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É preciso transformar as cidades para se alcançar um mundo sustentável

Ao serem responsáveis por 75% das emissões de carbono, as cidades são o principal alvo de transformação com vista a um mundo mais sustentável. Mas como transformar vilas, cidades e metrópoles inteiras, quando estamos a correr contra o tempo? Particularmente exposto às alterações climáticas e com problemas sérios de planeamento urbanístico, Portugal tem neste um enorme desafio.

11 de Outubro de 2021 às 17:00
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Foto em cima: Maria José Rebelo, diretora de Sustentabilidade dos CTT, Diana Ramos, diretora do Jornal de Negócios, Miguel Eiras Antunes, partner e líder global da área de Smart Cities da Deloitte, e Ricardo Camacho, coordenador da Comissão Técnica de Sustentabilidade da Ordem dos Arquitetos.

O mundo está a braços com uma emergência climática que está a obrigar a uma transformação de toda a sociedade. As cidades, como polos aglutinadores da maioria da população do planeta, representam, por isso, um dos maiores desafios desta transição.

O tema esteve em debate na talk "Bem-Estar e Cidades Sustentáveis - Utopia ou realidade?", que teve lugar a 7 de outubro, naquele que é o segundo ciclo de talks sobre sustentabilidade organizado pelo Jornal de Negócios, e que contou com abertura institucional de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação, e com Carlos Moreno, professor catedrático na Universidade de Paris IAE-Pantheon Sorbonne e diretor científico da cadeira de Empreendedorismo-Território-Inovação, na qualidade de keynote speaker. No debate, moderado pela diretora do Jornal de Negócios, Diana Ramos, estiveram presentes Maria José Rebelo, diretora de Sustentabilidade dos CTT; Francisca Magano, diretora de Políticas de Infância e Juventude da UNICEF Portugal; Luísa Schmidt, socióloga e investigadora principal do ICS; Miguel Eiras Antunes, partner e líder global da área de Smart Cities da Deloitte; e Ricardo Camacho, coordenador da Comissão Técnica de Sustentabilidade da Ordem dos Arquitetos.

Segundo a Organização das Nações Unidas, as cidades representam 60% do produto económico gerado e são responsáveis por 75% das emissões de carbono. Emissões essas que temos de eliminar para chegarmos à neutralidade carbónica. Então, "não há outra forma de resolvermos os nossos problemas relacionados com sustentabilidade ambiental sem ser através das cidades", começa por referir Miguel Eiras Antunes. Mas isto representa "um grande desafio, porque cada cidade é independente e a única forma de termos um impacto relevante na sociedade é trabalharmos de forma relativamente integrada. Não chega Lisboa, Porto, Braga ou Viseu fazerem coisas, porque isso não vai ter impacto relevante. Para ter impacto tem de ser feito de uma forma relativamente coordenada", acrescentou.

A parte da proximidade às populações, que se prende com as cidades dos 15 minutos, é intrínseca à missão dos CTT desde sempre. Maria José Rebelo, diretora de Sustentabilidade dos CTT
É absolutamente urgente criar e pensar em cidades que respondem a estes desafios e que pensam nas crianças e se articulam com os direitos das crianças. Como o fazemos? Com uma governação participada. Francisca Magano, diretora de Políticas de Infância e Juventude da UNICEF Portugal
Mas como conciliar cidades com um passado e repletas de história com adaptações que são necessárias fazer em nome da sustentabilidade? "A história da cidade é essa constante refundação", assinalou Ricardo Camacho. Em constante processo de transformação, no caso da adaptação às alterações climáticas, este é um processo que já está em marcha.

Um país sem ordenamento

Pela sua posição costeira e com clima mediterrânico, Portugal é um dos países da Europa mais vulneráveis às alterações climáticas. Ao que acresce problemas graves de ordenamento do território. "O curioso nas cidades é que tanto podem sofrer com os impactos dos eventos extremos das alterações climáticas, como podem elas próprias, pelo seu mau planeamento, originar e ampliar esses fenómenos. Por exemplo, nós temos em Portugal problemas graves ligados aos leitos de cheia em zonas construídas que nunca deveriam ter sido ocupadas. Temos muitas zonas impermeabilizadas que vão causar problemas quando houver esses eventos extremos. Construímos em zonas costeiras vulneráveis, que estão sujeitas à subida do nível médio do mar e aí também vamos ter problemas. De facto, em Portugal, houve falta de planeamento durante muito tempo. Mesmo hoje continuam os problemas. O planeamento é algo que nós não conseguimos assumir como deve ser", assinala a socióloga Luísa Schmidt.

Como representante da Ordem dos Arquitetos, Ricardo Camacho reforça que o ordenamento do território tem um papel vital para tornar as cidades mais sustentáveis. Porém, "num país onde 97% é privado, é muito difícil pensarmos numa implementação a grande escala de grandes medidas. Porque, na realidade, a dependência da propriedade privada é enorme". Por outro lado, devido à concentração de pessoas na cidade, "a ideia de atingir a neutralidade está muito mais dependente das nossas casas do que de grandes ações a grande escala no território. Segundo valores da Comissão Europeia, 85 a 95% dos edifícios vão ser os mesmos em 2050. Garantir a eficiência desses edifícios é fundamental".

