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Quais serão os fatores transformadores das empresas?
Digitalização e sustentabilidade. A primeira transformou os modelos de negócio e quem ficou fora de jogo está a perder o pé. É o mesmo com a sustentabilidade numa segunda vaga. Daqui a dez anos as empresas líderes vão ser as que melhor compreendam e consigam navegar esta tendência.
De onde surge a pressão?
Investidores, consumidores e reguladores vão exigir cada vez mais. Como o risco aumenta quando a empresa não é sustentável, o capital vai aumentar de preço. O comportamento do consumidor também está a mudar rapidamente e prefere marcas sustentáveis. E o regulador também está a apertar a malha. Por outro lado, o bilião de euros de investimento do Green Deal europeu é uma oportunidade de negócio. Há empresários portugueses a explorá-las em alguns nichos, não em larga escala.
A pandemia pode acelerar ou travar esse trajeto?
Todos tomámos consciência de quão vulneráveis somos ainda, apesar da tecnologia, riqueza e conhecimento. Este susto serviu para uma tomada de consciência global que perdurará. Não sei se se irá traduzir a curto prazo em alterações profundas ao nosso comportamento e modelo de desenvolvimento, mas ficará cá essa semente da urgência de uma mudança.
Mas houve temas que pareceram sair da agenda, como os ambientais e sociais.
A indicação que temos da Europa é que temos de fazer desta crise uma oportunidade para a sustentabilidade. Na crise de 2008/2011 demos uma resposta de curto prazo, que injetou liquidez na economia e procurou recuperar o sistema financeiro. Mas não transformou o modelo de desenvolvimento. Mudaram-se as regras do sistema bancário, no caso português houve a subida das exportações forçada por um choque externo, mas a reestruturação da economia e da sociedade não foi profunda, a ponto de rever as premissas em que assenta e passar a integrar no modelo as variáveis ambientais e sociais, com igual importância à económica.
Vê um caminho diferente?
Está a dizer-se que temos de recuperar as empresas e o emprego, desta vez no quadro da sustentabilidade. Até porque desde essa crise houve dois acordos internacionais assinados pela generalidade dos países: os objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU e o Acordo de Paris. A par do Green Deal vêm trazer toda uma nova cartografia para as empresas e também para o cidadão comum, hoje muito mais consciente destes temas do que há dez anos.
Essa orientação não será abandonada no pós-covid?
Não acho. Aliás, o Governo e a União Europeia não só não puseram em causa os planos já assumidos, como reforçaram a sua importância. A preocupação com a sobrevivência e a saúde numa pandemia pode ser gerida em paralelo com outros desafios. Não tenho dúvidas de que este tempo de confinamento foi um ensaio geral de três meses para o que será a nossa vida quotidiana em 2050, fruto das alterações climáticas, se nada acontecer para travar as emissões. Não vai haver condomínio fechado ou “bunker” para ficar à margem das alterações climáticas, pandemias e da biodiversidade. Claro que a pobreza e as pessoas são uma parte-chave da equação porque sem elas não há ambiente. Mas vamos ter de ser capazes de viver com menos bens e melhor consumo. E isso não é uma má notícia.
Secretário-geral do BCSD Portugal - Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável