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Mais de metade dos oito mil milhões de pessoas que compõem a população mundial vivem em cerca de um quinto (20%) do território. Os dados, das Nações Unidas, são preocupantes porque apontam para uma excessiva concentração que não permite que todos tenham acesso a uma vida digna. Adicionalmente, a mesma fonte antecipa um acréscimo populacional na ordem dos 2,4 mil milhões até 2050-2060, que exige medidas urgentes desde já. O momento é, por isso, de mudança, e não é difícil perceber que o mundo está em ebulição e que se vive uma época disruptiva da História.
"Vivemos atualmente num mundo multipolar, em termos de liderança, difícil de perceber", disse Tim Marshall no keynote que abriu esta semana o segundo de três encontros do ciclo de conferências ESG, promovido pelo Jornal de Negócios e integrado na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. O jornalista e autor britânico, reconhecido pela sua experiência na análise da geopolítica e que cobriu vários conflitos ao longo de mais de trinta anos de carreira, acredita que "regressaremos a um mundo bipolar, com o poder repartido entre Estados Unidos e China, só não sabemos quando". E é desta liderança, determinada pelo poder económico, que depende o rumo do planeta.
Na conferência que teve por objetivo abordar o pilar Social da tríade ESG (Ambiente, Social e Governação em português), os temas em destaque foram os desafios da demografia e da habitação, e o seu impacto na economia e na competitividade do país. A presença de Tim Marshall, que participou por videoconferência, trouxe ao encontro um olhar macro sobre o mundo, com enfoque igualmente nos desafios sociais com que se debate.
É preciso estabilidade para travar migrações
Alterações climáticas, conflitos e pobreza são fatores que, isoladamente, impulsionam as migrações, mas que em conjunto criam um efeito multiplicador sobre este movimento que está a contribuir para a deslocação de milhões de pessoas em todo o mundo. A procura por melhores condições de vida está, no entanto, a provocar uma pressão sobre os países mais a norte do globo, nomeadamente a Europa e os Estados Unidos, que se debatem com outras questões desafiantes como a transição energética ou as alterações climáticas, que podem pôr em causa a sobrevivência de todo o planeta.
Mas o rumo dos desafios atuais está igualmente muito dependente da liderança do mundo, uma competição permanente entre as denominadas grandes potências. Tim Marshall recorda a História mais recente em que os protagonistas foram praticamente sempre os mesmos, com pequenas nuances que, ainda assim, determinaram mudanças que conduziram o mundo ao ponto em que se encontra atualmente. Desde o fim da IIª Guerra Mundial, em 1945, até à queda do muro de Berlim, em 1989, a liderança e o poder económico foram repartidos entre Estados Unidos e Rússia. Com o desmantelamento da União Soviética, o poder ficou do lado dos norte-americanos, que tomaram a liderança unipolar até 2008. Desde então, União Europeia e países da NATO procuram garantir o poder económico mundial, mas a teia geopolítica não tem permitido que assim seja. A ascensão da China tem sido notável, a quebra das relações da Rússia com o Ocidente está a levar o país a aprofundar relações económicas a Oriente e "está a mudar o rumo da História", defende Marshall. Ainda assim, o autor do recém-lançado livro ‘O poder da geografia’, que examina a importância de países e áreas emergentes numa nova era de rivalidade entre grandes potências - da Austrália à Europa, Médio Oriente, África e até mesmo as reivindicações ao espaço sideral -, acredita que os Estados Unidos continuam a ser o país mais poderoso do mundo, com a China e um conjunto de outros países "muito atrás, mas a tentar chegar ao mesmo nível".
À parte destes intrincados jogos de poder, o orador alertou ainda para a necessidade de acelerar a transição energética, com vista a reduzir o impacto das alterações climáticas que, por sua vez, são responsáveis por grande parte da instabilidade global. Aqui, defende, a tecnologia em geral, e a inteligência artificial (IA), em particular, podem dar um importante contributo "desde que seja possível assegurar as matérias-primas que sustentam a tecnologia, nomeadamente minerais como o cobre ou o lítio".
Portugal esqueceu a transição demográfica
Falta de visão de longo prazo, de planeamento e de ação caraterizam o país que se debate com desafios demográficos que se arrastam há décadas, muitos deles agravados pela atual crise da habitação, que "não será resolvida pelo pacote Mais Habitação". Conclusões retiradas pelos vários especialistas que marcaram presença na ‘Conferência Social - Os desafios da demografia e da habitação’, e que dinamizaram o debate repartido por dois painéis.
Acima de tudo, na opinião dos participantes no primeiro painel do dia, é preciso preparar os sistemas de proteção social e de saúde para esta realidade, e como ferramenta de combate à pobreza. "As questões demográficas são estruturais e exigem um planeamento que não tem sido feito", salienta Lara Patrício Tavares, professora no Instituto de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Opinião partilhada por Maria João Moreira, professora no Instituto Politécnico de Castelo Branco que reforça: "falta uma estratégia demográfica que tenha em conta a natalidade, através de políticas que não podem ser iguais para todos".
Em paralelo, os participantes alertam para a necessidade de debater o envelhecimento de forma séria e consciente porque esta tendência é irreversível, não pode ser travada, e exige adaptação. "Temos de ver o envelhecimento de forma positiva e como uma oportunidade, tirando partida do capital intelectual e da experiência de vida de cada um", aponta Maria João Moreira, "e evitar um idadismo perigoso que já existe na sociedade, completa Adalberto Campos Fernandes.
Sobre os problemas da habitação, e já num segundo momento de debate, Ricardo Pedrosa Gomes mostrou-se bastante crítico do Pacote Mais Habitação, que comparou com a Aspirina: "acerta em todas as áreas, não faz mal, mas não vai resolver problema nenhum". Para o presidente da AECOPS, associação do sector da construção, "o Estado esteve décadas ausente e nunca resolveu os problemas, que cresceram e pioraram". Agora, refere ainda, o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) vem repor a falha do Estado nas últimas décadas, "mas não chega". Já para Vera Barros, é difícil ter boas políticas públicas para problemas que não estão diagnosticados. "É preciso diagnosticar, o que nunca foi feito", disse a economista.
Sem ter tido a oportunidade de ouvir as críticas e propostas dos especialistas sobre a temática da habitação, Marina Gonçalves, ministra da Habitação, defendeu "uma resposta intergeracional aos problemas da habitação". No seu discurso de abertura desta conferência, a governante destacou a importância do modelo de habitação colaborativa, aprovado pelo governo no final de agosto, como um primeiro passo para o desenvolvimento de uma ferramenta que é simultaneamente parte da solução para a escassez habitacional e para a inclusão dos mais velhos. No entanto, reconheceu que é um projeto que "precisa de crescer em políticas públicas e modos de fazer". Políticas robustas de habitação são essenciais mas, concluiu a ministra, "a resposta pública não é suficiente e precisa do trabalho privados e social".
"Vivemos atualmente num mundo multipolar, em termos de liderança, difícil de perceber", disse Tim Marshall no keynote que abriu esta semana o segundo de três encontros do ciclo de conferências ESG, promovido pelo Jornal de Negócios e integrado na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. O jornalista e autor britânico, reconhecido pela sua experiência na análise da geopolítica e que cobriu vários conflitos ao longo de mais de trinta anos de carreira, acredita que "regressaremos a um mundo bipolar, com o poder repartido entre Estados Unidos e China, só não sabemos quando". E é desta liderança, determinada pelo poder económico, que depende o rumo do planeta.
Na conferência que teve por objetivo abordar o pilar Social da tríade ESG (Ambiente, Social e Governação em português), os temas em destaque foram os desafios da demografia e da habitação, e o seu impacto na economia e na competitividade do país. A presença de Tim Marshall, que participou por videoconferência, trouxe ao encontro um olhar macro sobre o mundo, com enfoque igualmente nos desafios sociais com que se debate.
É preciso estabilidade para travar migrações
Alterações climáticas, conflitos e pobreza são fatores que, isoladamente, impulsionam as migrações, mas que em conjunto criam um efeito multiplicador sobre este movimento que está a contribuir para a deslocação de milhões de pessoas em todo o mundo. A procura por melhores condições de vida está, no entanto, a provocar uma pressão sobre os países mais a norte do globo, nomeadamente a Europa e os Estados Unidos, que se debatem com outras questões desafiantes como a transição energética ou as alterações climáticas, que podem pôr em causa a sobrevivência de todo o planeta.
Se África não criar habitação e educação para as suas populações, as migrações para a Europa vão continuar. Tim Marshall
Jornalista e escritor inglês
"Se África não criar habitação e educação para as suas populações, as migrações para a Europa vão continuar", aponta Tim Marshall. A resposta está, na opinião do jornalista, na criação de infraestruturas que garantam mais estabilidade a estes países, muitos deles constantemente fustigados por conflitos e guerras civis. "O contributo dos países mais desenvolvidos deverá ser o de ajudar a criar as bases para uma vida digna nestas regiões, e não levantar muros como está a acontecer em várias partes do mundo", reforça, destacando que "não há soluções de curto prazo" e que este é um trabalho para as próximas décadas.Jornalista e escritor inglês
Mas o rumo dos desafios atuais está igualmente muito dependente da liderança do mundo, uma competição permanente entre as denominadas grandes potências. Tim Marshall recorda a História mais recente em que os protagonistas foram praticamente sempre os mesmos, com pequenas nuances que, ainda assim, determinaram mudanças que conduziram o mundo ao ponto em que se encontra atualmente. Desde o fim da IIª Guerra Mundial, em 1945, até à queda do muro de Berlim, em 1989, a liderança e o poder económico foram repartidos entre Estados Unidos e Rússia. Com o desmantelamento da União Soviética, o poder ficou do lado dos norte-americanos, que tomaram a liderança unipolar até 2008. Desde então, União Europeia e países da NATO procuram garantir o poder económico mundial, mas a teia geopolítica não tem permitido que assim seja. A ascensão da China tem sido notável, a quebra das relações da Rússia com o Ocidente está a levar o país a aprofundar relações económicas a Oriente e "está a mudar o rumo da História", defende Marshall. Ainda assim, o autor do recém-lançado livro ‘O poder da geografia’, que examina a importância de países e áreas emergentes numa nova era de rivalidade entre grandes potências - da Austrália à Europa, Médio Oriente, África e até mesmo as reivindicações ao espaço sideral -, acredita que os Estados Unidos continuam a ser o país mais poderoso do mundo, com a China e um conjunto de outros países "muito atrás, mas a tentar chegar ao mesmo nível".
À parte destes intrincados jogos de poder, o orador alertou ainda para a necessidade de acelerar a transição energética, com vista a reduzir o impacto das alterações climáticas que, por sua vez, são responsáveis por grande parte da instabilidade global. Aqui, defende, a tecnologia em geral, e a inteligência artificial (IA), em particular, podem dar um importante contributo "desde que seja possível assegurar as matérias-primas que sustentam a tecnologia, nomeadamente minerais como o cobre ou o lítio".
Portugal esqueceu a transição demográfica
Falta de visão de longo prazo, de planeamento e de ação caraterizam o país que se debate com desafios demográficos que se arrastam há décadas, muitos deles agravados pela atual crise da habitação, que "não será resolvida pelo pacote Mais Habitação". Conclusões retiradas pelos vários especialistas que marcaram presença na ‘Conferência Social - Os desafios da demografia e da habitação’, e que dinamizaram o debate repartido por dois painéis.
