Notícia
A caminho d'O Século
A colónia de férias mais antiga do país faz 90 anos em Setembro. Pelas instalações da Colónia Balnear Infantil “O Século”, em São Pedro do Estoril, passaram milhares de crianças portuguesas oriundas de famílias carenciadas de todo o país.
Na Colónia Balnear Infantil "O Século", muitas crianças molharam os pés no mar pela primeira vez, sentiram o sabor da água salgada e a areia a escorrer pelos dedos das mãos. Os meninos e as meninas dos seis aos 12 anos chegavam aos campos de férias de comboio, entre Maio e Outubro, vindos de vários pontos do país. Em São Pedro do Estoril, passavam férias, longe das suas famílias, pobres, ou das instituições onde viviam, que não os podiam levar à praia. Ali faziam amigos, brincavam e enamoravam-se. No final, levavam para casa memórias que guardavam para a vida.
De fábrica de conservas a fábrica de gargalhadas
As primeiras instalações da colónia de férias foram adaptadas da antiga fábrica conserveira Carlos Correia. A colónia do jornal O Século nasceu a 10 de Setembro de 1927. João Pereira da Rosa, director da publicação, foi quem sonhou e concretizou o projecto. Nesse dia de Setembro, chegaram a São Pedro do Estoril 250 crianças. De acordo com a família do fundador, o jornalista lamentava não ter tido uma boa infância e queria dar às crianças mais pobres a possibilidade de terem umas férias onde se divertissem e comessem bem. A colónia era financiada pelo jornal e pelos donativos dos leitores.
Era conhecida a proximidade da instituição ao Regime. O presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, e o Presidente da República, Américo Tomaz, visitaram várias vezes as instalações, assim como o cardeal Cerejeira e outras figuras públicas da altura, que também apoiavam o projecto social. Entre as personalidades, estavam os actores Vasco Santana e Beatriz Costa. Em 1933, o conde de Monte Real ofereceu 250 contos para financiar a compra de terrenos e os trabalhos de remodelação do edifício. Paralelamente, eram organizados diversos eventos, como corridas de toiros, jogos de futebol e galas de beneficência, cujas receitas revertiam para a instituição. O sucesso da colónia de férias de O Século foi tal que todos os anos chegavam mais de 10 mil inscrições de todo o país, mas só três mil crianças eram escolhidas.
"O primeiro dia era inesquecível para todos", recorda Teresa Silva, de 68 anos. Os seus pais eram os caseiros da colónia. Foi lá que ela foi concebida e que viveu até aos 27 anos. Assim que teve idade para poder participar nas actividades, "misturou-se" com as crianças que vinham passar férias. Brincava com elas, participava em tudo e também comia no refeitório. "Havia um comboio especial só para trazer as crianças do Cais do Sodré até à estação de São Pedro do Estoril", conta a contabilista. Havia cerca de sete turnos por ano. Eram crianças de famílias pobres, que vinham sobretudo do interior do país, mas também de cidades maiores no Alentejo, como Beja e Évora, e de Lisboa. Os turnos normais tinham entre 300 e 400 crianças, mas chegaram a ter muitas mais. Houve alturas em que estiveram na colónia mais de mil crianças ao mesmo tempo.
"Quando chegavam, havia sempre a inspecção de higiene, para ver se tinham piolhos. E havia uma máquina de radioscopia para avaliar como estavam os pulmões", explica. Depois do exame médico, vestiam as roupas da colónia. As que traziam de casa eram guardadas num cacifo e devolvidas no final das férias. "Quando eu era mais pequena, as crianças só usavam um bibe aos quadradinhos azuis ou vermelhos [consoante fosse um menino ou uma menina] e um chapéu de palha com a aba muito grande." Mais tarde, a "farda" passou a ser feita de calções e "t-shirt".
