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Foto em cima: Diana Ramos, diretora do Jornal de Negócios, Miguel Maya, CEO do Millennium bcp, Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisbon, João Pratas, presidente da APFIPP, e Sofia Santos, Sustainable & Conscientious Economist na Systemic Sphere.
No primeiro painel da talk organizada pelo Jornal de Negócios, a 21 de outubro, sob o mote "Finanças Sustentáveis - Boas práticas compensam", foram debatidos os critérios ESG (Environmental, Social and Governance, que correspondem a fatores de natureza ambiental, social e de governo das entidades) nas decisões de investimento. O debate contou com a participação de Miguel Maya, CEO do Millennium bcp, Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisbon, João Pratas, presidente da APFIPP - Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Património, e Sofia Santos, Sustainable & Conscientious Economist na Systemic Sphere. Uma vez mais, a moderação esteve a cargo de Diana Ramos, diretora do Jornal de Negócios.
O debate arrancou com um posicionamento de Portugal em relação ao resto da Europa em termos de políticas de finanças sustentáveis. Para Miguel Maya, o momento é de ação: "Temos a responsabilidade de passarmos da palavra aos atos. O tempo é de atuação e tem de haver um enorme sentido de urgência no tratamento de todas as questões que emergem da transição climática. Essa é a nossa missão. Não diria que estamos atrasados, diria que há muita coisa que está feita e há muita coisa para fazer." O CEO ressaltou, no entanto, que já há uma clara consciência da dimensão do desafio das alterações climáticas e da importância de mobilizar as instituições para trabalharem em conjunto. "Os conceitos começam a estar cada vez mais alinhados, portanto, começamos a conseguir comunicar uns com os outros e a saber do que é que estamos a falar. Agora, falta passar das palavras aos atos. É importante passar da informação para a inovação", acrescentou.
Muitas empresas estão a entrar no mercado de capitais sustentáveis para financiarem a sua transição. Como representante da Euronext, Isabel Ucha salientou que "o mercado de capitais tem um papel absolutamente crítico na temática que estamos a discutir. Vão ser precisos vários triliões de euros por ano, durante muitos anos, para financiar este enorme desafio que temos pela frente, de transformar as fontes de energia, de transformar a forma como produzimos, de transformar a forma como estamos no mundo. Como já vimos no passado, estas grandes transformações precisam de volumes de investimento enormes e o mercado de capitais é, por excelência, o ecossistema adequado para mobilizar esses montantes de capital."
Além do papel vital do mercado de capitais para a ambicionada transição até 2030 e 2050, a CEO reforçou também o caráter de urgência aliado à transformação do mundo: "Temos de acelerar este processo. Aliás, o contexto que estamos a ver neste momento de alguma disrupção no mercado energético só vem mostrar que o investimento tem de acelerar e que o financiamento vai ser absolutamente crítico."
Mercado precisa de mais informação
A par da transformação do mundo, no mercado de capitais, entram também em ação os ativos sustentáveis que têm em conta critérios ambientais, sociais e de governação (ESG). "Uma ideia ótima para acelerar a mudança", referiu João Pratas. Porém, "as autoridades públicas fizeram legislação que obriga os gestores a terem em conta riscos de sustentabilidade e obrigar todos estes triliões a fazerem a mudança. Mas gostava de salientar que há ainda muita informação em falta e, para isto funcionar e conseguirmos os tais objetivos de 2030 e 2050, é preciso que a informação que falta apareça, que seja bem trabalhada e compreendida, quer pelos operadores de mercado quer pelos supervisores, nomeadamente em termos de estandardização, porque a matéria é muito complexa e se estivermos todos a falar de uma coisa diferente isto não vai funcionar".
Neste sentido, Sofia Santos salientou que se está a criar uma nova contabilidade e que é normal que tal cause naturalmente algum atrito: "A contabilidade bancária existe desde sempre, mas atualmente estamos a criar uma outra contabilidade, um outro registo de informação de sustentabilidade. Portanto, é normal que nesta fase existam falhas de informação, existam conceitos que não estão bem definidos e que exista a necessidade de criar essa metodologia."
E tal passa por começar por definir o que são realmente atividades sustentáveis. "É preciso clarificar quais são as obrigações de reporte que estão em cima da mesa. O que vai surgindo depois são outras obrigatoriedades de reporte nos setores da banca e dos fundos de investimento e a que os rácios de capital vão estar associados à exposição que cada um tem às atividades não sustentáveis. É aí que se dá o driver, o motivo pelo qual pode uma instituição financeira preferir emprestar mais verde, porque se emprestar mais verde então retém menos capital do que eventualmente se emprestar castanho. Ainda está tudo por definir. Portanto, é um bocadinho isto que está em cima da mesa, definir o que são atividades sustentáveis", acrescentou.
