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Pedro Norton de Matos: “A nova buzzword para as organizações é o ESG”

No dia em que arranca mais uma edição do GreenFest, o mentor daquele que é um dos maiores eventos de sustentabilidade do país traça uma análise relativamente à transição sustentável e demonstra o desejo de continuar a mostrar boas práticas “inspiradoras e que motivem o passar à ação”.

23 de Setembro de 2022 às 08:28
Pedro Norton de Matos, mentor do GreenFest
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A "Economia Circular Regenerativa e as Nature Based Solutions" é o tema da nova edição do GreenFest, que decorre entre os dias 23 e 25 de setembro, na Universidade Nova SBE, em Carcavelos. A celebrar 15 anos, aquele que é um dos maiores eventos de sustentabilidade do país vai reunir, mostrar e debater soluções que ajudem os stakeholders a migrar para uma experiência mais sustentável, apelando a um sentido de urgência da alteração de comportamentos individuais e coletivos.

Este ano o GreenFest acontece em formato híbrido (presencial e online), com experiências distintas para cada uma das audiências e em diferentes formatos: conferências, mesas redondas, keynotes, apresentação de projetos, debates temáticos, workshops, espaços de exposição, etc.

Em entrevista ao Negócios, Pedro Norton de Matos, mentor do GreenFest, destaca a importância crescente que a sustenbildiade tem para as empresas e toda a sociedade, com os consumidores a pressionarem também para a transição verde.

Este ano o GreenFest celebra 15 anos. Que evolução nota na área da sustentabilidade em Portugal?

Nestes últimos 15 anos, o tema da sustentabilidade foi ganhando relevo e hoje constitui um desafio incontornável para a sociedade em geral e para o mundo empresarial em particular. A nova "buzzword" para as organizações é o ESG (Environment, Social, Governance), que no fundo traduz o imperativo de ter na base do modelo de prosperidade o reconhecimento da interdependência entre os três pilares da sustentabilidade. Contudo, há um grande caminho a fazer e todos temos um papel a desempenhar. Pensemos no dia a dia de um cidadão e nas inúmeras oportunidades que cada um de nós tem para demonstrar comportamentos mais sustentáveis, nomeadamente na mobilidade, alimentação, utilização de recursos, energia, opções ou recusa de consumo, etc.

Na sua perspetiva, quais são as áreas em que o país mais tem de evoluir e onde estamos mais bem posicionados?

Há um grande déficit de conhecimento transversal à sociedade pelo que a literacia e sobretudo o passar à prática são muito necessários. A crescente consciencialização que teremos que operar profundas mudanças no nosso modelo de desenvolvimento (prefiro chamar prosperidade) está intimamente ligada às aceleradas alterações climáticas, pois são muito visíveis e suportadas na ciência. 

A aceleração dá-se sobretudo a partir da década de 50 do século passado, que marca o início da sociedade de consumo e mais tarde do hiperconsumo no mundo ocidental. Perversamente tem na sua base alguns princípios perniciosos, de que destaco o desperdício, o usar e deitar fora e a obsolescência programada, em que os produtos são desenhados para durar pouco. As consequências para o planeta são devastadoras e a emissão de gases de efeito de estufa e a perda de biodiversidade, aliadas às migrações climáticas, entre outras consequências, são uma realidade preocupante.

Na área das energias renováveis, o nosso pais está bem posicionado e sobretudo tem um enorme potencial de desenvolvimento, pois as condições geográficas favorecem-nos e há muito ‘know how’ na área de investigação e desenvolvimento. Nos próximos 10 anos, surgirão soluções competitivas para armazenamento e transporte das energias intermitentes, dessalinização da água salgada, hidrogénio e outras que enriquecerão o nosso mix energético, calcanhar de Aquiles de qualquer modelo.

Outra enorme oportunidade está no mar e nos seus recursos, cuja extensão territorial nos coloca como um dos maiores países da Europa. Também neste domínio é fundamental a sustentabilidade da gestão dos seus recursos.

"Se a sustentabilidade não estiver incorporada na missão, visão e valores de uma organização, a empresa será fortemente penalizada"

Pedro Norton de Matos, mentor do GreenFest

O ‘greenwashing’ é crescente nas empresas, com muitas a quererem posicionar-se como sustentáveis pelo valor que essa matriz lhes traz na atualidade. Têm cuidado na seleção dos parceiros presentes no GreenFest, para não serem veículo de eco branqueamento?