As vigilantes eram todas mulheres, tanto nas camaratas das meninas como dos meninos. Eram elas que organizavam os grupos por idades, para serem mais uniformes e facilitar o convívio, diz a ex-residente na colónia. À hora das refeições, faziam a formatura para entrar na cantina. Mas não era um regime militar, sublinha, "não havia repressão, havia regras". O médico-cirurgião Fernando de Pádua, que também completa 90 anos em 2017, confirma. Ele e os irmãos foram dois anos seguidos para a colónia de férias de O Século quando eram crianças. Foi há 80 anos. "Era um ambiente encantador", diz. A única má recordação que guarda é do feijão-frade, que ainda hoje detesta e que tinha de comer muitas vezes "com carapaus", conta o professor, fundador do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva.
"Lá, éramos todos amigos, mas não nos conhecíamos" de facto, refere. "Não me lembro de pancadaria na colónia" entre os miúdos. Uma das imagens que retém na memória é de quando, à noite, estava deitado na camarata, e via as luzes dos carros que passavam na marginal. Naquele tempo, início dos anos 1940, o mundo estava em guerra e o médico recorda que sentiu medo de "que aparecessem navios alemães no Tejo".
Foi lá, em São Pedro do Estoril, que o médico-cirurgião mergulhou no mar pela primeira vez, com a ajuda do banheiro. Punham-se todas em fila e ia uma criança de cada vez. As mais afoitas eram as primeiras. Mas nem todas gostavam da experiência. "O banheiro pegava na criança, tapava-lhe o nariz e a boca com a mão e dava-lhe um mergulho", conta Teresa Silva. "Muitas ficavam aflitas." Alguns meninos nem gostavam de sentir a areia nos pés, quanto mais a água fria. Na colónia, houve também amores de Verão. Fernando de Pádua apaixonou-se por uma menina chamada Margarida, "a quem dei muitos beijos", diz a rir.
Mais uma voltinha no carrossel
Em pouco tempo, a fonte de financiamento começou a não chegar para acompanhar a crescente procura da colónia. Era preciso encontrar novas receitas permanentes. Foi nessa altura que João Pereira da Rosa moveu a sua rede de contactos e reuniu esforços para criar uma feira internacional de amostras, que viria a ser a Feira Popular de Lisboa. Esse parque de diversões na capital, cujo terreno foi cedido pela Câmara, tornar-se-ia na principal fonte de financiamento da colónia durante mais de 60 anos. A Feira Popular abriu as portas a 10 de Junho em 1943, no Parque José Maria Eugénio, em Palhavã. Nesse ano, já tinham passado pela colónia de férias mais de 31 mil crianças portuguesas carenciadas.
Mais tarde, em 24 de Junho de 1961, a Feira Popular passou para Entrecampos. Algumas crianças que participavam nas colónias de férias também tinham direito a visitar o parque de diversões. Eram escolhidas as mais bem comportadas, recorda Teresa Silva. A Feira Popular de Lisboa ficou ainda na história por ter sido o local onde decorreram as primeiras emissões da RTP.
A casa refúgio
Durante a II Guerra Mundial, as instalações da Colónia Balnear Infantil "O Século" serviram de abrigo a centenas de refugiados estrangeiros. Nessa altura, nos anos 1940, o rei Humberto II de Itália, que vivia exilado em Cascais, visitou as crianças refugiadas. A casa de São Pedro do Estoril serviria de abrigo ao longo das décadas a quem fugia da guerra. Aquando da invasão de Goa pelas tropas indianas (1961), durante a descolonização (1975), depois do massacre de Santa Cruz, em Timor-Leste (1991), na guerra dos Balcãs (1999) e, mais recentemente, algumas famílias sírias também ali estiveram.
