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Pandemia mudou forma como empresas tratam “stakeholders”

A covid-19 veio pôr em grande evidência a forma como as empresas tratam os colaboradores, como protegem os clientes e como ajudam a orientar os fornecedores em tempos de crise. Um estudo da consultora Schroders foca-se no impacto da pandemia sobre o investimento sustentável e o que isso significa no futuro.

31 de Março de 2021 às 13:30
Mesmo depois da recuperação, os investimentos sustentáveis vão continuar no topo da agenda. Luís Vieira/Movephoto
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"O investimento sustentável não se resume apenas ao sucesso financeiro de uma empresa, mas ao modo como essa empresa o alcança. A importância de considerar todas as partes interessadas é intrínseca à abordagem", afirma um estudo da Schroders publicado recentemente, adiantando que "essas partes interessadas incluem colaboradores, acionistas e a sociedade em geral. A pandemia de covid-19 evidenciou o modo como as empresas tratam os colaboradores, como protegem os clientes e como ajudam a orientar os fornecedores em tempos de crise".

O estudo reflete a opinião de três especialistas e investidores da consultora em investimentos sustentáveis, explicando como é que a pandemia mudou o tom da conversa em torno do investimento sustentável e como veem os impactos a longo prazo.

Questionada sobre se a pandemia mudou a forma como os investidores falam com as empresas, Nicholette MacDonald-Brown, responsável pela combinação de ações europeias, considera que, "enquanto investidores em sustentabilidade, o nosso envolvimento com as empresas inclui, há muito tempo, questões relativas à forma como estas tratam todas as partes interessadas. Mas se trouxer à memória a crise financeira global de 2008, as conversas eram muito diferentes das que temos agora. Naquela época, tudo se resumia a margens de lucro e balanços, ao passo que agora essas questões são discutidas a par com o tratamento que é dado a colaboradores e fornecedores".

Também Katherine Davidson, gestora de carteiras de ações globais e internacionais, afirma que "o diálogo entre investidores e empresas mudou. As preocupações ASG (ambientais, sociais e de governança) costumavam ser discutidas principalmente em termos do ‘A’, mas este ano ficou bem claro que o aspeto social é igualmente importante. Trata-se de uma narrativa mais ampla nos meios de comunicação e na sociedade em geral. A forma como as empresas tratam os colaboradores, gerem as cadeias de abastecimento e mantêm os clientes seguros não é apenas do interesse dos investidores".

Ênfase na sustentabilidade vai durar?

Nicholette MacDonald-Brown responde à pergunta: "Acho que vai durar e, em suma, depende principalmente do desempenho do investimento. O sucesso relativo dos fundos sustentáveis este ano é muito importante porque foi o seu primeiro grande teste. Isso mostra que a sustentabilidade não é um ‘luxo’ acessível apenas em épocas favoráveis. É também crucial em contextos económicos difíceis". E adianta: "Olhando apenas para os índices europeus, o índice MSCI Europe ESG Leaders Index proporcionou -1,9% de retorno desde o início do ano até à data [11 de janeiro] em comparação com os -5,6% do índice geral MSCI Europe Index (fonte: Morningstar, em 30 de novembro 2020). Para mim, isso prova que a discussão sobre sustentabilidade vai continuar."

Saida Eggerstedt, responsável pelo crédito sustentável, defende, no mesmo paper, que "houve maior pressão para que as empresas demonstrassem boas práticas. Afinal, há muitas opções para os investidores: as dificuldades económicas deste ano fizeram com que muitas empresas procurassem novos financiamentos através da emissão de títulos de dívida ou ações. Os investidores podem, portanto, ser seletivos. E não esqueçamos também o papel dos governos e dos reguladores: muitas empresas procuraram algum tipo de apoio estatal, seja através de empréstimos ou de acesso a programas de suspensão temporária da atividade laboral. Os governos querem ver padrões elevados nas empresas em termos de comportamento social e ambiental se quiserem obter ajuda do Estado e isso vai prolongar-se para além da atual crise".

Maior pressão para boas práticas

Por seu lado, Katherine Davidson sublinha que "começa a ser apelidado de um novo contrato social, no sentido em que o lugar da empresa na sua comunidade e na sociedade em geral está a mudar. E isso é igualmente importante para os clientes". A especialista salienta que "o Estudo de Investidores Globais da Schroders deste ano demonstrou que as pessoas esperam que as empresas deem prioridade a ações que tenham impacto no meio ambiente e na sociedade em geral".

Katherine Davidson refere ainda que "um dos pontos positivos da crise é que nos permitiu começar a relacionar com empresas que não tinham ainda vislumbrado as perspetivas comerciais da sustentabilidade. Este ano, o mercado de capitais premiou empresas ativas nas questões da sustentabilidade. Também vimos clientes a virar as costas a empresas e marcas em queda quando uma empresa é vista como um ‘mau interveniente’ na crise. É o tipo de coisa que não passa despercebida aos quadros superiores".

Uma questão que Nicholette MacDonald-Brown também lembra: "Muito interessante também é começar a ver empresas que nos procuram e pedem conselhos sobre melhores práticas de sustentabilidade. O reconhecimento de que as empresas deveriam colocar metas de sustentabilidade ao lado de metas financeiras está definitivamente a ganhar força."

Empresas apostam mais nos investimentos sustentáveis

A especialista nota igualmente que "há muitas vezes a perceção errada de que são poucos os interessados por produtos sustentáveis ou de que apenas os jovens se preocupam com a sustentabilidade. Talvez isso já tenha sido verdade, mas não o é certamente agora. Os investidores mais tradicionais, como as seguradoras, também se preocupam com a sustentabilidade e estão a começar a promover o debate. A crescente evidência de que podemos atingir objetivos de investimento sem comprometer as nossas convicções é crucial nesse aspeto".

No futuro, "há definitivamente muitas oportunidades de retorno. Poderíamos olhar para as empresas que ficaram para trás porque as suas perspetivas a longo prazo foram arrasadas pelo vírus e pelos confinamentos. E do ponto de vista da sustentabilidade, é exatamente neste tipo de crise que as empresas precisam dos seus investidores. Por conseguinte, deveríamos continuar a ser exigentes em termos de metas de sustentabilidade", considera Nicholette MacDonald-Brown.

Também Saida Eggerstedt defende que "é animador ver o estímulo vindo dos governos em termos de recuperação da crise. Vemos muitos países a emitirem obrigações verdes ou sociais. Trata-se de compromissos a longo prazo concebidos para abordar questões ambientais, promover o crescimento do emprego e melhorar a resiliência face a uma crise futura semelhante".

Na mesma linha, Katherine Davidson afirma que "há uma oportunidade real para nós, enquanto investidores dinâmicos, que podemos escolher em que empresas investir, de manter a pressão e garantir que a sustentabilidade continue no topo da agenda quando a recuperação chegar".

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