O ’green’ e o ‘social washing’ são tendencialmente mais penalizadores para as marcas e empresas que o pratiquem. Se a sustentabilidade (ESG) não estiver incorporada na missão, visão e valores de uma organização, a empresa será fortemente penalizada a prazo. Quando a sustentabilidade é oca e está só no departamento de marketing da empresa, então as previsões para essa organização são muito sombrias, pois os consumidores estarão cada vez mais conhecedores e, através das suas decisões de compra ou recusa de produtos ou serviços, penalizarão ou premiarão as propostas de valor.

No GreenFest, procuramos utilizar o bom senso. Não somos entidade certificadora ou juízes de quem é mais verde ou azul, contudo, procuramos parceiros que mostrem coerência e se posicionem com humildade no caminho que importa fazer. Não há nenhuma empresa ou setor de atividade que não possa ter um plano estratégico para reforçar a sua posição.

A natureza do evento, sua diversidade e pluralidade leva a que tenhamos propostas dispares que indiscutivelmente enriquecem as opções de escolha para os visitantes. Procuramos boas práticas inspiradoras e que motivem o passar à ação. Também é interessante de constatar qua algumas marcas de maior dimensão e notoriedade ajudam a viabilizar o convite ou condições especiais de participação a projetos mais pequenos e a muitas start-ups.

Os relatórios internacionais mostram-nos que o mundo não está a caminhar à velocidade que devia para se tornar mais sustentável. Ainda assim, está confiante relativamente ao futuro?

Parece que nós como humanos só mudamos com as "barbas a arder" e essa situação pode estar a aproximar-se. As próximas duas a três décadas serão decisivas. É fundamental não ultrapassar linhas vermelhas e segundo a maioria da comunidade científica estamos muito próximo em algumas áreas. Acredito também na fiscalidade verde com reforço positivo e penalizações, para estimular ou refrear comportamentos.

Que novidades traz este ano o GreenFest? O que destaca?

A programação reflete sempre novas tendências e abordagens. Temos cinco palcos onde decorrem inúmeras atividades de cariz diverso durante os três dias, o que equivale a dizer que se tivéssemos um só palco o festival prolongava-se por 15 dias. As propostas são dirigidas a diferentes públicos-alvo e grupos etários. Assim, é difícil fazer destaques, embora para o mundo empresarial a sexta-feira, 23, como dia útil, é o que tem mais opções para esse grupo. Ainda assim, daria enfase à rubrica GTrends, na sexta feira, às 16 horas, pois durante 60 minutos teremos sete especialistas a partilhar individualmente tendências "verdes" que têm ou poderão ter impacto decisivo nas nossas vidas.

"Nos próximos 10 anos, surgirão soluções competitivas para armazenamento e transporte das energias intermitentes, dessalinização da água salgada, hidrogénio e outras que enriquecerão o nosso mix energético"

Pedro Norton de Matos, mentor do GreenFest

A "Economia Circular Regenerativa e as Nature Based Solutions" é o tema deste ano. Porquê esta escolha?

Como economista sempre me fez confusão a sociedade de desperdício em que nos fomos tornando. Tal é contrário ao princípio do conceito de economia do dia a dia, em que devemos otimizar a utilização de recursos e economizar. A poupança foi substituída por divida e os recursos desbaratados e desperdiçados, na ilusão de que seriam infinitos.

A economia linear do "take, make, waste" gera inúmeras assimetrias, pressão sobre os limitados recursos planetários e enorme desperdício. Em Portugal é assustador o desperdício de água e alimentos, bem como a ineficiência energética dos edifícios. Há um enorme caminho de redução de desperdício a fazer, começando no comportamento individual.

Os conceitos de economia circular e regenerativa vêm colocar a enfase no ciclo virtuoso dos materiais, relevando todo o ciclo de vida do produto. Começa logo na prancha do desenho, concebendo um produto que siga a lei de Lavoisier, "Na natureza, nada se perde e tudo se transforma". A aplicação deste princípio leva-nos a um modelo de prosperidade zero desperdício. Utopia? A natureza que é um laboratório vivo com mais de 4 mil milhões de anos ensina-nos que é possível.

Que mensagem quer transmitir nesta edição?

Esperança no futuro. Acreditamos na educação, investigação e desenvolvimento. Os visitantes, na sua grande maioria, ficam cientes de que cada um tem um papel transformador com o potencial de mudar o mundo, a começar pelo seu próprio mundo e das comunidades em que se inserem. Também muitos visitantes trazem conhecimento e mensagens galvanizadoras, animando-nos a prosseguir nesta cruzada que é sobretudo de responsabilidade intergeracional.

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