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Gheorghe Fikl: Não se pode ter medo de não estar na moda

Há um sentimento de fim da história nas pinturas de Gheorghe Fikl, em que a natureza invade toda a vaidade do homem. As suas obras estão no Palácio da Ajuda, até 30 de Agosto, na exposição “Encenações portuguesas”.

Bruno Simão
09 de Junho de 2017 às 14:00
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Carneiros invadem salas de jantar sumptuosas. Candelabros equilibram-se do céu sobre paisagens imensas, como recordações antigas. Há um sentimento de fim da história nas pinturas de Gheorghe Fikl, em que a natureza invade toda a vaidade do homem. Fikl tem vindo desde há uma década a trabalhar com imagens barrocas, jogando com elementos da arquitectura grandiosa europeia. É, provavelmente, influência de ter crescido numa região da Roménia marcada pela presença próxima do Império Austro-húngaro. Tem uma exposição no Palácio da Ajuda até 30 de Agosto. Antes de inaugurar a exposição, em Maio, Fikl nunca tinha vindo a Lisboa nem visitado o Palácio da Ajuda. No entanto, os seus quadros parecem ter sido feitos a pensar que um dia seriam expostos ali. Chamou à exposição "Encenações portuguesas" sem precisar de falar português ou de conhecer Portugal. Há uma linguagem transversal na Europa, de ascensão e queda, memória e esquecimento, ruptura e continuidade.


1. Foi um coleccionador, que tinha comprado algumas obras minhas, que sugeriu que o meu trabalho ficaria bem no Palácio da Ajuda. E propuseram-me fazer uma exposição.

Na Roménia, de onde sou, também temos muitos edifícios de estilo barroco e, por isso, a arquitectura do Palácio da Ajuda é-me muito familiar. Talvez este palácio seja maior e mais sumptuoso. É talvez um dos mais interessantes palácios onde já estive. Costumo viajar por todo o mundo e em todo o mundo procuro este tipo de arquitectura e ambiente.

É a primeira vez que estou em Lisboa, mas pretendo regressar. Já fiz, entretanto, muitas fotografias do Palácio da Ajuda e tenho a certeza de que as vou usar no meu trabalho.

2. Depois dos meus estudos, fiz trabalhos que tinham mais que ver com arte pop e trabalhos mais gráficos e de desenho. Também fiz fotografia. Mas creio que é a minha pintura que vai perdurar. É o meio em que sinto que me posso expressar melhor.

Também na Roménia, a uma dada altura, a pintura passou de moda. Mas isso nunca me assustou.

Toda a gente está a fazer instalações, mas não é por isso que eu vou fazer instalações. Sendo que, de qualquer maneira, com uma pintura pode fazer-se uma instalação e eu tenho projectos que envolvem essa ideia. Mas não o faço para estar na moda. Não se pode ter medo de não estar na moda.

Uma pessoa pode expressar-se através de qualquer linguagem. É contemporâneo pintar se conseguimos falar de algo contemporâneo. A minha opinião é que a pintura nunca irá morrer.

3. Há já muitos anos que comecei a trabalhar nesta linha, usando combinações de imagens de dois mundos completamente diferentes: por um lado, do mundo rural e natural, por outro, dos ambientes criados pela arquitectura barroca.

A dada altura, arranjei um ateliê fora da cidade, no campo, e tem sido muito inspirador para o meu trabalho. Gosto de estar num lugar sossegado e de estar na natureza. Posso ir à cidade, visitar a civilização, mas depois gosto de voltar ao campo. Foi com essa mudança que comecei a usar mais imagens rurais.


Uma pessoa pode expressar-se através de qualquer linguagem. É contemporâneo pintar se conseguimos falar de algo contemporâneo. 


Em relação ao meu fascínio pelas imagens do barroco, eu cresci num ambiente onde havia muito esse estilo católico barroco. Cresci num lugar com grande influência do Império Austro-húngaro. E acho que isso se nota no meu trabalho.

