Notícia
Papa Francisco: O bom rebelde
O Papa Francisco celebra este sábado 80 anos. O primeiro Sumo Pontífice latino-americano tirou o cheiro a mofo à Igreja Católica e o chamado “efeito Francisco” está a deixar marcas no Vaticano e no mundo.
Não se sabe como o Papa Francisco vai celebrar este sábado os seus 80 anos. A agência Ecclesia adianta que o dia vai começar com uma missa, às 8h da manhã (menos uma hora em Lisboa), na Capela Paulina do Palácio Apostólico, com a presença dos cardeais residentes em Roma. Mas, em privado, é possível que o Sumo Pontífice tenha os amigos mais próximos a seu lado para lhe cantarem os parabéns e um bolo com velas para soprar. Mas a comemoração acontecerá no meio de alguma agitação. No domingo, foi emitido o documentário "Papa Francesco: come Dio comanda" (Papa Francisco: como Deus manda) no canal de televisão italiano Sky Atlantic. O filme mostra um lado mais íntimo do Papa e tem excertos de conversas gravadas pelo padre Antonio Spadaro (director do jornal La Civiltà Cattolica e confidente de Francisco) em diferentes momentos do seu Pontificado. Nessas conversas, Francisco admite que não será durante muito mais tempo o líder máximo da Igreja Católica. "O meu Pontificado será breve, entre quatro a cinco anos", afirma o Papa. A frase fez soar as campainhas. E começou a especular-se na comunicação social que Francisco poderá abdicar já em 2017, tendo em conta que em Março passarão quatro anos desde a sua eleição pelo colégio de cardeais.
Será que Francisco já está a contar os dias para passar a outro o comando do Vaticano? A questão de uma possível resignação, à semelhança do que aconteceu com o seu antecessor Bento XVI, é recorrente, diz a vaticanista da Rádio Renascença, Aura Miguel. "Ele já disse várias vezes que não tem medo de morrer, mas tem medo de sofrer", afirma a única jornalista portuguesa acreditada na Santa Sé, que há 30 anos acompanha de perto os Papas. São conhecidos os problemas de saúde de Francisco. Foi-lhe retirada parte de um pulmão na juventude, devido a uma doença respiratória que o deixou entre a vida e a morte quando tinha 21 anos. Por outro lado, ele sempre elogiou Bento XVI, por ter rompido com a "regra" que vigorou durante séculos de o Papa se manter em funções até ao fim da vida. Mesmo que venha a abdicar, é certo que a Igreja Católica não será com certeza a mesma depois deste Pontificado. O "efeito Francisco" já deixou marcas no Vaticano e no mundo.
O Papa Reformador
No dia em que se apresentou ao mundo como o novo Papa, Jorge Bergoglio, que adoptou o nome Francisco em homenagem a São Francisco de Assis, saudou a multidão na varanda da Basílica de São Pedro. Depois, em vez de utilizar o carro oficial que o esperava, uma limusina, voltou de autocarro juntamente com os outros cardeais para a Casa de Santa Marta. Francisco, o primeiro Papa do continente americano, recusou viver nos aposentos papais do Palácio Apostólico. Quis morar num apartamento com dois quartos na casa de hóspedes do Vaticano, a Casa de Santa Marta. O argumento foi o de que não queria ficar isolado, preferia manter o convívio com as pessoas. Esta decisão tornou-se uma enorme dor de cabeça para a sua equipa de segurança. "A Casa de Santa Marta fica à beira da estrada", explica Aura Miguel. "As janelas dão para uma das ruas principais, ali à volta do Vaticano." Além disso, a casa tem "permanentemente gente a entrar e a sair", mais uma dificuldade para garantir a segurança de Francisco. Nada que o incomode. "Ele convive com as pessoas no elevador, no restaurante põe-se na fila para o 'buffet' e mete conversa com elas, às vezes vê uma mesa com um lugar vazio e vai lá sentar-se." São vários os episódios conhecidos.
Habituado a viver de forma modesta, Francisco manteve esse estilo de vida quando foi eleito Papa. Usa sapatos comuns e não quis ter ao peito uma cruz de ouro.
