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É nos bastidores da Orquestra que se dá corda à música

Como se transforma um grupo de músicos numa orquestra? Nesta viagem aos bastidores da Metropolitana, percebe-se como o rigor é a palavra de ordem de uma orquestra. O rigor ao serviço da arte faz-se de hierarquias, rituais e regras que passam despercebidas ao comum dos mortais

Bruno Simão/Negócios
15 de Setembro de 2017 às 12:00
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Faltam 20 minutos para o início do ensaio. A sala está repleta. Grande parte dos sopros já ocupou o seu lugar, numa estrutura que replica a posição em palco. Trompistas e trompetistas vão tirando sons dos seus instrumentos, tal como as chamadas "madeiras" – flautistas, clarinetistas, oboístas e fagotistas – sentados à sua frente. 

Dispostos em forma de trapézio, estão os instrumentistas de cordas, a maioria violinistas, mas também violetistas, violoncelistas e contrabaixistas. Outros músicos vão chegando e cumprimentam-se naquele que é o primeiro ensaio depois das férias. Poisam os estojos dos instrumentos, as malas e mochilas e descontraidamente vão ocupando os seus lugares. A boa disposição é a nota dominante.

O maestro entra na sala. Troca algumas palavras e, num ápice, às 10h em ponto, hora marcada para o início do ensaio, a música arranca. A transformação é impressionante: os músicos que antes se moviam e tocavam de forma individual e desarticulada transformam-se num único corpo sonoro. O maestro, minutos antes calmo e bem composto, parece agora possuído por uma força maior. Dele emana toda a energia da sala. Focados na partitura, os músicos espreitam regularmente o maestro, sem sombra de tensão. Entre sorrisos discretos e palavras em surdina, a cumplicidade é evidente. O resto é música.

É nos ensaios que Pedro Amaral molda o som que quer tirar da orquestra, mantendo-se sempre fiel à escrita do compositor. "O que podemos mudar é ao nível dos tempos e das intensidades", conclui o maestro.


Numa orquestra, "é fundamental um equilíbrio entre a concentração e a descontracção. Se a pessoa está tensa, não toca bem", explica Pedro Amaral. É ele quem dirige a Orquestra Metropolitana de Lisboa, a principal das três orquestras da Metropolitana (OML), uma instituição que alberga ainda três escolas de música e que é liderada por António Mega Ferreira.

Pedro Amaral, director artístico, é o homem ideal para explicar como se transforma um grupo de 37 músicos numa orquestra. Das suas palavras percebe-se que há uma pedra angular nesta construção humana: o rigor. Rigor nos horários; rigor na hierarquia, no papel e no lugar ocupado por cada um; e rigor na interpretação da partitura. Numa orquestra, nada acontece por acaso.

Tic-tac, tic-tac

"O horário é uma coisa quase sagrada", diz Pedro Amaral. "Se marcamos o ensaio para as 10h, está toda a gente a tocar às 10h. Se um músico não toca numa peça mas toca noutra, tem de saber as horas em que é ensaiada a peça em que participa. A programação é feita ao milímetro. 

Numa orquestra, os efeitos nefastos dos atrasos fazem sentir-se de forma imediata, explica Ana Pereira, concertino da OML. "Imagine que o primeiro oboé chegava atrasado, nós não tínhamos com quem afinar. Se pensarmos bem, numa empresa é igual. Só que aí sente-se no longo prazo e numa orquestra é imediato. Numa empresa, se o director de marketing se atrasar na entrega de um trabalho de publicidade, isso só irá sentir-se um mês depois". Em todas as organizações, cada um tem o seu papel e, uns mais do que outros, todos são necessários. A diferença numa orquestra é que são todos necessários ao mesmo tempo.

Esta precisão horária é válida para toda a temporada, que é definida ao detalhe com muita antecedência. "A planificação tem de ser absolutamente rigorosa, ao minuto, e todos os maestros têm imenso respeito por isso". O ensaio pode acabar um pouco mais cedo do que a hora prevista mas nunca se prolonga um minuto para lá da hora final.

Esta quase obsessão com o planeamento horário justifica-se em grande medida pelo facto de os músicos das orquestras acumularem geralmente outras actividades, tais como aulas ou ensaios de música de câmara. Mas há outra razão mais profunda: "resulta também do facto de a nossa arte se passar no tempo. Não há muitas artes que se passem no tempo. A arquitectura, a pintura, as artes visuais em geral, não se passam no tempo. Já a dança, sim, passa-se no tempo".

