exemplos são vários. "Temos feito coisas muito interessantes na relação entre o corpo e o material, para perceber o momento em que determinado profissional deve parar e ser substituído - e isto já incorpora tecnologias digitais intrinsecamente ligadas aos materiais ao nível das fibras especiais que temos desenvolvido e que têm essa capacidade de atuar como sensores" conta António Braz Costa E, nos próximos anos, a moda, mais concretamente o segmento de luxo, irá juntar-se à Defesa e ao setor automóvel como um dos principais destinatários destes materiais. 

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