Francisco usa os seus próprios sapatos pretos, não quis os tradicionais sapatos vermelhos calçados pelos seus antecessores. E o anel do Pescador que tem no dedo é de prata e não de ouro, como era hábito. Continua a usar ao peito uma cruz simples de metal, que já usava ainda antes de ser bispo, recusando uma cruz de ouro e pedras preciosas. Este jesuíta argentino, descendente de italianos, não gosta de ostentação e estava habituado a andar de transportes públicos ou a pé na Argentina. Enquanto arcebispo de Buenos Aires, vivia num apartamento modesto e era uma figura presente nas periferias da cidade, no meio dos pobres. No primeiro encontro com a comunicação social como Papa, deixou uma mensagem bem clara. "Gostaria de ter uma Igreja que fosse pobre e feita para os pobres."
O Arcebispo de Buenos Aires
Quem já o conhecia antes de ser Papa não ficou surpreendido com o estilo de Francisco. Ele foi sempre assim, garante o embaixador de Portugal no Vaticano. António Almeida Ribeiro foi o primeiro diplomata a entregar as credenciais a Francisco. "Cheguei três dias antes de este Papa ser eleito", recorda. Quando foi recebido pelo Sumo Pontífice, notou que ele estava desconfortável. "Percebi que ele não sabia muito bem o que havia de dizer. Era uma experiência nova para ele." António Almeida Ribeiro disse-lhe então que o tinha seguido de muito perto enquanto arcebispo de Buenos Aires, porque foi embaixador de Portugal na Argentina. Estava quebrado o gelo. A partir daí foi "uma conversa muito descontraída e informal".
Traçando um perfil do Papa, diz que se trata de alguém "com convicções muito claras, com grande frontalidade sempre que falava sobre os problemas do país". Jorge Bergoglio tomou várias posições públicas contra os políticos argentinos. "Teve grandes confrontos com os governos de Néstor Carlos Kirchner e mais tarde com os da mulher, Cristina Kirchner", diz o embaixador. Tomou posições fortes durante a grave crise económica que a Argentina atravessou em 2001 e foi um forte opositor à aprovação da lei que permitiu o casamento homossexual no país. "Não sejamos ingénuos: não se trata de uma simples luta política; é uma tentativa de destruição do plano de Deus", escreveu numa carta divulgada dias antes de a lei ser aprovada pelo Congresso. Bergoglio apontou o dedo às desigualdades sociais e à corrupção, que disse ser "um problema sistémico" na Argentina. E agora, no Vaticano, não se inibe de destapar os "podres" da Igreja.
Um abanão na Igreja
Quando substituiu Bento XVI, em Março de 2013, Francisco herdou alguns dossiês "quentes". Desde logo o Vatileaks, o escândalo à volta de documentos secretos a que jornalistas italianos tiveram acesso, que denunciavam uma rede de corrupção dentro da Santa Sé e más práticas de gestão financeira no Vaticano. Uma das primeiras decisões que Francisco tomou foi criar um conselho consultivo de oito cardeais para o ajudarem a governar a Igreja universal e a levar avante a reforma da cúria, iniciada pelo seu antecessor. Ficou conhecido como o G8 do Papa. Entre os cardeais escolhidos estão representantes da ala mais conservadora e progressistas. A área financeira foi uma das suas prioridades. "Ele criou uma Secretaria de Economia, no âmbito da reforma da cúria iniciada pelo seu antecessor, que é chefiada por um cardeal australiano [George Pell], que lhe responde directamente. Quer estar informado, sem intermediários", diz o embaixador António Almeida Ribeiro.