A colónia não ficaria imune aos movimentos políticos e económicos do país. Nos anos 1970, a banca investiu fortemente na imprensa. O jornal O Século foi adquirido em 1972 pelo empresário Jorge de Brito, dono do Banco Intercontinental Português, por 344 mil contos. O objectivo era dispor de uma arma de influência política num momento crucial, a chamada "Primavera Marcelista". Mas, poucos anos depois, o turbilhão de acontecimentos pós-25 de Abril de 1974 pôs em causa a continuidade do projecto dos campos de férias. O jornal, que naquela altura tinha mais de 800 trabalhadores, viu-se envolvido nas acesas guerras políticas do Processo Revolucionário Em Curso (PREC) e, após ter sido nacionalizado em 1975 (tal como outros jornais, na sequência da nacionalização da banca), acabou por ser extinto. A última edição do jornal, em Fevereiro de 1977, tinha como manchete a frase: "Não Dizemos Adeus." Mas foi mesmo o fim.
As instalações da colónia de férias, em São Pedro do Estoril, foram usadas para acolher os chamados retornados das ex-colónias, nomeadamente timorenses. Essa situação colocou em causa a continuidade dos campos de férias, que durante alguns anos não se realizaram.
A Fundação
Já em 1998 nasce a Fundação "O Século", com a missão de continuar e desenvolver a obra social da antiga Colónia Balnear Infantil. Trata-se de uma fundação de solidariedade social, com estatuto de utilidade pública. O encerramento da Feira Popular, a 30 de Setembro de 2003, por parte da Câmara Municipal de Lisboa, seria um duro golpe nas contas da instituição. O processo foi longo e passou por vários presidentes da autarquia. Foi criada uma comissão arbitral para definir de que forma a Fundação seria indemnizada. A conclusão foi que "enquanto não se constituísse uma nova feira, a Câmara pagaria os proveitos devidos", diz o presidente da Fundação "O Século", Emanuel Martins. Feitas as contas, a autarquia teria de transferir para a instituição 2,6 milhões de euros por ano, afirma. A quantia foi paga até 2010. No ano seguinte, o dinheiro não caiu na conta da instituição. De acordo com Emanuel Martins, a Câmara alegou não ter capacidade financeira para suportar os encargos.
Em 2011, apenas cerca de 200 crianças usufruíram da colónia e, no ano seguinte, já não se realizaram os tradicionais campos de férias. "A Câmara Municipal de Lisboa não deixou de pagar as colónias de férias, deixou de pagar toda uma obra social", sublinha o presidente da Fundação. Ao longo dos anos, a actividade da Fundação "O Século" foi muito para lá das colónias de férias. Foram criadas valências de apoio social a crianças e idosos que abrangem todos os dias mais de 600 pessoas.
Nessa altura, em 2012, a autarquia comprometeu-se a pagar um milhão de euros e, em contrapartida dos 5,2 milhões de euros em dívida, referentes aos anos de 2011 e 2012, concedia à Fundação a exploração de uma bomba de gasolina por 20 anos, que se traduz num rendimento de 400 mil euros por ano. Mas o protocolo anteriormente assinado era rasgado. A Fundação, que na altura "estava com a corda no pescoço", aceitou, diz Emanuel Martins. O dinheiro foi aplicado em projectos de empreendedorismo social, para encontrar novas formas da Fundação se auto-sustentar. Uma ala das antigas colónias de férias foi remodelada para receber turistas. Investiu-se na cozinha para vender refeições para fora. Desde 2015, existe uma loja aberta ao público que vende comida em regime "take-away" e também há uma lavandaria e engomadoria que trabalha com restaurantes e hotéis. Actualmente, a Fundação tem um orçamento anual de cerca de 3 milhões de euros. "Nestes cinco anos, não conseguimos encontrar o 'break-even'", admite o presidente.
Em 2013, o empresário Paulo Paiva dos Santos, fundador das farmacêuticas Generis e Wynn, fez um donativo pessoal de 100 mil euros, depois de ter tido conhecimento das dificuldades financeiras da instituição. Nesse ano, foram recebidas 460 crianças provenientes de todo o país. Desde então, não houve mais interrupções nas actividades da colónia de férias. Este ano, quando se completam os 90 anos da instituição, abriram 600 vagas. Os participantes são crianças desfavorecidas encaminhadas por IPSS, juntas de freguesia e câmaras municipais. Agora já não se vêem bibes aos quadradinhos, nem chapéus de palha, mas as brincadeiras e os mergulhos no mar continuam.