Uma hierarquia bem definida

O ritual repete-se de cada vez que uma orquestra entra em palco. Os músicos estão já sentados quando o maestro entra e, sob os aplausos da plateia, cumprimenta o primeiro violino (concertino) e o seu assistente. A um sinal do concertino, o primeiro oboé toca o lá central, que o primeiro violino em pé retoma, para que toda a orquestra afine de igual.

Uma vez mais, nada acontece por acaso. Este ritual demonstra bem a hierarquia que existe numa orquestra. A seguir ao maestro, o concertino é o elemento mais importante. É ele que substitui o maestro quando este está ausente. E, estando presente, é o primeiro violino que o ajuda a passar a mensagem: "o maestro não tem 500 braços, não pode fazer tudo", explica, bem-disposta, Ana Pereira, no intervalo do longo ensaio que marcou o arranque do trabalho conjunto da orquestra para a temporada 2017/2018.

"O primeiro violino é hierarquicamente a peça fundamental da orquestra. É extremamente importante. Na verdade, ele é o parceiro do maestro porque é o primeiro executante e é ele que, muitas vezes, transmite à orquestra a ideia do maestro", reforça Pedro Amaral.

Como é possível comunicar com todos os músicos em pleno concerto? "Eu não tenho de comunicar com todos os músicos, comunico com cada chefe de naipe [de instrumentos], que depois gere a sua secção". Essa comunicação é subtil e passa despercebida ao olhar. É feita por gestos. "É o que nós chamamos de ‘body language’. Nós entendemo-nos bem, já nos conhecemos", diz Ana Pereira.

"Há uma hierarquia perfeitamente definida que se espelha na forma de trabalhar, no contexto de trabalho, na articulação laboral e até na folha salarial", explica o maestro. No topo está o concertino, que é o músico com maior responsabilidade e também o mais bem remunerado; seguem-se os chefes de naipe que têm a responsabilidade de coordenar cada secção de instrumentos; a maior parte deles tem a categoria de solistas A. Descendo a pirâmide hierárquica, surgem os solistas B e, finalmente, os tutti, que só existem nas cordas (violinistas, violetistas, violoncelistas ou contrabaixistas). Os sopros, por oposição, são sempre solistas, com a categoria A ou B, conforme o seu grau de responsabilidade, seguindo linhas individuais na partitura.


Já a escrita para os tutti é, na maior parte do tempo, colectiva, pelo que podem ser vistos como o povo da orquestra. Mesmo sem o protagonismo individual, merecem toda a consideração do maestro: "tenho muita admiração pelos meus colegas que são instrumentistas de cordas tutti, por manterem o brio sem serem protagonistas. Têm um sentido quase gregário, é admirável".

Escrito na pedra

Está escrito. Agora leia-se e cumpra-se a vontade do compositor. É desta forma que a maioria dos maestros e músicos de hoje encara e interpreta as composições. "Pela precisão da nossa linguagem escrita, a interpretação tem uma margem perfeitamente definida". Não é assim, por exemplo, no teatro, onde um texto de Shakespeare pode ser virado de cabeça para baixo. Mas já é assim na poesia, onde não se tira uma palavra do sítio.

"A margem de interpretação do maestro é pequena. O fundamental é darmos a obra como ela está escrita e como nós entendemos essa escrita. Mas é o entendimento que temos, estritamente, daquele objecto e não de uma qualquer metáfora que construamos na nossa cabeça", continua. "O que podemos mudar é ao nível dos tempos e das intensidades", conclui.

Quem manda mais, o maestro ou o solista convidado? Na orquestra, manda o maestro, mas por vezes este abdica da sua visão, dando a primazia ao instrumentista. Nem sempre se entendem.

Pedro Amaral recusa a ideia de que existe um conservadorismo na forma como hoje em dia se interpretam os textos, mas admite que "há uma certa sacralização da obra". Nem sempre foi assim. "Durante muitos anos, não só alguns maestros mudavam a interpretação das obras enriquecendo a orquestração original, como alguns editores alteraram coisas que os compositores tinham escrito". Em resposta aos exageros, no século XX surgiu um movimento na Alemanha, chamado Urtext, que defendia que se editassem os textos tal como haviam sido escritos pelos compositores. E assim chegámos ao presente em que o respeito pela obra se sobrepõe à criatividade do intérprete. O rigor, sempre. 

Pam, pam, stop

Passa pouco das dez. A orquestra toca a abertura de Beethoven Egmont e vai tocá-la até ao fim, sem interrupções do maestro. "No primeiro ensaio, gosto de pôr a orquestra a tocar do princípio ao fim".

