Notícia
Nuno Mendes, um português na alta cozinha internacional
É um dos nomes de que se fala no mundo da alta cozinha. Nuno Mendes é chef executivo do hotel de luxo londrino Chiltern Firehouse e dono do restaurante Taberna do Mercado, em East End. Foi um dos oradores do FT Business of Luxury Summit, em Lisboa. Para ele "essa coisa do 'chique' já não faz sentido."
"Se ela soubesse que estou a falar nela", exclama Nuno Mendes a rir. "Ela" é uma ex-namorada que, quando estudava na universidade, em Miami, lhe ofereceu um livro de culinária, como prenda de aniversário. Foi esse livro que fez despertar uma paixão antiga que tinha pela comida. "Adorava cozinha, mas nunca achei que seria possível seguir esse rumo." Afinal de contas, naquela altura, "não era uma realidade seguir uma educação moderna nesta área, em que não é só aprender a cozinhar, é saber acerca de gestão, nutrição, cozinha do mundo, das várias áreas da cozinha", explica.
Nuno Mendes foi para os Estados Unidos com 19 anos estudar Biologia Marinha. Queria ser o próximo Jacques Cousteau. Quando recebeu o presente da namorada estava a terminar os dois anos gerais e em breve começaria as cadeiras específicas do curso. "Na realidade estava um pouco perdido. Achei que Biologia Marinha era uma coisa interessante, mas não sentia no coração 'é isto que eu quero fazer'", confessa. Aquele livro de culinária era de uma escola em São Francisco, onde se inscreveria mais tarde, a Califórnia Culinary Academy.
Mas antes teve de convencer o pai. "Ele achou que era mais uma das minhas pancadas" recorda, de novo a rir. "Sabia que eu gostava de cozinhar mas não valorizou". Fizeram um acordo. Nuno voltava para Portugal e durante seis meses a um ano ficava a trabalhar na quinta da família em Mora, no Alentejo. Depois podia ir para São Francisco estudar culinária com a bênção do pai. Assim foi. Foi agricultor durante nove meses e fez as malas. Continuava convicto do caminho que queria seguir.
Antes de se dedicar aos tachos Nuno Mendes teve uma vida repleta de experiências. Na adolescência teve uma banda pop-rock, onde "gritava". Aos 19 anos foi para Miami estudar Biologia Marinha. Entretanto voltou para trabalhar nove meses na quinta do pai, no Alentejo. O livro de culinária que recebeu como presente de uma namorada, nos EUA, fez reavivar uma paixão antiga e mudou o rumo da sua vida.
Quando chegou a São Francisco as coisas não foram fáceis. "Fui morar numa área má da cidade. Uma das pessoas com quem eu vivia fumava crack. Era uma zona onde havia muitos traficantes. Eu tinha muito pouco dinheiro na altura e roubaram-me." Desesperado ligou ao pai a pedir ajuda. "Ele disse: se quiseres mete-te num avião, eu pago-te e vens para cá e está tudo bem. Começas de novo. E eu disse-lhe que não". Estava determinado a ficar e "desenrascou-se". "Já nem me lembro o que fiz mas não foi nada de mal. Nada ilegal" conta, puxando outra vez o sorriso. Foi nessa altura que o pai percebeu que o curso de cozinha era uma coisa séria. Acabou por ficar a viver nos Estados Unidos. Mas, 16 anos depois, percebeu que estava a perder o seu "lado português". Decidiu rumar à Europa. Após passar por restaurantes de cozinheiros famosos, galardoados com estrelas Michelin, como Jean-Georges Vongerichten ou Ferran Adrià, do El Bulli, estabeleceu-se em Londres, onde vive desde 2008.
Nuno Mendes está hoje na elite da alta cozinha. É o chef executivo do hotel de cinco estrelas Chiltern Firehouse, frequentado por celebridades, e é também dono da Taberna do Mercado, um restaurante onde as estrelas são os produtos portugueses, em East End, uma zona da cidade que é "uma espécie de Bairro Alto", diz. O chef foi um dos oradores do FT Business of Luxury Summit, que decorreu esta semana em Lisboa. Falou sobre as novas tendências no negócio da comida e da gastronomia portuguesa.
O consumidor como crítico gastronómico
O conceito de restaurante de luxo já não está associado a um lugar onde os empregados estão imaculadamente vestidos e de luvas brancas. Isso está completamente ultrapassado. Agora, o consumidor procura uma experiência quando se senta à mesa. Foi esta a mensagem que o chef Nuno Mendes deixou na sua intervenção na conferência do Financial Times, que juntou em Lisboa a "crème de la crème" da indústria dos bens de luxo a nível mundial.
