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Lei do Clima e mercado vinculam empresas à transição sustentável

A lei obriga e o mercado impõe. Com as novas leis do clima, europeia e nacional, e a transição das grandes empresas a impactarem todo o mercado, a inclusão de práticas mais sustentáveis em todos os negócios já não é uma miragem. O reporte de critérios ESG por parte de grandes empresas, já em 2022, arrasta toda a cadeia de valor para uma nova realidade.

09 de Março de 2022 às 11:00
João Wengorovius Meneses é secretário-geral da BCSD Portugal. DR
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A Lei de Bases do Clima entrou em vigor a 1 fevereiro de 2022, com uma série de princípios e objetivos que vinculam toda a sociedade à transformação verde. Dita a lei que Portugal deve reduzir as emissões de CO2 em 55% até 2030, entre 65% e 75% até 2040 e pelo menos 90% até 2050. A lei, nos seus 81 artigos, pretende assim promover a transição para uma economia sustentável e uma sociedade neutras em gases de efeito de estufa.

Nesta medida, são estabelecidos variados instrumentos, tais como o IRS Verde, que irá beneficiar os sujeitos passivos que adquiram, consumam ou utilizem bens e serviços ambientalmente sustentáveis; passando pela descarbonização dos serviços da Administração Pública; pela criação de um Portal da Ação Climática que reunirá toda a informação nacional sobre a transformação verde da sociedade portuguesa; ou pela obrigatoriedade de o sistema financeiro assegurar o risco de impacto climático nas suas decisões de financiamento. Todos - administração pública, setores económicos e cidadãos - são vinculados nesta missão nacional em coordenação com as metas europeias e globais de descarbonização.

Mas se a abrangência da lei acolhe toda a sociedade nesta missão, por outro lado, esta mesma abrangência é apontada como a sua principal crítica. "Uma lei que tem o clima como missão e que seja holística parece uma ótima missão. É algo que obriga à integração de setores. A primeira nota é, por isso, positiva. Já a segunda nota é menos positiva. Esta Lei do Clima portuguesa é algo vaga, define metas gerais, entra muito pouco em metas setoriais e de forma muito pouco concreta. Os horizontes temporais ou são vagos ou são demasiado longos", refere João Wengorovius Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal, associação que agrega empresas que se comprometem ativamente com a transição para a sustentabilidade em Portugal. Wengorovius Meneses exemplifica: "França aprovou em julho passado a sua Lei do Clima com iniciativas muito concretas. Por exemplo, os voos domésticos com duração até 2h30 são banidos. Aqui está algo concreto. Os supermercados têm de reservar pelo menos 20% do seu espaço para venda de produtos a granel a partir de 2030. É algo de concreto. Ou a partir de 2025 as casas com má classificação energética não poderão ser arrendadas."

Em cada ano, haverá um leque maior de obrigações e um leque maior de empresas que ficam abrangidas. Assunção Cristas, Advogada da área de Ambiente da Vieira d’Almeida
A abrangência da lei é reconhecida também por Assunção Cristas, advogada responsável pelos serviços integrados ESG e área de ambiente da Vieira de Almeida, que considera, no entanto, que não poderia ser de outra forma: "Esta legislação está desenhada para vincular um conjunto muito alargado de destinatários. Na primeira linha de destinatários está o próprio Estado, nas suas várias dimensões, nacional, regional e local. Portanto, é abrangente do ponto de vista das políticas públicas. Mas também é abrangente do ponto de vista das políticas setoriais. Ou seja, é uma lei transversal, mas não podia ser de outra forma. O que quer isto dizer? Que tem como aspeto positivo esta abrangência, mas depois tem a dificuldade de não poder ser lida sozinha. Ou seja, é uma lei que tem de ser lida em conjunto com as políticas e com a legislação que informa as políticas setorialmente".

Assunção Cristas ressalta também que estamos perante uma lei que, além da lei setorial nacional, se cruza com a legislação europeia, nomeadamente com diretivas e regulamentos que são transpostos e estão em constante progresso no contexto europeu, com vista à sua aplicabilidade cada vez mais abrangente.