A pedra preciosa brilha ainda em bruto. É tempo de a limar: "início por favor", ordena o maestro, quando os músicos acabam de tocar a célebre peça de Beethoven. Agora, as interrupções do maestro sucedem-se: "ouve-se muitas cordas, deve ouvir-se um só bloco, como se fosse um só instrumento", queixa-se. Logo a seguir: "vamos fazer a colcheia [figura musical] mais longa. Os senhores estão a tocar exactamente como está escrito, eu gostaria que a tocássemos ligeiramente mais longa", numa das raras situações em que se afasta do texto do compositor.


"Agora só os primeiros [violinos]. Pam, pam, stop" e os violinos arrancam, liderados pelo concertino. Mais à frente, vira-se para os trompistas: "há uma trompa que está a entrar tarde". Os músicos corrigem. "Isso, obrigado". Por vezes, Pedro Amaral entoa a melodia, enquanto marca o compasso com a batuta. Volta a interromper: "imaginem um bando armado que está a arrombar uma porta", diz, dirigindo-se de novo às trompas e trompetes. "Está quase, quase. O crescendo uma vez mais" e lá vai a orquestra por ali acima. "Bravo, bravo. Obrigado. Paramos dez minutos antes de Brahms [segue-se a 1.ª sinfonia do compositor alemão]".

Pedro Amaral termina lavado em suor. "Venha comigo, preciso de me hidratar", comenta com um músico que tenta falar com ele. Todos descansam: uns saem para fumar no terraço, outros aproveitam para comer uma coisa rápida, muitos conversam. O ambiente é familiar e descontraído.

Passados os dez minutos, o ensaio recomeça e, ao longo de três horas, a história repete-se: à concentração seguem-se abruptas interrupções, num cansativo pára-arranca. Os músicos não dão sinal de fadiga e calmamente vão anotando nas partituras as observações do maestro. De quando em vez colocam uma dúvida e, aqui e ali, surge uma sugestão. "Ok, vamos experimentar", acede o maestro. O ensaio prossegue.

Não se pense que o esforço dos músicos se esgota nos ensaios e no palco. Há muito trabalho de casa, "até por obrigação contratual", diz o maestro. "Não é de modo nenhum fiscalizado, mas acaba por sobressair", sublinha, admitindo contudo que a pressão sobre um músico solista é maior do que sobre um tutti. A forma como trabalham em casa varia muito, explica Ana Pereira: "há músicos que preferem olhar para a partitura em silêncio, há outros que, ao ouvir a música, vão estudando e conseguem reconhecer o texto musical através da audição, mas claro que tem de haver sempre um contacto com a partitura. Todos os dias de manhã, eu oiço as obras em que estou a trabalhar".

Quem é o patrão?

E quando o maestro tem de trabalhar com um solista convidado, quem manda? Sobre essa questão, há um episódio que ficou para a história. Estamos a 6 de Agosto de 1962. O famoso maestro Leonard Bernstein prepara-se para dirigir a sua Orquestra Filarmónica de Nova Iorque, que tem nesse dia um convidado especial: o exuberante pianista Glenn Gould, que se prepara para interpretar o concerto para piano n.º1 de Johannes Brahms. 


"Não tenham medo, o senhor Gould está aqui e vai aparecer dentro de momentos", diz Bernstein ao público. "Não tenho o hábito de falar nos concertos, como sabem, mas houve uma situação curiosa que merece uma palavra ou duas. Vão ouvir uma performance heterodoxa do concerto para piano em si menor de Brahms, uma performance totalmente diferente de qualquer outra que tenha ouvido ou sonhado […]. Não posso dizer que esteja de acordo com a concepção do sr. Gould [começam a ouvir-se risos discretos na audiência] e isto levanta uma importante questão: porque estou eu a conduzi-la? [risos mais sonoros do público].

Eu estou a fazê-lo porque o sr. Gould é um artista tão valioso que eu tenho de levar a sério qualquer coisa que ele conceba de boa-fé […]. Mas a questão mantém-se: num concerto, quem é o patrão? O solista ou o maestro [gargalhadas]. A resposta é: às vezes um, outras vezes outro, dependendo das pessoas envolvidas. Mas quase sempre os dois conseguem chegar um entendimento pela persuasão, charme ou mesmo… ameaças [gargalhadas] para atingir uma performance unificada. Só uma vez na minha vida tive de me submeter a uma visão totalmente nova e isso foi da última vez que acompanhei o sr. Gould [novas gargalhadas]. Mas, desta vez, a discrepância entre as nossas visões é tão grande que eu sinto que devo fazer este ‘disclaimer’".