Os edifícios representam 40% das emissões de carbono e as infraestruturas representam 60%. Estamos a falar de ativos físicos que temos de transformar. Tem de haver políticas muito assertivas e urgentes para conseguirmos atingir as metas. Miguel Eiras Antunes, partner e líder glogal da área de Smart Cities da Deloitte
Em Portugal, houve falta de planeamento durante muito tempo. Mesmo hoje continuam os problemas. O planeamento é algo que nós não conseguimos assumir como deve ser. Luísa Schmidt, socióloga e investigadora principal do ICS
Na mesma linha, para Miguel Eiras Antunes, o edificado está, a par da mobilidade e os resíduos, entre as principais áreas onde é preciso atuar. "Os edifícios representam 40% das emissões de carbono e as infraestruturas representam 60%. Estamos a falar de ativos físicos que temos de transformar. Tem de haver políticas muito assertivas e urgentes para conseguirmos atingir as metas. Nos edifícios e infraestruturas, está tudo por fazer, pois 85% são zero sustentáveis. E aqui acho que devia ser o setor público a dar o exemplo, pois cria-se uma avalancha de arrasto para o resto da sociedade", refere o consultor.

Outra área consensual onde é preciso atuar é nos transportes, apesar de aqui a transformação já estar mais avançada em termos de soluções encontradas, como a mobilidade elétrica, a mobilidade como serviço, a transformação da logística urbana, etc. Porém, para a socióloga presente no debate, com as pessoas a viver cada vez mais longe dos centros da cidade, o problema da mobilidade está longe de estar resolvido: "Não podemos querer uma cidade de 15 minutos e depois ter as pessoas a viver cada vez mais longe. Porque o que tem acontecido em Portugal é que as pessoas têm sido expulsas do centro das cidades. Em quase todas as capitais de distrito isto é já um problema gravíssimo. Estamos a falar em 60 minutos ou mais e não de 15. Há ainda outro problema grave em Portugal que é a dependência rodoviária por falta de transportes eficientes. Não se investiu durante décadas no comboio e no metro e as pessoas estão dependentes de transporte rodoviário. Não chega fazer as pistas para as bicicletas e as trotinetas, quando se sabe que entram cada vez mais automóveis numa cidade como Lisboa ou Porto. É preciso regulação, são precisas políticas públicas de solos, habitação, arrendamento e de transportes. Ou não vamos conseguir dar o salto para aquilo que é uma cidade de 15 minutos, uma cidade de bem-estar."

As cidades que queremos

Um processo de transformação global e transversal solicita a participação de todos os agentes da sociedade, desde os poderes públicos aos cidadãos e passando pelas empresas. Com 500 anos de história, os CTT são um exemplo disso, pois têm acompanhado a evolução da sociedade e das próprias cidades. Maria José Rebelo conta que esta evolução tem tido impacto no negócio ao longo dos anos e que, mais uma vez, estão a transformar-se para abraçar essa mudança: "A parte da proximidade às populações, que se prende com as cidades dos 15 minutos, é intrínseca à missão dos CTT desde sempre. Temos uma rede com mais de 2000 pontos, portanto, sabemos que a nossa capilaridade é de facto uma vantagem competitiva no território nacional". Atualmente com uma frota que percorre cerca de 65 milhões de quilómetros todos os anos, a mudança da empresa está a ser feita a vários níveis, nomeadamente, na alteração da frota para carros elétricos, com o recurso exclusivamente a energia verde para a operação da empresa e com o desenvolvimento de novas soluções para os clientes. Uma dessas novas soluções é a disseminação de cacifos automáticos. "Conseguimos otimizar as rotas para colocação das encomendas num único sítio. Isto tem um impacto necessariamente positivo a nível ambiental e carbónico, mas também ao nível das pessoas que o usam. Estes cacifos estão localizados em pontos estratégicos das cidades, seja junto de supermercados, em plataformas intermodais de transporte, ou em parques escolares, de forma que as pessoas não tenham de se deslocar ou desviar da sua rota para poderem levantar as suas encomendas", explica.

A ideia de atingir a neutralidade está muito mais dependente das nossas casas do que de grandes ações a grande escala no território. Segundo valores da Comissão Europeia, 85 a 95% dos edifícios vão ser os mesmos em 2050. Garantir a eficiência desses edifícios é fundamental. Ricardo Camacho, coordenador da Comissão Técnica de Sustentabilidade da Ordem dos Arquitetos
Com os maiores impactos das alterações climáticas ainda por vir, serão as crianças de hoje que irão sofrer as maiores consequências. Presente no debate em defesa dos mais vulneráveis, Francisca Magano recordou alguns números avassaladores: 820 milhões de crianças estão expostas a ondas de calor e 90% das crianças no mundo estão expostas à poluição do ar, portanto, respiram ar que não é de qualidade. "É absolutamente urgente criar e pensar em cidades que respondem a estes desafios e que pensam nas crianças e se articulam com os direitos das crianças. Como o fazemos? Com uma governação participada. Consultar e envolver as crianças é o que tem de ser feito com maior urgência." A responsável da UNICEF reforçou que as cidades devem ser feitas para as pessoas e afirmar direitos humanos: "Cidades sustentáveis são cidades que garantem direitos básicos, como água, saneamento e habitação digna", concluiu.

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