Portugal esqueceu a transição demográfica. Adalberto Campos Fernandes
Professor na Escola Nacional de Saúde Pública
"Portugal esqueceu a transição demográfica", apontou Adalberto Campos Fernandes, lembrando que o país, e os sucessivos governos olham com passividade para a evolução demográfica, e para a sua previsibilidade, há 30 anos, sem nada fazer. Na perspetiva do ex-Ministro da Saúde, "é preciso trabalhar rapidamente as alterações demográficas e tornar a economia nacional mais competitiva, caso contrário o atual modelo de pensões colapsará". O também professor na Escola Nacional de Saúde Pública recorda que, se nada mudar, Portugal terá, em 2060, pouco mais de 8,5 milhões de habitantes, 60% dos quais com idade superior a 65 anos. "Precisamos da imigração para minimizar as consequências da longevidade, mas tem que ser a necessária, a adequada, e que garanta crescimento económico", salienta. Professor na Escola Nacional de Saúde Pública
Acima de tudo, na opinião dos participantes no primeiro painel do dia, é preciso preparar os sistemas de proteção social e de saúde para esta realidade, e como ferramenta de combate à pobreza. "As questões demográficas são estruturais e exigem um planeamento que não tem sido feito", salienta Lara Patrício Tavares, professora no Instituto de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Opinião partilhada por Maria João Moreira, professora no Instituto Politécnico de Castelo Branco que reforça: "falta uma estratégia demográfica que tenha em conta a natalidade, através de políticas que não podem ser iguais para todos".
Em paralelo, os participantes alertam para a necessidade de debater o envelhecimento de forma séria e consciente porque esta tendência é irreversível, não pode ser travada, e exige adaptação. "Temos de ver o envelhecimento de forma positiva e como uma oportunidade, tirando partida do capital intelectual e da experiência de vida de cada um", aponta Maria João Moreira, "e evitar um idadismo perigoso que já existe na sociedade, completa Adalberto Campos Fernandes.
Sobre os problemas da habitação, e já num segundo momento de debate, Ricardo Pedrosa Gomes mostrou-se bastante crítico do Pacote Mais Habitação, que comparou com a Aspirina: "acerta em todas as áreas, não faz mal, mas não vai resolver problema nenhum". Para o presidente da AECOPS, associação do sector da construção, "o Estado esteve décadas ausente e nunca resolveu os problemas, que cresceram e pioraram". Agora, refere ainda, o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) vem repor a falha do Estado nas últimas décadas, "mas não chega". Já para Vera Barros, é difícil ter boas políticas públicas para problemas que não estão diagnosticados. "É preciso diagnosticar, o que nunca foi feito", disse a economista.
A resposta pública não é suficiente e precisa do trabalho privados e social. Marina Gonçalves
Ministra da Habitação
Ainda sobre o pacote anunciado pelo governo, Patrícia Melo e Liz não tem dúvidas de que o grande problema é não ter ouvido quem tem real conhecimento do mercado. A CEO da Savills Portugal aponta igualmente "a falta de união entre autarquias, governo e empresas que devem manter um diálogo aberto sobre estas questões". O envolvimento destes atores é também defendido por Sandra Marques Pereira que, apesar disso, tem uma visão mais otimista deste pacote de medidas. "O que me preocupa é como o Estado terá instituições para dar resposta a um pacote tão abrangente", reforça a responsável do DINÂMIA’CET e Sociodigital Lab for Public Policy do ISCTE. Ministra da Habitação
Sem ter tido a oportunidade de ouvir as críticas e propostas dos especialistas sobre a temática da habitação, Marina Gonçalves, ministra da Habitação, defendeu "uma resposta intergeracional aos problemas da habitação". No seu discurso de abertura desta conferência, a governante destacou a importância do modelo de habitação colaborativa, aprovado pelo governo no final de agosto, como um primeiro passo para o desenvolvimento de uma ferramenta que é simultaneamente parte da solução para a escassez habitacional e para a inclusão dos mais velhos. No entanto, reconheceu que é um projeto que "precisa de crescer em políticas públicas e modos de fazer". Políticas robustas de habitação são essenciais mas, concluiu a ministra, "a resposta pública não é suficiente e precisa do trabalho privados e social".