Imagens cedidas pela Fundação "O Século".
De fábrica de conservas a fábrica de gargalhadas
As primeiras instalações da colónia de férias foram adaptadas da antiga fábrica conserveira Carlos Correia. A colónia do jornal O Século nasceu a 10 de Setembro de 1927. João Pereira da Rosa, director da publicação, foi quem sonhou e concretizou o projecto. Nesse dia de Setembro, chegaram a São Pedro do Estoril 250 crianças. De acordo com a família do fundador, o jornalista lamentava não ter tido uma boa infância e queria dar às crianças mais pobres a possibilidade de terem umas férias onde se divertissem e comessem bem. A colónia era financiada pelo jornal e pelos donativos dos leitores.
Era conhecida a proximidade da instituição ao Regime. O presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, e o Presidente da República, Américo Tomaz, visitaram várias vezes as instalações, assim como o cardeal Cerejeira e outras figuras públicas da altura, que também apoiavam o projecto social. Entre as personalidades, estavam os actores Vasco Santana e Beatriz Costa. Em 1933, o conde de Monte Real ofereceu 250 contos para financiar a compra de terrenos e os trabalhos de remodelação do edifício. Paralelamente, eram organizados diversos eventos, como corridas de toiros, jogos de futebol e galas de beneficência, cujas receitas revertiam para a instituição. O sucesso da colónia de férias de O Século foi tal que todos os anos chegavam mais de 10 mil inscrições de todo o país, mas só três mil crianças eram escolhidas.
"O primeiro dia era inesquecível para todos", recorda Teresa Silva, de 68 anos. Os seus pais eram os caseiros da colónia. Foi lá que ela foi concebida e que viveu até aos 27 anos. Assim que teve idade para poder participar nas actividades, "misturou-se" com as crianças que vinham passar férias. Brincava com elas, participava em tudo e também comia no refeitório. "Havia um comboio especial só para trazer as crianças do Cais do Sodré até à estação de São Pedro do Estoril", conta a contabilista. Havia cerca de sete turnos por ano. Eram crianças de famílias pobres, que vinham sobretudo do interior do país, mas também de cidades maiores no Alentejo, como Beja e Évora, e de Lisboa. Os turnos normais tinham entre 300 e 400 crianças, mas chegaram a ter muitas mais. Houve alturas em que estiveram na colónia mais de mil crianças ao mesmo tempo.
"Quando chegavam, havia sempre a inspecção de higiene, para ver se tinham piolhos. E havia uma máquina de radioscopia para avaliar como estavam os pulmões", explica. Depois do exame médico, vestiam as roupas da colónia. As que traziam de casa eram guardadas num cacifo e devolvidas no final das férias. "Quando eu era mais pequena, as crianças só usavam um bibe aos quadradinhos azuis ou vermelhos [consoante fosse um menino ou uma menina] e um chapéu de palha com a aba muito grande." Mais tarde, a "farda" passou a ser feita de calções e "t-shirt".
Havia um comboio especial para trazer as crianças do Cais do Sodré até à estação de São Pedro do Estoril. Quando chegavam à colónia, passavam pela inspecção de higiene e pelo exame médico.
As vigilantes eram todas mulheres, tanto nas camaratas das meninas como dos meninos. Eram elas que organizavam os grupos por idades, para serem mais uniformes e facilitar o convívio, diz a ex-residente na colónia. À hora das refeições, faziam a formatura para entrar na cantina. Mas não era um regime militar, sublinha, "não havia repressão, havia regras". O médico-cirurgião Fernando de Pádua, que também completa 90 anos em 2017, confirma. Ele e os irmãos foram dois anos seguidos para a colónia de férias de O Século quando eram crianças. Foi há 80 anos. "Era um ambiente encantador", diz. A única má recordação que guarda é do feijão-frade, que ainda hoje detesta e que tinha de comer muitas vezes "com carapaus", conta o professor, fundador do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva.