Falo húngaro. Sou de uma região de fronteira, perto da Hungria e da Sérvia. Nessa região ainda há muitos edifícios do antigo império e são muito diferentes dos edifícios noutras partes da Roménia. Esses palácios e grandes igrejas nunca me pareceram opressivos porque faziam parte do mundo em que cresci; para mim, era natural aquela arquitectura.

4. Por exemplo, numa das minhas pinturas há um enorme candelabro pendurado sobre uma paisagem do campo. Numa outra, vê-se um padre como se fosse começar a celebrar missa na paisagem vazia. Há apenas a introdução de um elemento de um mundo no outro.

Algumas pinturas minhas são mais simples e outras mais complexas. Mas talvez as mais simples sejam mais eficientes: "less is more". No entanto, acho que todas as minhas pinturas falam mais ou menos das mesmas coisas. São, talvez, variações de um tema.

Há pessoas que vêem influências do surrealismo no meu trabalho. Mas não é um sonho o que eu pinto. É algo quase possível. É algo que pode acontecer. Tem um lado de cenografia, de encenação, mas trata-se, para mim, de uma cenografia possível. Não jogo com o mesmo tipo de elementos dos surrealistas. Jogo com elementos realistas. É verdade que há uma magia, e é talvez expressa de uma forma mais dramática, com uma tensão psicológica. Mas, sem dúvida, o meu trabalho é muito realista.

Gosto de pintores, desde os clássicos até aos contemporâneos, do Rembrandt ao Francis Bacon, mas não sinto que tenha um mestre.

Gosto de saber o que se passa no mundo da arte, de estar bem informado sobre o que é que se está a fazer. Acho que isso é fundamental para qualquer artista. É a única maneira também de saber onde é que uma pessoa se situa, e o que está a fazer enquanto artista. Não é saudável uma pessoa fechar-se sozinha no estúdio. É preciso ver o que há no mundo, mas depois ser autêntico e fazer o trabalho que corresponde àquilo que somos.

5. Gosto de viajar e de fazer residências fora da Roménia; passar dois ou três meses num estúdio ali ou acolá, mas sinto-me confortável com a minha situação na Roménia neste momento. É bastante interessante a cena da arte contemporânea na Roménia agora.


Posso fazer um trabalho em dez minutos, mas esses dez minutos têm  um trabalho de anos por trás. 


E, nesta vila no campo, onde tenho o meu estúdio, vivem muitos outros artistas. Não só artistas plásticos, mas encenadores, actores... É uma espécie de colónia de artistas. Damo-nos bem. Quando quero estar isolado, estou isolado, e quando quero estar com pessoas, trocar ideias, estar em comunidade, posso fazê-lo.

Não sei o que trará o futuro, mas agora mesmo não me apetece mudar.

Mudar a linha do meu trabalho, talvez. Estou pronto para descobrir outras coisas. Não estou só fechado nestes usos do barroco e nestas justaposições de imagens em que tenho estado a trabalhar. Este Verão quero estar aberto para essa descoberta. Não vou ter mais exposições até ao Outono e vou passar o Verão a trabalhar e a ver o que sai daí.

6. Não interessa tanto o tempo que levo a fazer uma pintura. Talvez interesse mais os 40 anos de experiência que tenho para trás. Posso fazer um trabalho em dez minutos, mas esses dez minutos têm um trabalho de anos por trás.

Algumas das pinturas podem ser bastante físicas, porque trabalho com grandes escalas. E é um tipo de pintura a que tenho de me entregar completamente.

Preparo-me sempre muito antes de começar. Durante uns dois meses ou mais, fico apenas a pensar o que será a próxima imagem. Faço pesquisa, tiro fotografias, misturo imagens, penso em composições. Quando já sei o que quero fazer, aí é mais simples. Decido, faço.

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