Notícia
Ambiente contaminado
Donald Trump carregou no botão "delete" e apagou o plano de combate às alterações climáticas de Obama. A luta contra o aquecimento global está em risco quando o segundo país mais poluente do mundo se recusa a respeitar o acordo de Paris e se propõe investir nas energias fósseis?
Assim que tomou posse como Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump começou a "arrumar a casa". Em matéria de política ambiental, o novo inquilino da Casa Branca tomou decisões logo nos primeiros dias que deixam claro o caminho que quer seguir. Há muito que assume ser um céptico em relação ao aquecimento global, chegou a dizer que isso era uma invenção dos chineses para prejudicar a indústria norte-americana. Trump prometia no seu programa de governo o reforço do investimento nas energias fósseis. Prometeu e cumpriu.
No próprio dia em que jurou respeitar a Constituição, foram retiradas do site oficial da Casa Branca as referências ao plano de combate ao aquecimento global lançado pelo seu antecessor Barack Obama, conhecido como "Plano de Acção para o Clima". A substituí-lo surgiu um texto intitulado "America First Energy Plan" (Plano de Energia América Primeiro), onde pode ler-se que "o Presidente Trump está empenhado em eliminar políticas prejudiciais e desnecessárias" no que diz respeito ao ambiente e garante que "levantar essas restrições será uma grande ajuda para os trabalhadores americanos, aumentando os salários em mais de 30 mil milhões de dólares (cerca de 28 mil milhões de euros) nos próximos sete anos". Mais à frente, fica claro no documento que os Estados Unidos vão voltar a investir em força na extracção de petróleo, gás de xisto e carvão. As receitas conseguidas servirão para "reconstruir estradas, escolas, pontes e infra-estruturas públicas". Ainda assim, a nova administração admite que estas medidas "têm de andar de mãos dadas com a gestão do ambiente". E assume que "proteger o ar limpo e a água limpa, conservar os nossos habitats naturais e preservar as nossas reservas e recursos continuarão a ser uma alta prioridade". Mas os sinais que vêm da Casa Branca não vão nesse sentido.
Os homens do presidente
Esta terça-feira, Trump deu luz verde a dois investimentos polémicos que foram travados pela administração Obama em 2015, depois de muita contestação dos ambientalistas, de activistas nativos americanos e agricultores. São dois oleodutos - o Keystone XL e o Dakota Access - que vão transportar crude do Canadá para o Texas. Se alguém ainda acreditava que as posições radicais do multimilionário em relação à política ambiental podiam ser atenuadas depois de tomar posse, perdeu a esperança quando ele se fez rodear de homens ligados à indústria do petróleo. O republicano Scott Pruitt lidera agora a Agência de Protecção Ambiental (APA). Foi procurador-geral do estado do Oklahoma e é um céptico quanto à influência humana no aquecimento global. Pruitt interpôs várias acções em tribunal, em aliança com petrolíferas, contra as políticas ambientais de Obama e contra a agência que agora lidera, que chegou a considerar uma instituição "ilícita e exagerada". No comunicado em que confirmou a nomeação de Scott Pruitt, Donald Trump acusou a APA de "gastar o dinheiro dos contribuintes num programa antienergético que destruiu milhões de empregos". Esta terça-feira, Trump impôs a "lei da rolha" aos funcionários da APA proibindo-os de darem informações à imprensa e de actualizarem as informações nas redes sociais. Ao mesmo tempo, congelou os seus contactos e subvenções.
Outro dos homens escolhidos por Trump para a sua equipa é Rex Tillerson. O antigo CEO da Exxon Mobile assumiu o cargo de secretário de Estado. É conhecida a relação próxima que tem com o Presidente russo Vladimir Putin, por via dos negócios. Juntando todas estas peças do puzzle, podemos concluir que os EUA vão andar para trás no combate ao aquecimento global? Talvez o cenário não seja assim tão negro. Viriato Soromenho-Marques, especialista em política ambiental, considera que "a América já não é tão grande como era". Neste momento, os EUA são responsáveis por 15% das emissões de gases com efeito de estufa. O maior poluidor é a China, com 29% das emissões globais. A Europa é responsável por 10%. Apesar de Washington poder travar a diplomacia ambiental, "o negócio das energias alternativas já é suficientemente robusto para conseguir contornar as interdições e os obstáculos que o governo federal coloca". Mas este investigador acredita que a política seguida por Trump vai causar estragos. "Vai fazer uma coisa terrível, que é atrasar a capacidade tecnológica dos EUA, como aconteceu na primeira crise do petróleo, em 1973." E isso significará "criar mais desemprego, ao contrário do que ele está a prometer", afirma.
Um país dividido
"Os EUA nunca estiveram tão divididos", considera Luísa Schmidt, especialista em sociologia do ambiente, acrescentando que "há dois movimentos a puxar em sentidos contrários". As posições de Trump não serão seguidas em todo o território. Viriato Soromenho-Marques espera "uma reacção fortíssima" em vários dos 50 estados da América. "Há estados americanos que têm as suas próprias leis ambientais e vão continuar a aprofundá-las e a não ligar a Washington", diz. A Califórnia, por exemplo, estabeleceu o objectivo de cortar as emissões de carbono em 40% até 2030. Por outro lado, as alterações climáticas já estão a fazer-se sentir e a atingir as populações locais. "A Flórida está neste momento com problemas gravíssimos de subida do nível médio das águas. Está a fazer obras para segurar as casas junto à zona costeira, que não vão durar porque a subida está a ser muito mais rápida do que estava previsto", diz a professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Luísa Schmidt. Além disso, sublinha, a própria sociedade americana está atenta e será interventiva porque "as pessoas não aceitam piorar a sua qualidade de vida, passar a respirar pior. É uma sociedade civil muito activa".
Outro ponto importante, refere a investigadora, é o facto de "muitos fundos financeiros, como por exemplo o Rockefeller, não quererem investir mais no carbono, nem no petróleo, nem no gás". A própria indústria pediu a Trump, numa carta aberta assinada por mais de 600 multinacionais, entre elas a Starbucks, a Nike e a eBay, para respeitar o acordo de Paris, que ele ameaçou rasgar quando chegasse à Casa Branca. Caso contrário, alertavam, "a prosperidade americana estará em risco". Mais recentemente, Trump disse estar a "estudar" o dossiê. "Não quero que o acordo nos ponha em desvantagem competitiva com outros países", afirmou, numa clara referência à China, que foi por ele apontada como o inimigo número 1 dos EUA. "A verdade é que ele está sozinho", afirma Viriato Soromenho-Marques. "Qualquer CEO de uma multinacional sabe que, fora dos EUA, será considerado cavernícola, um troglodita, se disser um disparate desses [que o aquecimento global não existe]." O apoio a estas políticas de Trump vem de "uma multidão de pequenos produtores do Texas, que têm um furo aqui, um furo acolá, uma mina de carvão, é o 'small business'. Pessoas que não têm mais nada, que vão morrer economicamente no dia em que o petróleo deixar de ser significativo", explica. As grandes petrolíferas, que concorrem no mercado mundial e que pensam a longo prazo, "e que até acham um bocadinho patética a política proteccionista americana", já perceberam que têm de se adaptar à mudança e, refere, já estão a investir nas energias renováveis. "Percebem que se se atrasarem muito, perdem posição competitiva no mercado do futuro." Luísa Schmidt acredita mesmo que o paradigma energético ligado às renováveis "é imparável". "O solar deu saltos absolutamente extraordinários e está cada vez mais barato, aliás com o contributo da Tesla", uma empresa americana que foi subsidiada pela administração Obama para investigar as baterias solares. Por isso, não tem dúvidas, a América "vai perder o comboio".
O acordo de Paris está em risco?