"Lá, éramos todos amigos, mas não nos conhecíamos" de facto, refere. "Não me lembro de pancadaria na colónia" entre os miúdos. Uma das imagens que retém na memória é de quando, à noite, estava deitado na camarata, e via as luzes dos carros que passavam na marginal. Naquele tempo, início dos anos 1940, o mundo estava em guerra e o médico recorda que sentiu medo de "que aparecessem navios alemães no Tejo".
Foi lá, em São Pedro do Estoril, que o médico-cirurgião mergulhou no mar pela primeira vez, com a ajuda do banheiro. Punham-se todas em fila e ia uma criança de cada vez. As mais afoitas eram as primeiras. Mas nem todas gostavam da experiência. "O banheiro pegava na criança, tapava-lhe o nariz e a boca com a mão e dava-lhe um mergulho", conta Teresa Silva. "Muitas ficavam aflitas." Alguns meninos nem gostavam de sentir a areia nos pés, quanto mais a água fria. Na colónia, houve também amores de Verão. Fernando de Pádua apaixonou-se por uma menina chamada Margarida, "a quem dei muitos beijos", diz a rir.
Mais uma voltinha no carrossel
Em pouco tempo, a fonte de financiamento começou a não chegar para acompanhar a crescente procura da colónia. Era preciso encontrar novas receitas permanentes. Foi nessa altura que João Pereira da Rosa moveu a sua rede de contactos e reuniu esforços para criar uma feira internacional de amostras, que viria a ser a Feira Popular de Lisboa. Esse parque de diversões na capital, cujo terreno foi cedido pela Câmara, tornar-se-ia na principal fonte de financiamento da colónia durante mais de 60 anos. A Feira Popular abriu as portas a 10 de Junho em 1943, no Parque José Maria Eugénio, em Palhavã. Nesse ano, já tinham passado pela colónia de férias mais de 31 mil crianças portuguesas carenciadas.
Mais tarde, em 24 de Junho de 1961, a Feira Popular passou para Entrecampos. Algumas crianças que participavam nas colónias de férias também tinham direito a visitar o parque de diversões. Eram escolhidas as mais bem comportadas, recorda Teresa Silva. A Feira Popular de Lisboa ficou ainda na história por ter sido o local onde decorreram as primeiras emissões da RTP.
A casa refúgio
Durante a II Guerra Mundial, as instalações da Colónia Balnear Infantil "O Século" serviram de abrigo a centenas de refugiados estrangeiros. Nessa altura, nos anos 1940, o rei Humberto II de Itália, que vivia exilado em Cascais, visitou as crianças refugiadas. A casa de São Pedro do Estoril serviria de abrigo ao longo das décadas a quem fugia da guerra. Aquando da invasão de Goa pelas tropas indianas (1961), durante a descolonização (1975), depois do massacre de Santa Cruz, em Timor-Leste (1991), na guerra dos Balcãs (1999) e, mais recentemente, algumas famílias sírias também ali estiveram.
A colónia não ficaria imune aos movimentos políticos e económicos do país. Nos anos 1970, a banca investiu fortemente na imprensa. O jornal O Século foi adquirido em 1972 pelo empresário Jorge de Brito, dono do Banco Intercontinental Português, por 344 mil contos. O objectivo era dispor de uma arma de influência política num momento crucial, a chamada "Primavera Marcelista". Mas, poucos anos depois, o turbilhão de acontecimentos pós-25 de Abril de 1974 pôs em causa a continuidade do projecto dos campos de férias. O jornal, que naquela altura tinha mais de 800 trabalhadores, viu-se envolvido nas acesas guerras políticas do Processo Revolucionário Em Curso (PREC) e, após ter sido nacionalizado em 1975 (tal como outros jornais, na sequência da nacionalização da banca), acabou por ser extinto. A última edição do jornal, em Fevereiro de 1977, tinha como manchete a frase: "Não Dizemos Adeus." Mas foi mesmo o fim.
