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Bens culturais: o valor do rótulo

A chegada de um novo Barca Velha ao mercado nacional é uma boa notícia para os amantes de vinho e um orgulho para todos, mas o potencial do rótulo como alvo de investimento é muito mais complexo.

29 de Outubro de 2016 às 10:15
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A notável notícia, epicamente comunicada e replicada nos tempos mais recentes, é a de que, dentro de alguns dias, entrarão, em locais seleccionados e muito limitados do mercado, as garrafas de uma colheita a que a Sogrape deu o selo de excelência de topo, isto é, o rótulo Barca Velha.

O referido rótulo representa, simultaneamente, dois valores que hoje, e cada vez mais, são distintos. O primeiro valor é o do vinho de excelência, um dos poucos que temos em Portugal. O segundo valor é o de objecto de investimento.

Quanto ao primeiro valor, o de vinho de excelência, ao que tudo indica, permanece intocável, tanto pela qualidade, como pela raridade. A qualidade é atestada, primeiro, pelos enólogos da casa, que só marcam como Barca Velha as colheitas que consideram verdadeiramente excepcionais, e que geram um vinho com carácter de singularidade, e, depois, pelos peritos, que parecem, até ao momento, inclinados para confirmar a escolha dos "criadores".

A raridade vem da estratégia que a empresa seguiu desde sempre, a de não banalizar o rótulo. Assim, é apenas a 18.ª vez, em 64 anos, que um vinho alcança o rótulo Barca Velha, e o agora prestes a ser lançado corresponde à colheita de 2008, sendo que há quatro anos que não havia edição.

Para reforçar a raridade, serão apenas distribuídas 18 mil garrafas, o que, mesmo para um mercado pequeno como o nosso, é uma quantidade limitada. Para mais, é fundamental não esquecer que só um número muito reduzido de garrafas estará acessível ao consumidor "comum", isto é, aquele sem contactos privilegiados ou estatuto de excepção, dois grupos sociológicos que receberão os quinhões maiores da edição. Assim, o valor do vinho de excelência deverá manter-se bastante alto.

Muito mais complexo é avaliar o valor do Barca Velha como investimento, já que o mercado nacional não consegue, a não ser de modo informal, fixar as regras que determinam com que o vinho seja actualmente, no mercado global, um dos valores mais seguros. Para avaliar o valor de investimento do Barca Velha, é necessário dividir o universo em mercado nacional e mercado internacional. No mercado nacional, há uma enorme possibilidade que o preço a que irá ser vendido o Barca Velha, entre os 250 e os 400 euros, reduza a margem de atracção para um investidor. Ou seja, mesmo que o investidor ponha o vinho "de guarda", isto é, na garrafeira, por um período vasto de tempo, não é adquirido que o possa vender depois com a mais-valia correspondente à que teria um vinho excepcional no mercado global, que anda, em média, de 12 a 30%.

Acresce a este cenário que uma futura venda será quase sempre feita por canais informais, ou, no melhor dos casos, e a nível excepcional, num leilão especial. No mercado global, o contexto é ainda mais complexo. Mesmo que o Barca Velha receba boas críticas dos especialistas que contam, isto é, aqueles que determinam o mercado, como é o caso de Robert Parker ou Jancis Robinson, tal poderá não ser suficiente para contrariar o "factor histórico" que diminui os vinhos portugueses, com excepção do Vinho do Porto e alguns Madeira, no mercado global, isto é, não têm uma tradição de investimento que possa dar referências fundamentais aos potenciais investidores.

Assim, o quadro final é o de que vale a pena gastar em Barca Velha como vinho, mas é muito mais precário investir no rótulo como bem cultural de mercado.

Cuidados essenciais A partir do momento em que alguém decida investir no Barca Velha como bem, ou como activo, deve ter presente as condições exigidas pelo mercado. Além de todos os certificados básicos de autenticidade, as garrafas nunca serão negociadas se o agente da oferta não tiver consigo um outro tipo de certificado, ou de certificados, que comprova que foram seguidas as condições exigidas de engarrafamento, transporte e, principalmente, armazenamento. É que o vinho é um bem delicado e perecível.



*Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.  


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