Se o Presidente americano decidir não respeitar o acordo de Paris, assinado por Obama em 2015, será que outras nações vão fazer o mesmo? Está em causa um compromisso histórico que envolveu cerca de 200 países, de tomar medidas e estabelecer metas para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa. O grande objectivo é manter o aumento da temperatura média mundial abaixo dos dois graus Celsius, em relação aos níveis pré-industriais. Luísa Schmidt acredita que uma saída dos EUA pode ter "um efeito de mimetismo nos países produtores de petróleo", como a Rússia, a Arábia Saudita, a Venezuela ou Angola. Mas, nos outros países, pode ter o efeito contrário e até fazer surgir uma aliança entre a União Europeia e a China. Uma ideia partilhada por Viriato Soromenho-Marques. "A China está comprometida [com o acordo de Paris] por uma questão de sobrevivência, do país e do regime. Há uma grande luta social, que por enquanto não é muito conhecida no Ocidente, mas as greves que acontecem na China são por questões ambientais", sublinha o investigador. O gigante asiático tem investido fortemente na energia solar e noutras renováveis. "Estão desejosos de fazer uma cooperação com outros países", diz. A prova foi o discurso do Presidente chinês, Xi Jinping, no World Economic Forum em Davos, onde "deu uma lição de economia política", afirma o investigador, ao comparar o proteccionismo com "estar fechado num quarto escuro, que parece proteger do vento e da chuva, mas também bloqueia o sol". Um recado para Donald Trump. Mas Soromenho-Marques não está optimista em relação ao próprio acordo de Paris porque é um modelo de adesão voluntária e "não há uma autoridade que faça uma verdadeira monitorização, não há sanções, é tudo na base da boa vontade, que é uma coisa que existe escassamente na política internacional". Por outro lado, só entra em vigor em 2020. "É tudo para começar amanhã." No fundo, "dá um tempo à política que a física não dá", conclui.
Cientistas nervosos
A comunidade científica ficou em pânico quando o então candidato à Presidência da República anunciou que, caso fosse eleito, iria cortar verbas públicas na investigação sobre o aquecimento global. Entre os visados está o programa da NASA que, através de uma rede de satélites, estuda as variações de temperatura do planeta e o impacto da actividade humana no clima. Trump alegava que os investigadores praticavam "ciência politizada". No início de Dezembro, um grupo de 800 cientistas escreveu uma carta ao Presidente eleito, que foi divulgada na revista Scientific American, onde pediam que tomasse medidas para combater as alterações climáticas. O corte do financiamento do governo federal à investigação científica "vai ser dramático" numa primeira fase, admite Viriato Soromenho-Marques, porque obriga a "parar programas e a despedir pessoas até se encontrar um mecanismo de substituição". Mas, por outro lado, "na América, existem os filantropos". Pessoas como Bill Gates, Warren Buffett e outros que são anti-Trump. Por isso, o investigador acredita que poderá haver uma substituição dos fundos federais por fundos privados. Até porque, sublinha, há muitos anos que a ciência na América é, em grande parte, financiada pelos privados. Mais do que pelos cofres públicos. Certo é que, por estes dias, o ambiente na comunidade científica dos Estados Unidos está pesado.
No próprio dia em que jurou respeitar a Constituição, foram retiradas do site oficial da Casa Branca as referências ao plano de combate ao aquecimento global lançado pelo seu antecessor Barack Obama, conhecido como "Plano de Acção para o Clima". A substituí-lo surgiu um texto intitulado "America First Energy Plan" (Plano de Energia América Primeiro), onde pode ler-se que "o Presidente Trump está empenhado em eliminar políticas prejudiciais e desnecessárias" no que diz respeito ao ambiente e garante que "levantar essas restrições será uma grande ajuda para os trabalhadores americanos, aumentando os salários em mais de 30 mil milhões de dólares (cerca de 28 mil milhões de euros) nos próximos sete anos". Mais à frente, fica claro no documento que os Estados Unidos vão voltar a investir em força na extracção de petróleo, gás de xisto e carvão. As receitas conseguidas servirão para "reconstruir estradas, escolas, pontes e infra-estruturas públicas". Ainda assim, a nova administração admite que estas medidas "têm de andar de mãos dadas com a gestão do ambiente". E assume que "proteger o ar limpo e a água limpa, conservar os nossos habitats naturais e preservar as nossas reservas e recursos continuarão a ser uma alta prioridade". Mas os sinais que vêm da Casa Branca não vão nesse sentido.
Esta terça-feira, Trump deu luz verde a dois investimentos polémicos que foram travados pela administração Obama em 2015, depois de muita contestação dos ambientalistas, de activistas nativos americanos e agricultores. São dois oleodutos - o Keystone XL e o Dakota Access - que vão transportar crude do Canadá para o Texas. Se alguém ainda acreditava que as posições radicais do multimilionário em relação à política ambiental podiam ser atenuadas depois de tomar posse, perdeu a esperança quando ele se fez rodear de homens ligados à indústria do petróleo. O republicano Scott Pruitt lidera agora a Agência de Protecção Ambiental (APA). Foi procurador-geral do estado do Oklahoma e é um céptico quanto à influência humana no aquecimento global. Pruitt interpôs várias acções em tribunal, em aliança com petrolíferas, contra as políticas ambientais de Obama e contra a agência que agora lidera, que chegou a considerar uma instituição "ilícita e exagerada". No comunicado em que confirmou a nomeação de Scott Pruitt, Donald Trump acusou a APA de "gastar o dinheiro dos contribuintes num programa antienergético que destruiu milhões de empregos". Esta terça-feira, Trump impôs a "lei da rolha" aos funcionários da APA proibindo-os de darem informações à imprensa e de actualizarem as informações nas redes sociais. Ao mesmo tempo, congelou os seus contactos e subvenções.
