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As asneiras dos filhos regadas a álcool

O lema é antigo, mas não perde actualidade: a rir se dizem as verdades. E é com isso que podemos contar nesta peça encenada por Diogo Infante, "O Deus da Carnificina". Dois casais numa sala de estar, a fazer asneiras ainda piores do que as dos filhos.

O Deus da Carnificina - A peça encenada por Diogo Infante, com texto de Yasmina Reza, está no Teatro da Trindade, em Lisboa, até 29 de Abril. Matilde Alçada
30 de Março de 2018 às 14:00
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A sala impecavelmente arrumada. Tulipas brancas e livros de arte distribuídos de forma estratégica numa mesa de apoio. De cada lado, sofás. Tudo a postos para um combate, como se de um ringue de luta se tratasse.

Desta vez, um miúdo bateu noutro. De forma resumida, deixou-o "praticamente desfigurado" e sem alguns dentes. Os pais tentam agora, civilizadamente, lidar com o assunto e apurar responsabilidades na sala de estar da família da vítima.

O interesse é que não é igual de ambos os lados. Alberto e Bernardete (Diogo Infante e Rita Salema) aceitam a conversa, mas querem arrumar o assunto o mais rapidamente possível. Verónica e Miguel (Patrícia Tavares e Jorge Mourato) querem levar tudo até às últimas consequências.

Na defesa das respectivas crias, o lado animal começa a surgir nas palavras que se tornam mais amargas. O politicamente correcto e as máscaras caem a cada minuto. E, com esse evoluir da situação, o riso ganha volume na plateia.

"O Deus da Carnificina" cumpre, na perfeição, a lógica antiga de que, a rir, se dizem as verdades. A início é tudo desconforto e contenção. Pulso firme nas posições, sem ferir susceptibilidades alheias. Mas há algo mais forte do que eles: não se consegue manter a farsa por muito tempo. Sobretudo quando há álcool à mistura.


É nessa hipocrisia - em que vivemos grande parte das nossas vidas, sejamos sinceros - que assenta a graça desta peça. Porque nos identificamos nas revelações de carácter. Alberto é advogado de uma sociedade farmacêutica acusada de vender medicamentos com efeitos colaterais. Bernardete deixa que o licor lhe confesse o descontentamento com o marido. Apesar dos refinados gostos e interesse por arte, Verónica vive sufocada com a sua vida de dona de casa. Miguel é um "grunho" que vende sanitas - e tem orgulho disso.

Destaque para a surpresa que é a interpretação de Rita Salema em palco. A início contida, reservada. Os nervos da sua personagem acabam por falar mais alto durante o arranque da discussão. É o momento para se ausentar e voltar mais forte, senhora de si, a cena. Exagerada, com o efeito do álcool a falar alto, sempre nos tempos certos.

Não são precisos sermões de cidadania para sair do Teatro Trindade, em Lisboa, com a lição aprendida. Lá ficará apenas a nossa preocupação com o hamster Rodinhas, "desaparecido" durante a noite. E com os exclusivos catálogos de arte, a secar com cheiro a vómito.


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