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1967: O Verão do Amor

Há 50 anos, São Francisco tornara-se o centro de uma revolução cultural, social e musical, alimentada a rock e LSD. O sonho hippie começou a desmoronar-se no mesmo ano, mas deixou ecos (e muitos grandes discos) que perduram até hoje.

woodstock.com
11 de Agosto de 2017 às 12:31
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Há exactamente 50 anos, nos EUA, uma sociedade maioritariamente conservadora assistiu ao maior movimento migratório da História do país. O destino? São Francisco, de preferência com flores no cabelo.

O Verão de 1967 ficou para sempre conhecido como o "Verão do Amor", uma explosão de protesto e criatividade na qual a música e as drogas assumiram o protagonismo. Foi o ponto alto da cultura hippie, mas as raízes do movimento estavam muitos anos antes, nos heróis literários da contracultura que ficaram conhecidos como a geração Beat.

Desde os anos 40 que Jack Kerouac e os seus comparsas perseguiam uma forma diferente de vida, de viagens à boleia, de música e de libertação dos espartilhos dos costumes da sua geração. Foi na segunda metade da década de 50 que os principais livros beatnik foram editados, tornando-se uma bíblia para todos os miúdos inadequados da América e não só. Mas havia uma grande diferença entre os beats e os hippies que chegariam mais tarde: os primeiros defendiam uma libertação pessoal e até algo solitária, com uma base intelectual; os segundos não se queriam apenas mudar a si próprios, queriam mudar o mundo. São, aliás, bem conhecidas as histórias do desprezo que Kerouac dedicava aos hippies que lhe acampavam à porta, e que o escritor considerava pouco higiénicos e antipatriotas, por se oporem ferozmente à guerra do Vietname.

Foi aliás este conflito militar, que pesava como uma espada sob a cabeça dos jovens americanos, a dar força ao movimento pacifista que servia de aglutinador dos hippies. A contracultura vai fermentando nas universidades, sobretudo da Califórnia. Os cabelos vão ficando mais longos, surgem as flores como símbolo de um idílico regresso ao meio natural e de rejeição do materialismo. E surgem as drogas, nomeadamente o LSD, vendido como uma porta de entrada para uma espiritualidade perdida e mais profunda. Timothy Leary, psicólogo expulso de Harvard, era um dos grandes defensores do ácido, assim como o escritor Ken Kesey. Estavam instalados os alicerces de uma mudança geracional de contornos sísmicos.

Tal como os beats antes deles, também os hippies escolhem São Francisco como a sua pátria espiritual. O bairro de Haight-Ashbury é uma escolha determinada por condições bem prosaicas: as casas são bonitas, grandes e baratas, permitindo a partilha de alojamento por um preço reduzido.

O movimento hippie ganha embalagem a partir do final de 1965 e em todo o ano de 1966, numa altura em que o LSD já tinha deixado de ser um passatempo de intelectuais e chegara às ruas. A sua junção com a música rock consolida-se. Ainda no final de 1965, os Grateful Dead dão os seus primeiros concertos, em festas assumidamente de celebração da conjugação rock/LSD. Em 1966, a música e os grupos parecem vir de todo o lado e multiplicam-se os eventos de rua. A imprensa nacional toma bem nota do fenómeno, e todo o país fica a conhecer o universo libertário de São Francisco. Resultado: enquanto os pais lêem horrorizados as notícias, os filhos só pensam em juntar-se à rebelião hippie.

Depois de uma invasão de umas dezenas de milhares de jovens em 1966, com o eco da imprensa, tudo ia subir de dimensão, tendo como lema o oportuno hino "San Francisco (Be sure to wear flowers in your hair)", editado em Maio de 1967. A canção foi um grande sucesso e serviu de convite para o Verão que se seguia.

A própria comunidade de Haight-Ashbury tentou precaver-se e criar condições para receber muita gente. Mas, quando as férias escolares chegaram, no Verão de 1967, tudo foi infrutífero. Chegou muito mais gente do que o esperado, e nem as autoridades conseguiam dar um número a essa enchente. A cidade e sobretudo o seu bairro mais famoso rebentaram pelas costuras, com multidões - incluindo jovens mal chegados à adolescência - sem sítio para ficar, sem dinheiro e sem apoio. Durante esse Verão, a polícia não teve mãos a medir com a própria logística da operação. Roubos, mendicidade, violações, ataques de pânico devido às drogas, enfim, de tudo um pouco. O paraíso hippie da paz, do amor e da concórdia não conseguiu aguentar sob o peso da fama.

