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A árvore no centro da transformação agrícola

São cada vez os adeptos em Portugal da chamada agrofloresta sintrópica, que mimetiza o comportamento dos ecossistemas naturais. Desenvolvido por Ernst Götsch – apontado como o “pai da verdadeira revolução verde” –, o conceito alia a produção agrícola à regeneração da paisagem. No nosso país, o número de projetos multiplicou-se nos últimos anos pela mão dos “novos rurais” mas não só. Autarquias e empresas, como a Mendes Gonçalves, estão também a optar por este modo de agricultura regenerativa.
Susana Torrão 09 de Novembro de 2024 às 11:00
Foto em cima: Em Palmela, a empresa Sintropia Temperada implementa sistemas agrícolas com princípios da agricultura sintrópica.


Em Palmela, Fernando Gheiner percorre o antigo pomar de maçã riscadinha, que tem vindo a converter num sistema de agrofloresta sintrópica desde 2022 e a que deu o nome de Sintropia Temperada. Por entre as macieiras, erguem-se choupos, alguns eucaliptos e ciprestes; num nível mais baixo, surgem arbustos como a murta ou o alecrim, e, no que antes era o terreno nu entre as fileiras de árvores, existem várias espécies hortícolas que integram os cabazes que têm como destino uma escola de Almada. Os voluntários afadigam-se a preparar o terreno para a plantação do dia seguinte, durante um "workshop" que juntará 35 pessoas interessadas em saber mais sobre esta forma de produção que tem cada vez mais adeptos em Portugal.

 

A agrofloresta sintrópica de sucessão é um sistema de produção criado pelo investigador e agricultor Ernst Götsch e que se baseia na policultura e na cooperação entre diferentes espécies, cultivadas em vários estratos. Aos princípios comuns de agricultura regenerativa (cobertura do solo, biodiversidade e aposta em plantas verdes que garantam fotossíntese ao longo de todo o ano), Ernst Götsch acrescentou os conceitos de sucessão natural e de estratificação. Num primeiro momento, para intervir num solo degradado, a agrofloresta sintrópica de sucessão recorre a espécies adaptadas a condições de solo mais adversas, geralmente de crescimento rápido, que criam condições favoráveis a espécies mais exigentes. Isso é conseguido através de plantações de policultura, geridas através de podas intensivas, cuja matéria orgânica é devolvida ao solo. De um modo simplificado, ao apostar em mais árvores, o sistema garante uma maior fotossíntese e um aumento de matéria vegetal que, ao ser devolvida ao solo, promove a vida microbiana e a regeneração do terreno.   


Fernando Gheiner tem vindo a converter um antigo pomar num sistema de agrofloresta sintrópica. a que deu o nome de Sintropia Temperada. 


"Neste tipo de sistema, a colheita é uma consequência, não uma meta, já que o objetivo principal é aumentar a fotossíntese e a biomassa no solo", diz Fernando Gheiner. "Na natureza, não há monocultura. Quando fazemos plantações de monocultura com alta densidade, criamos uma monotonia de microvida no solo", alerta Fernando Rebelo, aluno de Götsch, o responsável pelo "workshop" em Palmela e fundador, em conjunto com Hannes Thaler, da Forests 4 Farming, uma estrutura criada para apoiar os agricultores que queiram apostar neste tipo de projetos.

 

Fernando Gheiner ouviu falar neste modo de produção ainda no Brasil, onde fez os primeiros cursos. A mudança para Portugal fez-se já com o intuito de desenvolver um projeto de agricultura regenerativa. "Em maio de 2023, comecei a implementar as primeiras linhas agroflorestais", recorda Gheiner, que lamenta a falta de formação dedicada a estes modos de produção. "Numa região tão agrícola como esta, o IEFP podia fornecer cursos na área", sugere.

 

Aumento de popularidade

 

O "workshop" que teve lugar em outubro na Sintropia Temperada foi um dos dez dedicados à agrofloresta sintrópica de sucessão que tiveram lugar este outono em Portugal, o que mostra o interesse crescente pelo sistema.

 

Felipe Amato acompanha projetos de agrofloresta sintrópica em Portugal e na Europa desde 2017, e sublinha que este movimento começou devagar e ganhou ritmo nos últimos anos. "Em certo sentido, podemos dizer que cresce até demais. Há muita gente a tentar avançar sem perceber os princípios". No seu caso, e enquanto formador e consultor, começou por adaptar a técnica de  Götsch às características da região mediterrânica. "Quando vamos para um ecossistema que não conhecemos, temos de perceber como funciona. Isso passa por entender o clima, o regime de água, as estações de crescimento e quais as espécies a usar para determinadas funções", explica.

 

Da sua experiência, os projetos de agrofloresta sintrópica têm surgido um pouco por todo o país, com maior incidência nas regiões centro e sul. "O facto de as condições agrícolas serem aí mais difíceis faz com que as pessoas estejam mais abertas. Isso passa-se um pouco por toda a Europa", continua Felipe, que acompanha projetos na Provença, Irlanda e Dinamarca.

 

Helena Freitas, coordenadora do projeto Agroecology for weeds – GOOD, testemunha o aumento do interesse por práticas agroecológicas, incluindo a agrofloresta sintrópica. "Somos cada vez mais sensíveis à perceção de que o atual sistema alimentar está a destruir os solos, as águas, os rios… Tem um impacto no sistema ambiental e isso reflete-se na perda progressiva da nossa qualidade de vida", refere a também professora catedrática do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Vivemos uma transição agroecológica e há vontade de incorporar nos sistemas alimentares "conhecimento que torne a agricultura amiga do ambiente", continua Helena Freitas, cuja equipa está a realizar o zonamento agroecológico do país. 

 

São sobretudo os chamados novos rurais que estão a impulsionar os projetos de agricultura sintrópica, apontam Felipe Amato e Fernando Rebelo. Mas também já existem projetos com alguma dimensão que envolvem empresas – como a Mendes Gonçalves, que plantou seis hectares de agrofloresta – e autarquias – o projeto a Bela Flor Respira – Agrofloresta de Campolide envolvia a Junta de Freguesia de Campolide. A estes projetos juntam-se iniciativas como as que são desenvolvidas pelo Centro de Agroecologia de Mértola e que reúne escolas, associações e também a autarquia.

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