O discurso de Bernstein continua, como continuaram pelo mundo fora as pequenas (ou grandes) guerras entre maestros e solistas. Pedro Amaral também já cedeu. "Quando convido um solista, respeito a leitura dele. Eu gabo-me de ser a pessoa que melhor conhece a partitura de uma obra quando entro na sala, mas a parte do solista, ele conhece-a melhor do que eu, sempre", explica.

"Eu sei segui-lo e sei guiá-lo, mas o solista toca um concerto de Mozart desde os 10 anos de idade. Não tenho qualquer problema em conciliar com o solista a minha visão da obra e em abdicar dela quando tal se afigura essencial para ele. Em casos raros e ideais, as nossas sensibilidades convergem e construímos algo novo. Mas se vejo que o solista não tem essa abertura, essa capacidade de diálogo ou a cultura e imaginação necessárias, preparo a orquestra para a visão dele, sem nenhum estado de alma. A minha primeira função é levar o concerto a bom termo", explica.

Como se impõe a autoridade do maestro entre os músicos da orquestra? "Pela competência. Não há outra maneira". Do maestro, os músicos esperam uma visão. Tal como se espera de um encenador ou de um realizador.

Mas, na Orquestra Metropolitana de Lisboa, a autoridade do maestro não se esgota na componente musical. Pedro Amaral é chefe artístico em todos os sentidos. Todos os músicos se tratam por tu, excepto um: o maestro. "Não trato nenhum dos músicos da minha orquestra por tu. Eu tenho também um papel administrativo, o que levanta um equilíbrio difícil. Há muitas decisões que tenho de tomar e que não podem ter em conta o afecto pessoal".


E não se pense que a componente administrativa é secundária no seu trabalho. "Na minha vida diária, 20% do meu tempo é para o trabalho de maestro, de músico, e 80% são para a parte administrativa, seja ela compor um programa, preparar um programa para um determinado concerto, preparar a temporada. E ainda estabelecer todo o plano laboral da orquestra – gestão dos tempos de trabalho, organização dos ensaios, férias, respostas a pedidos de licença, etc." E isso não é nenhum sacrifício: "divido-me bem entre as duas coisas. Há uns tempos, estive seis semanas seguidas em que só dirigi. Para mim, foi uma bênção acabar e voltar ao trabalho administrativo", desabafa com um sorriso.

Mais difícil é conciliar com o trabalho de compositor. O trabalho artístico só pode ser um de cada vez: maestro ou compositor. "O compositor está virado para dentro. O maestro está virado para fora, são estados de espírito opostos". Por isso, consegue manter sempre o trabalho administrativo, mas vai alternando a composição com a direcção de orquestra.
Se no lado artístico conta com 37 músicos, na frente administrativa tem uma dezena de pessoas a trabalhar consigo. São menos, mas sem elas não havia orquestra, assegura.

Uma micro-sociedade

"Uma orquestra é uma micro-sociedade, não dá para viver uns sem os outros. De nada me vale tocar sozinha. Nós trabalhamos para o resultado conjunto da equipa", diz, orgulhosa, Ana Pereira. "Nós, músicos, conhecemos perfeitamente a nossa função. Eu não quero tocar flauta, aquele espaço é inteiramente do flautista, mas ele também sabe que o espaço de direcção da obra é inteiramente do maestro", explica Pedro Amaral.

Também por isso, as orientações do maestro não são questionadas. "É muito raro, mas muito estimulante, quando um músico me pergunta se podemos fazer uma leitura diferente". O maestro cumpre fielmente a obra do compositor, mas "a fidelidade, por máxima que seja, deixa sempre uma margem para a interpretação. A interpretação de uma obra orquestral é definida pelo maestro e é por isso que os músicos seguem rigorosamente as suas orientações: para tornar audível, em todos os seus ínfimos detalhes, uma interpretação coerente, una, da obra".

E existe competição? Claro que sim, como na sociedade em geral. "Há dois tipos de competição": dentro do grupo dos tutti, na medida em que eles estão realmente a fazer a mesma coisa e são o mesmo instrumento. E existe competição entre dois solistas A, um grande flautista e um grande clarinetista, por exemplo, que tentam mostrar o melhor de cada um porque sentem que o outro atingiu um nível de excelência artística do qual não querem ficar atrás. Este segundo tipo de competição é claramente benéfico para o conjunto".