Sobre esta questão, Isabel Ucha salientou também que todos os intervenientes têm de aprender mais sobre o tema. Algo "que não é fácil porque há uma componente muito científica, science -based, e temos de reunir esse conhecimento de várias fontes". E exemplificou: "A maior parte dos fundos que temos listados nos últimos anos são fundos ESG. Como temos endereçado este desafio? Através de parcerias com entidades especialistas, muitas delas ONG ou outras, que nos trazem precisamente esse conhecimento para criarmos estes índices.
Foi, assim, referido também que nesta transformação é preciso trazer mais conhecimento às instituições financeiras que não apenas o know-how financeiro, pois é preciso compreender o que é preciso mudar e adaptar para se conseguir um mundo mais verde e transferir esse conhecimento para a realidade financeira.
Critérios ESG como impulsionadores da mudança
Apesar de ainda reinar alguma confusão, o interesse pelo "verde" já existe e tal comprova-se, segundo a CEO da Euronext, pelo comportamento do mercado. "Mais de 90% dos índices que criámos nos últimos três anos são todos índices com critérios de sustentabilidade, o que mostra que a procura por parte dos investidores, de facto, é esmagadora, para criar novos fundos e novas opções de investimento com estas características". Porém, o mundo na sua totalidade não é verde, pelo que "deverão ser deixadas opções aos investidores para terem uma atitude progressiva nesta trajetória. Não vamos conseguir mudar o mundo de um dia para o outro. Isto é uma revolução que vamos ter de fazer nos próximos 20 anos", ressaltou Isabel Ucha.
Miguel Maya corroborou no mesmo sentido de que ninguém deve ser deixado para trás. "Não é relevante que a empresa seja do setor A, B ou C, é importante que o financiamento seja provavelmente para descarbonizar essa empresa na forma como exerce a sua atividade. Por isso, um tema particularmente importante é como é que os incentivos vão ser definidos. Temos de criar condições para que as empresas debaixo de riscos específicos consigam ter modelos de negócio resilientes às alterações climáticas", recordando que Portugal, integrado no Mediterrâneo onde as alterações climáticas têm forte impacto, tem riscos elevados e não deve ser penalizado por isso.
Como representante da Associação de Fundos de Investimento, João Pratas destacou que "o mundo não pode excluir de repente tudo o que não é completamente verde, porque a maior parte do mundo não é completamente verde. O que é preciso é ter um fundo de investimento que agora é de 30%, porque de certeza que vai fazer um esforço para chegar a 35%, a 40% e a 45%. E isso é que vai fazer o mundo mudar. Nós queremos que todo o mundo sinta a pressão da mudança."
Assim, numa realidade emergente e ainda "cinzenta", Sofia Santos clarificou que "a taxonomia inclui atividades que são sustentáveis per si, inclui atividades de transição e inclui atividades que são chamadas enablers. Ou seja, a taxonomia não exclui a transição". E exemplifica: "As enablers que podem ser consideradas dentro do ativo verde são as atividades que promovem outros setores a serem mais eficientes. Por exemplo, fábricas que produzam janelas eficientes. São consideradas enablers porque promovem a eficiência energética dos edifícios. Nada impede que uma empresa que ainda não consegue atingir os níveis da taxonomia vá buscar dinheiro a uma obrigação verde. Há aqui um mundo cinzento no meio."
Em toda esta complexidade, foi consensual que são necessários incentivos para ajudar o mercado a mudar. "Eu posso financiar um projeto, mas se esse projeto tiver custos que tornam a empresa não competitiva à escala global, não há nada a fazer. Ou se cria um incentivo para que, em resultado da adoção de uma tecnologia mais limpa, eu tenha condições de continuar a ser um operador à escala mundial ou então é uma ficção. Eu faço o financiamento, mas a seguir não consigo vender o produto porque não tenho preço para vender o produto", destacou Miguel Maya. Assim, acrescentou o CEO, "o que vai assegurar a transição é um level plainying field à escala global. Se nós formos os primeiros a fazer a transição, o nosso produto não for competitivo e podermos importar esse produto - e esse produto entrar pelas fronteiras da Europa ou de Portugal sem nenhuma penalização, por na sua produção ter utilizado tecnologias do passado -, o problema não estará no financiamento. Este problema não é resolúvel à escala local, daí a importância da COP26 que se vai realizar. Poucas vezes o mundo teve um desafio que exige enorme competição, mas simultaneamente uma enorme cooperação".