Enquanto tudo não rebentava, e mesmo com o caos já instalado, a música estava em todo o lado e deu um salto acelerado. Os Jefferson Airplane tinham editado o disco de estreia em 1966, mas foi com "Surrealistic Pillow", de Fevereiro de 1967, e o primeiro com Grace Slick como vocalista, que o grupo cresceu comercialmente e se tornou porta-estandarte do movimento. O hino era o surreal "White Rabbit", no qual as drogas eram um tema evidente. Os Quicksilver Messenger Service e os Big Brother and the Holding Company eram também assíduos da cena local, estes últimos entretanto reforçados com a força da natureza que era Janis Joplin. Além dos já mencionados Grateful Dead - o grupo então formado que resistiu até há poucos anos -, outro bom exemplo do som dos tempos era protagonizado pelos Country Joe and the Fish, que assentaram a sua base em São Francisco logo no início de 1966.

Era a verdadeira emergência do movimento acid-rock, que tinha em São Francisco o seu centro, mas não se limitava à Califórnia. Os 13th Floor Elevators, por exemplo, foram dos primeiros a apostar a sério no rock psicadélico, mas vinham do ultraconservador Texas, tal como Joplin.

Do outro lado do Atlântico, a cultura hippie também se fazia sentir, fruto do intenso intercâmbio musical entre a Inglaterra e os EUA. Acima de todos estavam, naturalmente, os Beatles. É de 1967 o histórico "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", álbum conceptual editado em Maio que deixou os músicos rock de todo o mundo a coçar a cabeça e a pensar como seria possível fazer algo tão criativo e ao mesmo tempo acessível (Brian Wilson, dos Beach Boys, foi apenas um deles). Esse disco foi a face mais visível, mas há mais exemplos no Reino Unido. Donovan marcou pontos com o seu "Mellow Yellow", os Moody Blues deram um passo em frente com "Days of Future Passed", e os Cream atacaram com "Disraeli Gears", depois de Jimi Hendrix ter aterrado em Londres e tirado o ceptro a todos os grandes guitarristas locais, de Eric Clapton a Pete Townshend, dos The Who. Num caminho mais próprio houve ainda a estreia em disco dos Pink Floyd, com o psicadelismo tipicamente britânico de "The Piper at the Gates of Dawn".

Também de 1967 - provavelmente o ano da História com a melhor colheita rock - são clássicos incontornáveis como "Forever Changes", dos Love, "Are you Experienced", de Hendrix, ou os dois primeiros discos dos Doors, próximos do movimento hippie, mas sem enveredar muito pelo som psicadélico.

O ponto aglutinador daquele Verão, no que à música diz respeito, foi o Festival de Monterey, em Junho, acabando por praticamente inventar o modelo dos festivais rock e conduzindo ao ainda mais famoso Woodstock, dois anos depois.

Em Monterey, o cartaz era variado. Se o rock do momento foi representado por Jimi Hendrix (que, num ritual que se tornou famoso, incendiou a guitarra em palco), os Big Brother já com Janis Joplin, The Who ou os Jefferson Airplane, o espírito inclusivo do evento trouxe também Otis Redding, Simon and Garfunkel ou Booker T and the Mg's.

Nas ruas de São Francisco, e não só, reinava a atmosfera especial da experimentação em todos os sentidos. Depois dos excessos, quando boa parte da multidão foi para casa, muitos ficaram, ainda assim, para trás. A esmagadora maioria sem abrigo, desorientada, vítima do crime e/ou das drogas.

Em Outubro, deu-se a morte simbólica do Verão do amor, com um cortejo fúnebre dedicado à morte do hippie, "o filho adorado dos mass media". Era a contracultura a matar a sua própria criação, depois de esta se ter tornado mainstream e ter trazido até Haight-Ashbury autocarros com turistas para ver os "freaks".

O sonho hippie continuaria a espalhar-se nos anos seguintes, até ao momento em que a violência provocou o desastre no festival de Altamont, em Dezembro de 1969. A década estava a terminar, e o lirismo do "flower power" acabava, simbolicamente, nesse dia.

Mas São Francisco, no Verão de 1967, foi o centro de uma revolução cultural, musical e social, o delicado ponto de equilíbrio que prometia mudar a História. E que, até certo ponto, mudou. 

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