As instalações da colónia de férias, em São Pedro do Estoril, foram usadas para acolher os chamados retornados das ex-colónias, nomeadamente timorenses. Essa situação colocou em causa a continuidade dos campos de férias, que durante alguns anos não se realizaram.
A Fundação
Já em 1998 nasce a Fundação "O Século", com a missão de continuar e desenvolver a obra social da antiga Colónia Balnear Infantil. Trata-se de uma fundação de solidariedade social, com estatuto de utilidade pública. O encerramento da Feira Popular, a 30 de Setembro de 2003, por parte da Câmara Municipal de Lisboa, seria um duro golpe nas contas da instituição. O processo foi longo e passou por vários presidentes da autarquia. Foi criada uma comissão arbitral para definir de que forma a Fundação seria indemnizada. A conclusão foi que "enquanto não se constituísse uma nova feira, a Câmara pagaria os proveitos devidos", diz o presidente da Fundação "O Século", Emanuel Martins. Feitas as contas, a autarquia teria de transferir para a instituição 2,6 milhões de euros por ano, afirma. A quantia foi paga até 2010. No ano seguinte, o dinheiro não caiu na conta da instituição. De acordo com Emanuel Martins, a Câmara alegou não ter capacidade financeira para suportar os encargos.
Em 2011, apenas cerca de 200 crianças usufruíram da colónia e, no ano seguinte, já não se realizaram os tradicionais campos de férias. "A Câmara Municipal de Lisboa não deixou de pagar as colónias de férias, deixou de pagar toda uma obra social", sublinha o presidente da Fundação. Ao longo dos anos, a actividade da Fundação "O Século" foi muito para lá das colónias de férias. Foram criadas valências de apoio social a crianças e idosos que abrangem todos os dias mais de 600 pessoas.
O médico-cirurgião Fernando de Pádua apaixonou-se na colónia por uma menina chamada Margarida. A única recordação negativa que guarda é do feijão-frade, que ainda hoje detesta.
Nessa altura, em 2012, a autarquia comprometeu-se a pagar um milhão de euros e, em contrapartida dos 5,2 milhões de euros em dívida, referentes aos anos de 2011 e 2012, concedia à Fundação a exploração de uma bomba de gasolina por 20 anos, que se traduz num rendimento de 400 mil euros por ano. Mas o protocolo anteriormente assinado era rasgado. A Fundação, que na altura "estava com a corda no pescoço", aceitou, diz Emanuel Martins. O dinheiro foi aplicado em projectos de empreendedorismo social, para encontrar novas formas da Fundação se auto-sustentar. Uma ala das antigas colónias de férias foi remodelada para receber turistas. Investiu-se na cozinha para vender refeições para fora. Desde 2015, existe uma loja aberta ao público que vende comida em regime "take-away" e também há uma lavandaria e engomadoria que trabalha com restaurantes e hotéis. Actualmente, a Fundação tem um orçamento anual de cerca de 3 milhões de euros. "Nestes cinco anos, não conseguimos encontrar o 'break-even'", admite o presidente.
Em 2013, o empresário Paulo Paiva dos Santos, fundador das farmacêuticas Generis e Wynn, fez um donativo pessoal de 100 mil euros, depois de ter tido conhecimento das dificuldades financeiras da instituição. Nesse ano, foram recebidas 460 crianças provenientes de todo o país. Desde então, não houve mais interrupções nas actividades da colónia de férias. Este ano, quando se completam os 90 anos da instituição, abriram 600 vagas. Os participantes são crianças desfavorecidas encaminhadas por IPSS, juntas de freguesia e câmaras municipais. Agora já não se vêem bibes aos quadradinhos, nem chapéus de palha, mas as brincadeiras e os mergulhos no mar continuam.
Imagens cedidas pela Fundação "O Século".