Também os escândalos de pedofilia que envolvem sacerdotes, e que durante anos foram abafados, e as denúncias da existência de um lóbi "gay" no Vaticano danificaram a imagem da Igreja. Mas Francisco não queria apenas "varrer o lixo". Era preciso mudar a forma de pensar e de agir da Igreja. "Ele acha que a Igreja está muito instalada", diz Aura Miguel. "Prefere que a Igreja bata com a cabeça e faça asneiras, mas que saia, não fique fechada e a cheirar a mofo." E recorre a expressões bíblicas para ilustrar o seu pensamento. Como a parábola da ovelha perdida, em que um pastor que tinha 100 ovelhas percebe, quando chega ao curral, que lhe falta uma e sai à procura dela. "Agora estamos ao contrário. Temos uma única ovelha no curral e 99 perdidas, e o pastor, em vez de as ir buscar, fica fechado no curral a fazer caracolinhos na ovelha que lhe resta. É isso que ele diz, assim, tal e qual", refere a jornalista. Por isso não tem dúvidas de que este Papa "está a despentear um bocado a Igreja". No fundo, defende, é com
o se "estivesse a dar um abanão para se perceber que há certas maneiras sociológicas de viver a Igreja que já acabaram". Um dos momentos em que isso aconteceu foi logo no seu primeiro mês como bispo de Roma. Na Quinta-feira Santa, em vez de celebrar uma missa numa basílica e levar os pés aos sacerdotes, como era hábito, decidiu celebrá-la numa prisão de jovens e lavar os pés a doze reclusos, entre eles mulheres e muçulmanos.
Mas o Papa é também um político. Um dos mais influentes do mundo, de acordo com a Forbes. A revista coloca-o em quinto lugar na lista das pessoas mais poderosas do planeta. A 8 de Julho de 2013, visitou a ilha de Lampedusa numa viagem-relâmpago de cerca de quatro horas. Rápida, mas simbólica. Francisco estava impressionado com a crise dos refugiados e as mortes no Mediterrâneo. E fez uma acusação contra a indiferença do mundo para o que estava a acontecer. Mais recentemente, durante a campanha para a Presidência dos Estados Unidos, disse: "Temos de derrubar os muros que dividem", numa clara alusão à campanha de Trump, que defendia a construção de um muro na fronteira dos EUA com o México. E frequentemente faz críticas ao liberalismo económico. "O sistema dominante, hoje em dia, descentrou a pessoa, colocando no centro o deus dinheiro, que é o ídolo da moda", disse em 2015, numa entrevista à Rádio Renascença.
Francisco, o construtor de pontes
Helena Vilaça, socióloga das religiões, destaca duas singularidades neste Papa. Por um lado, a "capacidade incrível de comunicação, capaz de gerar empatia e de construir pontes". Depois, uma característica que é cultural e que vem do facto de ser oriundo da América Latina. "Na Argentina, ele teve uma experiência de pluralismo religioso", destaca a investigadora, sublinhando que não se tratou de algo formal, mas sim de ter uma relação próxima com pessoas e líderes de outras religiões. Um dos seus amigos mais chegados é o pastor evangélico e professor universitário Norberto Saracco. Bergoglio esteve em reuniões com evangélicos onde pediu para orarem por ele". Isto, refere, é algo que o Velho Continente desconhece e não entende. "Na Europa tivemos monopólios religiosos, católicos e protestantes, associados ao Estado-nação."
Para o sociólogo das religiões Moisés Espírito Santo, Francisco conseguiu "adaptar a Igreja Católica à modernidade". E abriu um caminho que estava fechado, porque "os princípios do cristianismo são, sobretudo, a liberdade individual, a tolerância, a amizade, a fraternidade, etc. Nunca se vê o castigo nem a repressão. Ora, a Igreja Católica, durante quase dois mil anos, foi (fonte) de repressão e intolerância. Agora, o Papa retomou o caminho primitivo. É um voltar às origens", conclui.
Desde a eleição de Francisco o número de peregrinos em Roma aumentou exponencialmente. Mas a grande popularidade que tem não agrada a todos na cúria romana. No livro "Francisco: Vida e Revolução", de Elisabetta Piqué, a autora revela que uma minoria conservadora e ultratradicionalista o rotulou de "populista" e "demagogo". "Julgam que essa informalidade de Francisco, um Papa 'demasiado argentino', folclórico, muito 'Evita', muito 'paz e amor', dessacraliza a figura do Sumo Pontífice, até agora monarca absoluto, infalível e muito pouco acessível", escreve a jornalista. O embaixador de Portugal no Vaticano confirma que existem "resistências internas". "Isso sente-se, nem sempre de uma forma muito clara", admite. A pergunta é: será que a grande aceitação que Francisco conseguiu por esse mundo fora vai significar um aumento do número de fiéis na Igreja Católica? "Ele é altamente carismático e muita gente gosta dele, mas não gosta da Igreja", diz Aura Miguel. Para já, o "efeito Francisco" nas paróquias "ainda não se nota", refere a investigadora Helena Vilaça. Mas é certo que este Papa "gerou uma melhor imagem da Igreja Católica no espaço público", sublinha. A prova são os seguidores que tem nas redes sociais. Actualmente, são quase 3,5 milhões no Instagram e na conta "Pontifex", no Twitter, seguem-no mais de 10 milhões. Pouco depois de ser eleito Papa, Francisco confessou sentir falta de andar na rua. Na entrevista que deu a Aura Miguel para a Renascença, disse que gostava de poder andar na rua : "O que eu gostava era de sair à noite com amigos para comer uma piza." Mas sabia que ainda não tinha chegado o tempo. Será que é este sábado?