No primeiro painel da talk organizada pelo Jornal de Negócios, a 21 de outubro, sob o mote "Finanças Sustentáveis - Boas práticas compensam", foram debatidos os critérios ESG (Environmental, Social and Governance, que correspondem a fatores de natureza ambiental, social e de governo das entidades) nas decisões de investimento. O debate contou com a participação de Miguel Maya, CEO do Millennium bcp, Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisbon, João Pratas, presidente da APFIPP - Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Património, e Sofia Santos, Sustainable & Conscientious Economist na Systemic Sphere. Uma vez mais, a moderação esteve a cargo de Diana Ramos, diretora do Jornal de Negócios.
O debate arrancou com um posicionamento de Portugal em relação ao resto da Europa em termos de políticas de finanças sustentáveis. Para Miguel Maya, o momento é de ação: "Temos a responsabilidade de passarmos da palavra aos atos. O tempo é de atuação e tem de haver um enorme sentido de urgência no tratamento de todas as questões que emergem da transição climática. Essa é a nossa missão. Não diria que estamos atrasados, diria que há muita coisa que está feita e há muita coisa para fazer." O CEO ressaltou, no entanto, que já há uma clara consciência da dimensão do desafio das alterações climáticas e da importância de mobilizar as instituições para trabalharem em conjunto. "Os conceitos começam a estar cada vez mais alinhados, portanto, começamos a conseguir comunicar uns com os outros e a saber do que é que estamos a falar. Agora, falta passar das palavras aos atos. É importante passar da informação para a inovação", acrescentou.
Muitas empresas estão a entrar no mercado de capitais sustentáveis para financiarem a sua transição. Como representante da Euronext, Isabel Ucha salientou que "o mercado de capitais tem um papel absolutamente crítico na temática que estamos a discutir. Vão ser precisos vários triliões de euros por ano, durante muitos anos, para financiar este enorme desafio que temos pela frente, de transformar as fontes de energia, de transformar a forma como produzimos, de transformar a forma como estamos no mundo. Como já vimos no passado, estas grandes transformações precisam de volumes de investimento enormes e o mercado de capitais é, por excelência, o ecossistema adequado para mobilizar esses montantes de capital."
Além do papel vital do mercado de capitais para a ambicionada transição até 2030 e 2050, a CEO reforçou também o caráter de urgência aliado à transformação do mundo: "Temos de acelerar este processo. Aliás, o contexto que estamos a ver neste momento de alguma disrupção no mercado energético só vem mostrar que o investimento tem de acelerar e que o financiamento vai ser absolutamente crítico."
Mercado precisa de mais informação
A par da transformação do mundo, no mercado de capitais, entram também em ação os ativos sustentáveis que têm em conta critérios ambientais, sociais e de governação (ESG). "Uma ideia ótima para acelerar a mudança", referiu João Pratas. Porém, "as autoridades públicas fizeram legislação que obriga os gestores a terem em conta riscos de sustentabilidade e obrigar todos estes triliões a fazerem a mudança. Mas gostava de salientar que há ainda muita informação em falta e, para isto funcionar e conseguirmos os tais objetivos de 2030 e 2050, é preciso que a informação que falta apareça, que seja bem trabalhada e compreendida, quer pelos operadores de mercado quer pelos supervisores, nomeadamente em termos de estandardização, porque a matéria é muito complexa e se estivermos todos a falar de uma coisa diferente isto não vai funcionar".
Neste sentido, Sofia Santos salientou que se está a criar uma nova contabilidade e que é normal que tal cause naturalmente algum atrito: "A contabilidade bancária existe desde sempre, mas atualmente estamos a criar uma outra contabilidade, um outro registo de informação de sustentabilidade. Portanto, é normal que nesta fase existam falhas de informação, existam conceitos que não estão bem definidos e que exista a necessidade de criar essa metodologia."
E tal passa por começar por definir o que são realmente atividades sustentáveis. "É preciso clarificar quais são as obrigações de reporte que estão em cima da mesa. O que vai surgindo depois são outras obrigatoriedades de reporte nos setores da banca e dos fundos de investimento e a que os rácios de capital vão estar associados à exposição que cada um tem às atividades não sustentáveis. É aí que se dá o driver, o motivo pelo qual pode uma instituição financeira preferir emprestar mais verde, porque se emprestar mais verde então retém menos capital do que eventualmente se emprestar castanho. Ainda está tudo por definir. Portanto, é um bocadinho isto que está em cima da mesa, definir o que são atividades sustentáveis", acrescentou.