À margem do evento, o cozinheiro português explicou ao Negócios que os restaurantes mudaram porque os consumidores mudaram. Agora as pessoas "querem ser surpreendidas e querem aprender", explica. Na era da conectividade, o cliente procura "ter contacto com o cozinheiro, perceber a história do produto, estar num ambiente que seja divertido e descontraído", ou seja, "o oposto daquilo a que estávamos habituados". E quem se senta nestes restaurantes já vem "muito bem informado", em parte por causa das redes sociais. "Isso é muito bom. Puxa por nós."
Os chamados "millennials", pessoas que nasceram nas décadas de 1980 e 1990, colocaram um novo desafio ao mercado. "Nós somos a última geração que tem uma noção do que é o retalho, que saímos para comprar alguma coisa. As novas gerações compram pela internet. É preciso construir uma relação pessoal com os consumidores", alerta.
Neste contexto digital, os tradicionais críticos gastronómicos perderam importância, defende, e "têm que se justificar mais porque a sua mensagem já não é tão bem recebida como era". Nuno Mendes sabe do que fala. Foi arrasado pelo crítico gastronómico do jornal The Times, Giles Coren, que depois de ter feito uma refeição no seu restaurante Taberna do Mercado considerou a comida portuguesa a pior do mundo. Pelos vistos a crítica não prejudicou o restaurante e muito menos a reputação do cozinheiro português. Numa entrevista à revista Sábado, chegou a dizer que "por o artigo ser tão agressivo e mal fundamentado acaba por ser uma coisa divertida. Uma pessoa inteligente como ele saberia que isso ia criar polémica. Acho que fez isso para se valorizar a ele próprio numa altura em que os críticos estão cada vez mas a desaparecer."
Para esta nova realidade na alta cozinha, em que se privilegia a experiência gastronómica e o contacto directo com o cliente, foi fundamental o chef Ferran Adrià, do famosos restaurante "el Bulli", em Girona (Espanha), considera Nuno Mendes. Ele criou "um conceito puramente focado na criatividade, em criar uma emoção, uma experiência. Isso deixou uma escola enorme. E muitos de nós passámos por ela". Por isso, esta nova geração de chefs, que está agora à frente de grandes restaurantes, percebe bem a importância de dialogar. E isso, começa logo dentro da cozinha.
Apesar do meio ser competitivo os cozinheiros "estão muito mais aliados e comunicam uns com os outros". É uma espécie de clã, que "se compreende muito bem".
"Em todos os meus projectos criei uma plataforma para o diálogo, para a conversa, para a discussão. Tenho que ouvir [as pessoas que o rodeiam] senão não evoluo, tenho de continuar a aprender, não sei tudo". Para o cozinheiro este diálogo é uma mais-valia porque "traz pontos de vista diferentes" e isso é "enriquecedor". Isto vai muito para além da cozinha. "É um novo formato de negócio. É para aí que as coisas estão a ir." O mediático chef Gordon Ramsey, seu amigo, descreveu-o como um chef controlador. Mas Nuno Mendes garante que essa descrição não lhe encaixa. "Sou a pessoa mais liberal na cozinha. Todas as pessoas estão envolvidas e dão ideias", disse na palestra. Nuno refere que a própria comunidade de chefs mudou a sua relação nos últimos anos. As rivalidades foram postas de parte. Situações como Gordon Ramsey roubar o livro de reservas de Marco Pierre White, "isso acabou", garante. "Os cozinheiros estão muito mais aliados e comunicam muito uns com os outros". Apesar do meio ser muito competitivo, "há cada vez mais chefs de cozinha que são muito amigos uns dos outros." É uma espécie de clã, que "se compreende muito bem", sublinha.
Até porque apesar de estarem debaixo das luzes da ribalta e serem considerados "estrelas", há uma componente do trabalho que é "bastante violenta e cansativa", revela. "Há uma parte artística no que nós fazemos mas o trabalho na cozinha é físico. É muito tempo. Não é glamoroso." Nuno Mendes diz que só agora pode participar em palestras e conferências ou encontros de cozinheiros. Nem sempre foi assim. "Passei muitos anos na cozinha, quase que não tinha vida social". Daí a importância de criar laços entre a comunidade de cozinheiros. "Compreendemos uns dos outros o que muitas pessoas não compreendem."
Levar Portugal para Londres
Nuno Mendes vem com frequência a Lisboa, onde nasceu e cresceu. Recentemente esteve envolvido no manifesto da Nova Cozinha Portuguesa, que juntou um grupo de chefs, integrado no festival gastronómico Sangue na Guelra, que este ano tinha como tema "Cozinha Portuguesa. E agora?"
"Quis fazer parte porque achei que foi um momento crítico na nossa história gastronómica moderna. Para o chef a gastronomia portuguesa tem vários trunfos. "Nós temos um produto incrível, temos uma história para contar, temos agora uma visibilidade que não tínhamos há muito tempo. Se nos unirmos e trabalharmos juntos numa certa direcção, acho que podemos chegar bastante longe".
No seu restaurante a Taberna do Mercado, em Londres, só utiliza produtos nacionais. O negócio tem corrido bem. "Não me posso queixar", diz. Em 2015 o The Guardian convidou-o a escrever uma coluna mensal onde divulgou receitas portuguesas. Não esconde que tenta ser um embaixador de Portugal divulgando a gastronomia nacional. "Tento ajudar no que posso", conclui a sorrir. Tal como começou a conversa.
Nuno Mendes foi para os Estados Unidos com 19 anos estudar Biologia Marinha. Queria ser o próximo Jacques Cousteau. Quando recebeu o presente da namorada estava a terminar os dois anos gerais e em breve começaria as cadeiras específicas do curso. "Na realidade estava um pouco perdido. Achei que Biologia Marinha era uma coisa interessante, mas não sentia no coração 'é isto que eu quero fazer'", confessa. Aquele livro de culinária era de uma escola em São Francisco, onde se inscreveria mais tarde, a Califórnia Culinary Academy.
Antes de se dedicar aos tachos Nuno Mendes teve uma vida repleta de experiências. Na adolescência teve uma banda pop-rock, onde "gritava". Aos 19 anos foi para Miami estudar Biologia Marinha. Entretanto voltou para trabalhar nove meses na quinta do pai, no Alentejo. O livro de culinária que recebeu como presente de uma namorada, nos EUA, fez reavivar uma paixão antiga e mudou o rumo da sua vida.
Quando chegou a São Francisco as coisas não foram fáceis. "Fui morar numa área má da cidade. Uma das pessoas com quem eu vivia fumava crack. Era uma zona onde havia muitos traficantes. Eu tinha muito pouco dinheiro na altura e roubaram-me." Desesperado ligou ao pai a pedir ajuda. "Ele disse: se quiseres mete-te num avião, eu pago-te e vens para cá e está tudo bem. Começas de novo. E eu disse-lhe que não". Estava determinado a ficar e "desenrascou-se". "Já nem me lembro o que fiz mas não foi nada de mal. Nada ilegal" conta, puxando outra vez o sorriso. Foi nessa altura que o pai percebeu que o curso de cozinha era uma coisa séria. Acabou por ficar a viver nos Estados Unidos. Mas, 16 anos depois, percebeu que estava a perder o seu "lado português". Decidiu rumar à Europa. Após passar por restaurantes de cozinheiros famosos, galardoados com estrelas Michelin, como Jean-Georges Vongerichten ou Ferran Adrià, do El Bulli, estabeleceu-se em Londres, onde vive desde 2008.
Nuno Mendes está hoje na elite da alta cozinha. É o chef executivo do hotel de cinco estrelas Chiltern Firehouse, frequentado por celebridades, e é também dono da Taberna do Mercado, um restaurante onde as estrelas são os produtos portugueses, em East End, uma zona da cidade que é "uma espécie de Bairro Alto", diz. O chef foi um dos oradores do FT Business of Luxury Summit, que decorreu esta semana em Lisboa. Falou sobre as novas tendências no negócio da comida e da gastronomia portuguesa.
O consumidor como crítico gastronómico
O conceito de restaurante de luxo já não está associado a um lugar onde os empregados estão imaculadamente vestidos e de luvas brancas. Isso está completamente ultrapassado. Agora, o consumidor procura uma experiência quando se senta à mesa. Foi esta a mensagem que o chef Nuno Mendes deixou na sua intervenção na conferência do Financial Times, que juntou em Lisboa a "crème de la crème" da indústria dos bens de luxo a nível mundial.
À margem do evento, o cozinheiro português explicou ao Negócios que os restaurantes mudaram porque os consumidores mudaram. Agora as pessoas "querem ser surpreendidas e querem aprender", explica. Na era da conectividade, o cliente procura "ter contacto com o cozinheiro, perceber a história do produto, estar num ambiente que seja divertido e descontraído", ou seja, "o oposto daquilo a que estávamos habituados". E quem se senta nestes restaurantes já vem "muito bem informado", em parte por causa das redes sociais. "Isso é muito bom. Puxa por nós."
Os chamados "millennials", pessoas que nasceram nas décadas de 1980 e 1990, colocaram um novo desafio ao mercado. "Nós somos a última geração que tem uma noção do que é o retalho, que saímos para comprar alguma coisa. As novas gerações compram pela internet. É preciso construir uma relação pessoal com os consumidores", alerta.
Neste contexto digital, os tradicionais críticos gastronómicos perderam importância, defende, e "têm que se justificar mais porque a sua mensagem já não é tão bem recebida como era". Nuno Mendes sabe do que fala. Foi arrasado pelo crítico gastronómico do jornal The Times, Giles Coren, que depois de ter feito uma refeição no seu restaurante Taberna do Mercado considerou a comida portuguesa a pior do mundo. Pelos vistos a crítica não prejudicou o restaurante e muito menos a reputação do cozinheiro português. Numa entrevista à revista Sábado, chegou a dizer que "por o artigo ser tão agressivo e mal fundamentado acaba por ser uma coisa divertida. Uma pessoa inteligente como ele saberia que isso ia criar polémica. Acho que fez isso para se valorizar a ele próprio numa altura em que os críticos estão cada vez mas a desaparecer."
Para esta nova realidade na alta cozinha, em que se privilegia a experiência gastronómica e o contacto directo com o cliente, foi fundamental o chef Ferran Adrià, do famosos restaurante "el Bulli", em Girona (Espanha), considera Nuno Mendes. Ele criou "um conceito puramente focado na criatividade, em criar uma emoção, uma experiência. Isso deixou uma escola enorme. E muitos de nós passámos por ela". Por isso, esta nova geração de chefs, que está agora à frente de grandes restaurantes, percebe bem a importância de dialogar. E isso, começa logo dentro da cozinha.
Apesar do meio ser competitivo os cozinheiros "estão muito mais aliados e comunicam uns com os outros". É uma espécie de clã, que "se compreende muito bem".
"Em todos os meus projectos criei uma plataforma para o diálogo, para a conversa, para a discussão. Tenho que ouvir [as pessoas que o rodeiam] senão não evoluo, tenho de continuar a aprender, não sei tudo". Para o cozinheiro este diálogo é uma mais-valia porque "traz pontos de vista diferentes" e isso é "enriquecedor". Isto vai muito para além da cozinha. "É um novo formato de negócio. É para aí que as coisas estão a ir." O mediático chef Gordon Ramsey, seu amigo, descreveu-o como um chef controlador. Mas Nuno Mendes garante que essa descrição não lhe encaixa. "Sou a pessoa mais liberal na cozinha. Todas as pessoas estão envolvidas e dão ideias", disse na palestra. Nuno refere que a própria comunidade de chefs mudou a sua relação nos últimos anos. As rivalidades foram postas de parte. Situações como Gordon Ramsey roubar o livro de reservas de Marco Pierre White, "isso acabou", garante. "Os cozinheiros estão muito mais aliados e comunicam muito uns com os outros". Apesar do meio ser muito competitivo, "há cada vez mais chefs de cozinha que são muito amigos uns dos outros." É uma espécie de clã, que "se compreende muito bem", sublinha.
Até porque apesar de estarem debaixo das luzes da ribalta e serem considerados "estrelas", há uma componente do trabalho que é "bastante violenta e cansativa", revela. "Há uma parte artística no que nós fazemos mas o trabalho na cozinha é físico. É muito tempo. Não é glamoroso." Nuno Mendes diz que só agora pode participar em palestras e conferências ou encontros de cozinheiros. Nem sempre foi assim. "Passei muitos anos na cozinha, quase que não tinha vida social". Daí a importância de criar laços entre a comunidade de cozinheiros. "Compreendemos uns dos outros o que muitas pessoas não compreendem."
Levar Portugal para Londres
Nuno Mendes vem com frequência a Lisboa, onde nasceu e cresceu. Recentemente esteve envolvido no manifesto da Nova Cozinha Portuguesa, que juntou um grupo de chefs, integrado no festival gastronómico Sangue na Guelra, que este ano tinha como tema "Cozinha Portuguesa. E agora?"
"Quis fazer parte porque achei que foi um momento crítico na nossa história gastronómica moderna. Para o chef a gastronomia portuguesa tem vários trunfos. "Nós temos um produto incrível, temos uma história para contar, temos agora uma visibilidade que não tínhamos há muito tempo. Se nos unirmos e trabalharmos juntos numa certa direcção, acho que podemos chegar bastante longe".
No seu restaurante a Taberna do Mercado, em Londres, só utiliza produtos nacionais. O negócio tem corrido bem. "Não me posso queixar", diz. Em 2015 o The Guardian convidou-o a escrever uma coluna mensal onde divulgou receitas portuguesas. Não esconde que tenta ser um embaixador de Portugal divulgando a gastronomia nacional. "Tento ajudar no que posso", conclui a sorrir. Tal como começou a conversa.