Outro dos homens escolhidos por Trump para a sua equipa é Rex Tillerson. O antigo CEO da Exxon Mobile assumiu o cargo de secretário de Estado. É conhecida a relação próxima que tem com o Presidente russo Vladimir Putin, por via dos negócios. Juntando todas estas peças do puzzle, podemos concluir que os EUA vão andar para trás no combate ao aquecimento global? Talvez o cenário não seja assim tão negro. Viriato Soromenho-Marques, especialista em política ambiental, considera que "a América já não é tão grande como era". Neste momento, os EUA são responsáveis por 15% das emissões de gases com efeito de estufa. O maior poluidor é a China, com 29% das emissões globais. A Europa é responsável por 10%. Apesar de Washington poder travar a diplomacia ambiental, "o negócio das energias alternativas já é suficientemente robusto para conseguir contornar as interdições e os obstáculos que o governo federal coloca". Mas este investigador acredita que a política seguida por Trump vai causar estragos. "Vai fazer uma coisa terrível, que é atrasar a capacidade tecnológica dos EUA, como aconteceu na primeira crise do petróleo, em 1973." E isso significará "criar mais desemprego, ao contrário do que ele está a prometer", afirma.
Um país dividido
"Os EUA nunca estiveram tão divididos", considera Luísa Schmidt, especialista em sociologia do ambiente, acrescentando que "há dois movimentos a puxar em sentidos contrários". As posições de Trump não serão seguidas em todo o território. Viriato Soromenho-Marques espera "uma reacção fortíssima" em vários dos 50 estados da América. "Há estados americanos que têm as suas próprias leis ambientais e vão continuar a aprofundá-las e a não ligar a Washington", diz. A Califórnia, por exemplo, estabeleceu o objectivo de cortar as emissões de carbono em 40% até 2030. Por outro lado, as alterações climáticas já estão a fazer-se sentir e a atingir as populações locais. "A Flórida está neste momento com problemas gravíssimos de subida do nível médio das águas. Está a fazer obras para segurar as casas junto à zona costeira, que não vão durar porque a subida está a ser muito mais rápida do que estava previsto", diz a professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Luísa Schmidt. Além disso, sublinha, a própria sociedade americana está atenta e será interventiva porque "as pessoas não aceitam piorar a sua qualidade de vida, passar a respirar pior. É uma sociedade civil muito activa".
Os EUA nunca estiveram tão divididos. Não só alguns estados não querem seguir a política dele [de Trump], como também há muitos fundos financeiros, como o Rockefeller, que não querem investir mais no carbono, nem no petróleo, nem no gás. Luísa Schmidt
Especialista em sociologia do ambiente
Especialista em sociologia do ambiente
Outro ponto importante, refere a investigadora, é o facto de "muitos fundos financeiros, como por exemplo o Rockefeller, não quererem investir mais no carbono, nem no petróleo, nem no gás". A própria indústria pediu a Trump, numa carta aberta assinada por mais de 600 multinacionais, entre elas a Starbucks, a Nike e a eBay, para respeitar o acordo de Paris, que ele ameaçou rasgar quando chegasse à Casa Branca. Caso contrário, alertavam, "a prosperidade americana estará em risco". Mais recentemente, Trump disse estar a "estudar" o dossiê. "Não quero que o acordo nos ponha em desvantagem competitiva com outros países", afirmou, numa clara referência à China, que foi por ele apontada como o inimigo número 1 dos EUA. "A verdade é que ele está sozinho", afirma Viriato Soromenho-Marques. "Qualquer CEO de uma multinacional sabe que, fora dos EUA, será considerado cavernícola, um troglodita, se disser um disparate desses [que o aquecimento global não existe]." O apoio a estas políticas de Trump vem de "uma multidão de pequenos produtores do Texas, que têm um furo aqui, um furo acolá, uma mina de carvão, é o 'small business'. Pessoas que não têm mais nada, que vão morrer economicamente no dia em que o petróleo deixar de ser significativo", explica. As grandes petrolíferas, que concorrem no mercado mundial e que pensam a longo prazo, "e que até acham um bocadinho patética a política proteccionista americana", já perceberam que têm de se adaptar à mudança e, refere, já estão a investir nas energias renováveis. "Percebem que se se atrasarem muito, perdem posição competitiva no mercado do futuro." Luísa Schmidt acredita mesmo que o paradigma energético ligado às renováveis "é imparável". "O solar deu saltos absolutamente extraordinários e está cada vez mais barato, aliás com o contributo da Tesla", uma empresa americana que foi subsidiada pela administração Obama para investigar as baterias solares. Por isso, não tem dúvidas, a América "vai perder o comboio".
O apoio de Trump vem de uma multidão de pequenos produtores do Texas, que têm um furo aqui, um furo acolá, uma mina de carvão, é o 'small business'. Pessoas que não têm mais nada, que vão morrer economicamente no dia em que o petróleo deixar de ser significativo. Viriato Soromenho-Marques
Especialista em política ambiental
Especialista em política ambiental
O acordo de Paris está em risco?
Se o Presidente americano decidir não respeitar o acordo de Paris, assinado por Obama em 2015, será que outras nações vão fazer o mesmo? Está em causa um compromisso histórico que envolveu cerca de 200 países, de tomar medidas e estabelecer metas para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa. O grande objectivo é manter o aumento da temperatura média mundial abaixo dos dois graus Celsius, em relação aos níveis pré-industriais. Luísa Schmidt acredita que uma saída dos EUA pode ter "um efeito de mimetismo nos países produtores de petróleo", como a Rússia, a Arábia Saudita, a Venezuela ou Angola. Mas, nos outros países, pode ter o efeito contrário e até fazer surgir uma aliança entre a União Europeia e a China. Uma ideia partilhada por Viriato Soromenho-Marques. "A China está comprometida [com o acordo de Paris] por uma questão de sobrevivência, do país e do regime. Há uma grande luta social, que por enquanto não é muito conhecida no Ocidente, mas as greves que acontecem na China são por questões ambientais", sublinha o investigador. O gigante asiático tem investido fortemente na energia solar e noutras renováveis. "Estão desejosos de fazer uma cooperação com outros países", diz. A prova foi o discurso do Presidente chinês, Xi Jinping, no World Economic Forum em Davos, onde "deu uma lição de economia política", afirma o investigador, ao comparar o proteccionismo com "estar fechado num quarto escuro, que parece proteger do vento e da chuva, mas também bloqueia o sol". Um recado para Donald Trump. Mas Soromenho-Marques não está optimista em relação ao próprio acordo de Paris porque é um modelo de adesão voluntária e "não há uma autoridade que faça uma verdadeira monitorização, não há sanções, é tudo na base da boa vontade, que é uma coisa que existe escassamente na política internacional". Por outro lado, só entra em vigor em 2020. "É tudo para começar amanhã." No fundo, "dá um tempo à política que a física não dá", conclui.
Cientistas nervosos
A comunidade científica ficou em pânico quando o então candidato à Presidência da República anunciou que, caso fosse eleito, iria cortar verbas públicas na investigação sobre o aquecimento global. Entre os visados está o programa da NASA que, através de uma rede de satélites, estuda as variações de temperatura do planeta e o impacto da actividade humana no clima. Trump alegava que os investigadores praticavam "ciência politizada". No início de Dezembro, um grupo de 800 cientistas escreveu uma carta ao Presidente eleito, que foi divulgada na revista Scientific American, onde pediam que tomasse medidas para combater as alterações climáticas. O corte do financiamento do governo federal à investigação científica "vai ser dramático" numa primeira fase, admite Viriato Soromenho-Marques, porque obriga a "parar programas e a despedir pessoas até se encontrar um mecanismo de substituição". Mas, por outro lado, "na América, existem os filantropos". Pessoas como Bill Gates, Warren Buffett e outros que são anti-Trump. Por isso, o investigador acredita que poderá haver uma substituição dos fundos federais por fundos privados. Até porque, sublinha, há muitos anos que a ciência na América é, em grande parte, financiada pelos privados. Mais do que pelos cofres públicos. Certo é que, por estes dias, o ambiente na comunidade científica dos Estados Unidos está pesado.