Sobre esta questão, Isabel Ucha salientou também que todos os intervenientes têm de aprender mais sobre o tema. Algo "que não é fácil porque há uma componente muito científica, science -based, e temos de reunir esse conhecimento de várias fontes". E exemplificou: "A maior parte dos fundos que temos listados nos últimos anos são fundos ESG. Como temos endereçado este desafio? Através de parcerias com entidades especialistas, muitas delas ONG ou outras, que nos trazem precisamente esse conhecimento para criarmos estes índices.
Foi, assim, referido também que nesta transformação é preciso trazer mais conhecimento às instituições financeiras que não apenas o know-how financeiro, pois é preciso compreender o que é preciso mudar e adaptar para se conseguir um mundo mais verde e transferir esse conhecimento para a realidade financeira.
Critérios ESG como impulsionadores da mudança
Apesar de ainda reinar alguma confusão, o interesse pelo "verde" já existe e tal comprova-se, segundo a CEO da Euronext, pelo comportamento do mercado. "Mais de 90% dos índices que criámos nos últimos três anos são todos índices com critérios de sustentabilidade, o que mostra que a procura por parte dos investidores, de facto, é esmagadora, para criar novos fundos e novas opções de investimento com estas características". Porém, o mundo na sua totalidade não é verde, pelo que "deverão ser deixadas opções aos investidores para terem uma atitude progressiva nesta trajetória. Não vamos conseguir mudar o mundo de um dia para o outro. Isto é uma revolução que vamos ter de fazer nos próximos 20 anos", ressaltou Isabel Ucha.
Miguel Maya corroborou no mesmo sentido de que ninguém deve ser deixado para trás. "Não é relevante que a empresa seja do setor A, B ou C, é importante que o financiamento seja provavelmente para descarbonizar essa empresa na forma como exerce a sua atividade. Por isso, um tema particularmente importante é como é que os incentivos vão ser definidos. Temos de criar condições para que as empresas debaixo de riscos específicos consigam ter modelos de negócio resilientes às alterações climáticas", recordando que Portugal, integrado no Mediterrâneo onde as alterações climáticas têm forte impacto, tem riscos elevados e não deve ser penalizado por isso.
Como representante da Associação de Fundos de Investimento, João Pratas destacou que "o mundo não pode excluir de repente tudo o que não é completamente verde, porque a maior parte do mundo não é completamente verde. O que é preciso é ter um fundo de investimento que agora é de 30%, porque de certeza que vai fazer um esforço para chegar a 35%, a 40% e a 45%. E isso é que vai fazer o mundo mudar. Nós queremos que todo o mundo sinta a pressão da mudança."
Assim, numa realidade emergente e ainda "cinzenta", Sofia Santos clarificou que "a taxonomia inclui atividades que são sustentáveis per si, inclui atividades de transição e inclui atividades que são chamadas enablers. Ou seja, a taxonomia não exclui a transição". E exemplifica: "As enablers que podem ser consideradas dentro do ativo verde são as atividades que promovem outros setores a serem mais eficientes. Por exemplo, fábricas que produzam janelas eficientes. São consideradas enablers porque promovem a eficiência energética dos edifícios. Nada impede que uma empresa que ainda não consegue atingir os níveis da taxonomia vá buscar dinheiro a uma obrigação verde. Há aqui um mundo cinzento no meio."
Em toda esta complexidade, foi consensual que são necessários incentivos para ajudar o mercado a mudar. "Eu posso financiar um projeto, mas se esse projeto tiver custos que tornam a empresa não competitiva à escala global, não há nada a fazer. Ou se cria um incentivo para que, em resultado da adoção de uma tecnologia mais limpa, eu tenha condições de continuar a ser um operador à escala mundial ou então é uma ficção. Eu faço o financiamento, mas a seguir não consigo vender o produto porque não tenho preço para vender o produto", destacou Miguel Maya. Assim, acrescentou o CEO, "o que vai assegurar a transição é um level plainying field à escala global. Se nós formos os primeiros a fazer a transição, o nosso produto não for competitivo e podermos importar esse produto - e esse produto entrar pelas fronteiras da Europa ou de Portugal sem nenhuma penalização, por na sua produção ter utilizado tecnologias do passado -, o problema não estará no financiamento. Este problema não é resolúvel à escala local, daí a importância da COP26 que se vai realizar. Poucas vezes o mundo teve um desafio que exige enorme competição, mas simultaneamente uma enorme cooperação".