A orquestra é uma micro-sociedade onde cada um desempenha o seu papel e em que este acaba por moldar os próprios músicos. "Trabalhamos para o resultado conjunto da equipa", diz o concertino Ana Pereira.

E se na sociedade os ofícios moldam as pessoas, também na orquestra isso acontece. Há uma relação entre o instrumento e o perfil do músico? "Sim, absolutamente", reconhece o maestro. "E nunca se sabe se é a personalidade que se adapta ao instrumento ou se esta agiu na escolha do instrumento. Veja-se o caso do oboísta. O oboé tem uma palheta dupla, pelo que tirar o primeiro som é uma coisa delicadíssima, que exige uma enorme concentração, por isso é normal o oboísta ser uma pessoa muito meticulosa, um pouco receosa, muito atenta. Outros estereótipos são os músicos dos metais, tipicamente bonacheirões, mais fortes fisicamente".

Também o género parece interferir. Por exemplo, "é muito mais frequente ver homens nos metais". "Tem muito a ver com o imaginário social sexista, que conduz a que a escolha seja mais delicada para as meninas e mais embrutecedora para os homens. Mas a verdade é que esse condicionamento existe e é por isso que se luta contra isso".

E é recorrendo à mesma metáfora que Ana Pereira reage quando questionada sobre as dificuldades de relacionamento dentro de uma orquestra. "Se pensarmos numa sociedade, é a mesma coisa que numa orquestra. É óbvio que nem toda a gente se dá bem numa orquestra, tal como numa sociedade", afirma, ressalvando que na Metropolitana o ambiente é muito saudável e, já agora, marcadamente jovem – ela tem 32 anos. "Temos muitas afinidades, saímos juntos com frequência, mas é normal que surjam alguns conflitos entre pessoas que passam tanto tempo juntas, mas nada que não se resolva. E, quando entramos em palco, isso não se reflecte porque sabemos que temos todos um objectivo comum".

"Gostamos muito de ouvir os ‘bravos’"

Quando o maestro sobe ao palco, o essencial do seu trabalho vem já feito dos ensaios. Mas isso não diminui a pressão que sente: "para mim, é sempre muito stressante. No dia do concerto, revejo o concerto todo, passo-o de memória o tempo todo". Sempre que pode, dirige de cor, sem estante. Porquê? "É a diferença entre um actor que lê um monólogo de Shakespeare ou um que o representa de cor. E é também a diferença entre o épico e o dramático. Uma coisa é narrar, outra coisa é participar na acção", explica, envolvido, Pedro Amaral.

As mãos movem-se incansáveis durante todo o concerto. A direita, que segura a batuta, indica a geografia do compasso. A mão esquerda trata da expressividade. E, no final, está lá para colher os louros ou as balas. "O maestro é o responsável primeiro e último por aquilo que acontece em palco. Para o melhor e para o pior." E aí trocam-se os papéis. No palco, os músicos param de tocar. O maestro vira-se e olha o seu público. Os intérpretes desviam os olhos da partitura e tentam agora, com expectativa, interpretar o público, a reacção do público. E Pedro Amaral não esconde, com um sorriso inocente, quase infantil: "nós gostamos muito de ouvir os ‘bravos’".


A geografia da orquestra

Há várias formas de distribuir os naipes de instrumentos de uma orquestra e estas foram evoluindo ao longo do tempo, à medida que eram integrados novos instrumentos. Mas o que não muda é a cadeia de comando: o maestro no centro tem ao seu lado esquerdo o concertino que, por sua vez, tem o campo de vista aberto para cada um dos chefes das restantes secções de instrumentos. 


A geografia da orquestra pode variar mas existe sempre a preocupação de garantir que a cadeia de comando e transmissão da mensagem do maestro funciona devidamente. Além dos sinais que o maestro vai dando com a batuta e todo o movimento corporal, há um outro trabalho de coordenação menos visível que é feito entre os chefes de naipe. A peça fundamental nessa linha de comunicação é o concertino (primeiro violino), que funciona como uma espécie de braço-direito do maestro.

Ele comunica directamente com os chefes de naipe dos vários instrumentos, que depois passam a mensagem aos músicos da sua secção. Os músicos de cordas que não estão sentados na primeira estante são conhecidos como os tutti e a sua disposição na orquestra vai alternando. Já os músicos de sopro (madeiras e metais) são designados como solistas, para quem os compositores escrevem linhas individuais na partitura. Estes dividem-se entre solistas A e solistas B.

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