Será que Francisco já está a contar os dias para passar a outro o comando do Vaticano? A questão de uma possível resignação, à semelhança do que aconteceu com o seu antecessor Bento XVI, é recorrente, diz a vaticanista da Rádio Renascença, Aura Miguel. "Ele já disse várias vezes que não tem medo de morrer, mas tem medo de sofrer", afirma a única jornalista portuguesa acreditada na Santa Sé, que há 30 anos acompanha de perto os Papas. São conhecidos os problemas de saúde de Francisco. Foi-lhe retirada parte de um pulmão na juventude, devido a uma doença respiratória que o deixou entre a vida e a morte quando tinha 21 anos. Por outro lado, ele sempre elogiou Bento XVI, por ter rompido com a "regra" que vigorou durante séculos de o Papa se manter em funções até ao fim da vida. Mesmo que venha a abdicar, é certo que a Igreja Católica não será com certeza a mesma depois deste Pontificado. O "efeito Francisco" já deixou marcas no Vaticano e no mundo.
No dia em que se apresentou ao mundo como o novo Papa, Jorge Bergoglio, que adoptou o nome Francisco em homenagem a São Francisco de Assis, saudou a multidão na varanda da Basílica de São Pedro. Depois, em vez de utilizar o carro oficial que o esperava, uma limusina, voltou de autocarro juntamente com os outros cardeais para a Casa de Santa Marta. Francisco, o primeiro Papa do continente americano, recusou viver nos aposentos papais do Palácio Apostólico. Quis morar num apartamento com dois quartos na casa de hóspedes do Vaticano, a Casa de Santa Marta. O argumento foi o de que não queria ficar isolado, preferia manter o convívio com as pessoas. Esta decisão tornou-se uma enorme dor de cabeça para a sua equipa de segurança. "A Casa de Santa Marta fica à beira da estrada", explica Aura Miguel. "As janelas dão para uma das ruas principais, ali à volta do Vaticano." Além disso, a casa tem "permanentemente gente a entrar e a sair", mais uma dificuldade para garantir a segurança de Francisco. Nada que o incomode. "Ele convive com as pessoas no elevador, no restaurante põe-se na fila para o 'buffet' e mete conversa com elas, às vezes vê uma mesa com um lugar vazio e vai lá sentar-se." São vários os episódios conhecidos.
Habituado a viver de forma modesta, Francisco manteve esse estilo de vida quando foi eleito Papa. Usa sapatos comuns e não quis ter ao peito uma cruz de ouro.
Francisco usa os seus próprios sapatos pretos, não quis os tradicionais sapatos vermelhos calçados pelos seus antecessores. E o anel do Pescador que tem no dedo é de prata e não de ouro, como era hábito. Continua a usar ao peito uma cruz simples de metal, que já usava ainda antes de ser bispo, recusando uma cruz de ouro e pedras preciosas. Este jesuíta argentino, descendente de italianos, não gosta de ostentação e estava habituado a andar de transportes públicos ou a pé na Argentina. Enquanto arcebispo de Buenos Aires, vivia num apartamento modesto e era uma figura presente nas periferias da cidade, no meio dos pobres. No primeiro encontro com a comunicação social como Papa, deixou uma mensagem bem clara. "Gostaria de ter uma Igreja que fosse pobre e feita para os pobres."