Muitas obrigações, pouca preparação

A Lei de Bases do Clima vem, assim, juntar-se a outros instrumentos europeus e nacionais para chamar toda a sociedade para a transformação sustentável. No que toca às empresas, em 2022, relativamente à atividade de 2021, já algumas delas, dependendo da sua dimensão e setor, terão de reportar informação não financeira dos impactos e riscos climáticos da sua atividade. Mas este é um processo que irá agregar cada vez mais empresas e incutir cada vez mais obrigações a cada ano que passa. "Em 2022, já há um conjunto de empresas que têm obrigações. Essas empresas já têm de incluir, na sua prestação de contas, uma referência se são ou não elegíveis à luz da taxonomia europeia. Depois, no próximo ano, dependendo se são ou não empresas do setor financeiro, elas estarão obrigadas a explicitar não apenas se são elegíveis, mas também se estão alinhadas ou não com a taxonomia. E, enfim, em cada ano, haverá um leque maior de obrigações e um leque maior de empresas que ficam abrangidas", explica Assunção Cristas.

Neste sentido, a advogada dá conta ainda de que uma diretiva atualmente em preparação vai "alargar muito o leque das entidades abrangidas". "E, portanto, passaremos a ter não apenas as maiores, mas também empresas que cumpram alguns requisitos, que têm a ver com o número de trabalhadores acima de 250 pessoas, com o balanço acima de 20 milhões de euros e com negócios acima de 40 milhões de euros. Isto será um salto muito grande, pois muitas empresas portuguesas já ficarão abrangidas e terão de começar a preparar o reporte da informação à luz da taxonomia."

Porém, mesmo as empresas que não estão ainda obrigadas pela lei são arrastadas para a transformação por via de integrarem as cadeias de valor dessas empresas maiores, que exigem cada vez mais fornecedores que não acrescentem pegada ecológica e riscos climáticos à sua atividade. Para João Wengorovius Meneses, este é por isso um movimento que qualquer empresa terá de fazer o quanto antes. "As empresas já perceberam que têm vantagem em reportar informação não financeira porque cada vez mais vai ser obrigatório para todas as empresas. Portanto, eu diria que a tendência é para qualquer empresa com mais de 50 funcionários num horizonte muito curto ser obrigada a reportar, sendo que já o podem fazer voluntariamente. E convém dizer que muitas PME portuguesas já o fazem, porque os seus clientes do Norte da Europa as obrigam a prestar contas dos impactos das suas cadeias de valor. Portanto, temos indústria têxtil, calçado e muitas indústrias exportadoras para mercados sofisticados a terem princípios de compliance, de prestação de contas, mais exigentes e acima da lei portuguesa", diz.

Tirando as multinacionais e as cotadas, as empresas estão perdidas sem perceberem o que aí vem. João Wengorovius Meneses, Secretário-geral da BCSD Portugal 
Numa lógica de mercado global, serão estas as que se conseguirão impor num mercado cada vez mais exigente com os critérios para transição digital. Porém, a maioria do setor empresarial português, composto sobretudo por microempresas e PME, aparenta estar "perdido". Segundo Wengorovius Meneses, "tirando as cotadas, as multinacionais, etc., as empresas estão muito perdidas, sem perceberem bem o que aí vem de obrigações legais e o que aí vem em termos de comportamento de exigência dos ‘stakeholders’, nomeadamente comportamento do consumidor e comportamento do investidor".

Neste sentido, o representante da BCSD Portugal defende a criação de uma espécie de "balcão de apoio à transição para a sustentabilidade" que ajude as empresas a conhecerem as obrigações legais a que estarão sujeitas, os apoios financeiros a que se poderão candidatar, etc., e que as empresas comecem a integrar nas suas estruturas, ou em regime de "outsourcing", quadros responsáveis pela transição sustentável das empresas.

Para ajudar as empresas portuguesas a perceberem em que ponto estão, esta associação empresarial vai lançar, no próximo mês de junho, a plataforma Jornada 2030, onde as empresas poderão, ao responder a cerca de 200 perguntas, fazer o seu autodiagnóstico de integração dos critérios ESG (sigla em inglês para critérios ambientais, sociais e de governação) na sua estrutura e cadeia de valor.



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