O Arcebispo de Buenos Aires
Quem já o conhecia antes de ser Papa não ficou surpreendido com o estilo de Francisco. Ele foi sempre assim, garante o embaixador de Portugal no Vaticano. António Almeida Ribeiro foi o primeiro diplomata a entregar as credenciais a Francisco. "Cheguei três dias antes de este Papa ser eleito", recorda. Quando foi recebido pelo Sumo Pontífice, notou que ele estava desconfortável. "Percebi que ele não sabia muito bem o que havia de dizer. Era uma experiência nova para ele." António Almeida Ribeiro disse-lhe então que o tinha seguido de muito perto enquanto arcebispo de Buenos Aires, porque foi embaixador de Portugal na Argentina. Estava quebrado o gelo. A partir daí foi "uma conversa muito descontraída e informal".
Traçando um perfil do Papa, diz que se trata de alguém "com convicções muito claras, com grande frontalidade sempre que falava sobre os problemas do país". Jorge Bergoglio tomou várias posições públicas contra os políticos argentinos. "Teve grandes confrontos com os governos de Néstor Carlos Kirchner e mais tarde com os da mulher, Cristina Kirchner", diz o embaixador. Tomou posições fortes durante a grave crise económica que a Argentina atravessou em 2001 e foi um forte opositor à aprovação da lei que permitiu o casamento homossexual no país. "Não sejamos ingénuos: não se trata de uma simples luta política; é uma tentativa de destruição do plano de Deus", escreveu numa carta divulgada dias antes de a lei ser aprovada pelo Congresso. Bergoglio apontou o dedo às desigualdades sociais e à corrupção, que disse ser "um problema sistémico" na Argentina. E agora, no Vaticano, não se inibe de destapar os "podres" da Igreja.
Um abanão na Igreja
Quando substituiu Bento XVI, em Março de 2013, Francisco herdou alguns dossiês "quentes". Desde logo o Vatileaks, o escândalo à volta de documentos secretos a que jornalistas italianos tiveram acesso, que denunciavam uma rede de corrupção dentro da Santa Sé e más práticas de gestão financeira no Vaticano. Uma das primeiras decisões que Francisco tomou foi criar um conselho consultivo de oito cardeais para o ajudarem a governar a Igreja universal e a levar avante a reforma da cúria, iniciada pelo seu antecessor. Ficou conhecido como o G8 do Papa. Entre os cardeais escolhidos estão representantes da ala mais conservadora e progressistas. A área financeira foi uma das suas prioridades. "Ele criou uma Secretaria de Economia, no âmbito da reforma da cúria iniciada pelo seu antecessor, que é chefiada por um cardeal australiano [George Pell], que lhe responde directamente. Quer estar informado, sem intermediários", diz o embaixador António Almeida Ribeiro.
Também os escândalos de pedofilia que envolvem sacerdotes, e que durante anos foram abafados, e as denúncias da existência de um lóbi "gay" no Vaticano danificaram a imagem da Igreja. Mas Francisco não queria apenas "varrer o lixo". Era preciso mudar a forma de pensar e de agir da Igreja. "Ele acha que a Igreja está muito instalada", diz Aura Miguel. "Prefere que a Igreja bata com a cabeça e faça asneiras, mas que saia, não fique fechada e a cheirar a mofo." E recorre a expressões bíblicas para ilustrar o seu pensamento. Como a parábola da ovelha perdida, em que um pastor que tinha 100 ovelhas percebe, quando chega ao curral, que lhe falta uma e sai à procura dela. "Agora estamos ao contrário. Temos uma única ovelha no curral e 99 perdidas, e o pastor, em vez de as ir buscar, fica fechado no curral a fazer caracolinhos na ovelha que lhe resta. É isso que ele diz, assim, tal e qual", refere a jornalista. Por isso não tem dúvidas de que este Papa "está a despentear um bocado a Igreja". No fundo, defende, é com
o se "estivesse a dar um abanão para se perceber que há certas maneiras sociológicas de viver a Igreja que já acabaram". Um dos momentos em que isso aconteceu foi logo no seu primeiro mês como bispo de Roma. Na Quinta-feira Santa, em vez de celebrar uma missa numa basílica e levar os pés aos sacerdotes, como era hábito, decidiu celebrá-la numa prisão de jovens e lavar os pés a doze reclusos, entre eles mulheres e muçulmanos.
Mas o Papa é também um político. Um dos mais influentes do mundo, de acordo com a Forbes. A revista coloca-o em quinto lugar na lista das pessoas mais poderosas do planeta. A 8 de Julho de 2013, visitou a ilha de Lampedusa numa viagem-relâmpago de cerca de quatro horas. Rápida, mas simbólica. Francisco estava impressionado com a crise dos refugiados e as mortes no Mediterrâneo. E fez uma acusação contra a indiferença do mundo para o que estava a acontecer. Mais recentemente, durante a campanha para a Presidência dos Estados Unidos, disse: "Temos de derrubar os muros que dividem", numa clara alusão à campanha de Trump, que defendia a construção de um muro na fronteira dos EUA com o México. E frequentemente faz críticas ao liberalismo económico. "O sistema dominante, hoje em dia, descentrou a pessoa, colocando no centro o deus dinheiro, que é o ídolo da moda", disse em 2015, numa entrevista à Rádio Renascença.
Francisco, o construtor de pontes
Helena Vilaça, socióloga das religiões, destaca duas singularidades neste Papa. Por um lado, a "capacidade incrível de comunicação, capaz de gerar empatia e de construir pontes". Depois, uma característica que é cultural e que vem do facto de ser oriundo da América Latina. "Na Argentina, ele teve uma experiência de pluralismo religioso", destaca a investigadora, sublinhando que não se tratou de algo formal, mas sim de ter uma relação próxima com pessoas e líderes de outras religiões. Um dos seus amigos mais chegados é o pastor evangélico e professor universitário Norberto Saracco. Bergoglio esteve em reuniões com evangélicos onde pediu para orarem por ele". Isto, refere, é algo que o Velho Continente desconhece e não entende. "Na Europa tivemos monopólios religiosos, católicos e protestantes, associados ao Estado-nação."
Para o sociólogo das religiões Moisés Espírito Santo, Francisco conseguiu "adaptar a Igreja Católica à modernidade". E abriu um caminho que estava fechado, porque "os princípios do cristianismo são, sobretudo, a liberdade individual, a tolerância, a amizade, a fraternidade, etc. Nunca se vê o castigo nem a repressão. Ora, a Igreja Católica, durante quase dois mil anos, foi (fonte) de repressão e intolerância. Agora, o Papa retomou o caminho primitivo. É um voltar às origens", conclui.
Desde a eleição de Francisco o número de peregrinos em Roma aumentou exponencialmente. Mas a grande popularidade que tem não agrada a todos na cúria romana. No livro "Francisco: Vida e Revolução", de Elisabetta Piqué, a autora revela que uma minoria conservadora e ultratradicionalista o rotulou de "populista" e "demagogo". "Julgam que essa informalidade de Francisco, um Papa 'demasiado argentino', folclórico, muito 'Evita', muito 'paz e amor', dessacraliza a figura do Sumo Pontífice, até agora monarca absoluto, infalível e muito pouco acessível", escreve a jornalista. O embaixador de Portugal no Vaticano confirma que existem "resistências internas". "Isso sente-se, nem sempre de uma forma muito clara", admite. A pergunta é: será que a grande aceitação que Francisco conseguiu por esse mundo fora vai significar um aumento do número de fiéis na Igreja Católica? "Ele é altamente carismático e muita gente gosta dele, mas não gosta da Igreja", diz Aura Miguel. Para já, o "efeito Francisco" nas paróquias "ainda não se nota", refere a investigadora Helena Vilaça. Mas é certo que este Papa "gerou uma melhor imagem da Igreja Católica no espaço público", sublinha. A prova são os seguidores que tem nas redes sociais. Actualmente, são quase 3,5 milhões no Instagram e na conta "Pontifex", no Twitter, seguem-no mais de 10 milhões. Pouco depois de ser eleito Papa, Francisco confessou sentir falta de andar na rua. Na entrevista que deu a Aura Miguel para a Renascença, disse que gostava de poder andar na rua : "O que eu gostava era de sair à noite com amigos para comer uma piza." Mas sabia que ainda não tinha chegado o tempo. Será que é este sábado?