Outros sites Medialivre
Notícia

Pedro Lancastre: “Cada vez que há eleições no Brasil ou EUA Portugal é das primeiras alternativas para os descontentes”

Quando Lula ganhou as eleições houve mais brasileiros a procurar casa em Portugal e o mesmo aconteceu agora com Trump, revela o CEO da Dils Portugal.

05 de Março de 2025 às 12:30
João Cortesão
  • Partilhar artigo
  • ...
Video Player is loading.
Current Time 0:00
Duration 50:42
Loaded: 0.33%
Stream Type LIVE
Remaining Time 50:42
 
1x
    • Chapters
    • descriptions off, selected
    • subtitles off, selected
    • en (Main), selected

     

    Bilhete de identidade Idade: 51 anos
    Cargo: Dils Portugal, CEO (desde Junho de 24); Sporting Club de Portugal, vice-presidente (desde setembro 2018); JLL, CEO (2011-23); Sonae Sierra, Diretor adjunto Novos Negócios (2004-07)
    Formação: Licenciatura em Gestão, ISG

    Baixar a carga fiscal da construção, especialmente o IVA, ter licenciamentos mais rápidos e realizar parcerias público-privadas entre o Estado ou as autarquias e os promotores imobiliários são três das medidas que aumentariam a oferta de habitação e aliviariam a pressão sobre os preços, defende Pedro Lancastre. A tudo isto devia ainda somar-se a dinamização do mercado de arrendamento onde existem muitos investidores interessados, mas que têm medo pelo histórico de congelamento de rendas. Convidado desta semana das Conversas com CEO, numa entrevista integrada na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30 e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, o presidente executivo da Dils que é também vice-presidente do Sporting fala-nos também do seu clube. Durante mais de meia hora, percorremos ainda temas como o aumento da procura, em Portugal, por escritórios e lojas assim como armazéns. E de como os descontentes com os resultados eleitorais nos seus países, EUA e Brasil, escolhem Portugal para viver.  

    A partir de determinada altura, focou-se no setor imobiliário. Foi um acaso, uma paixão? 
    Tive uma passagem pela banca, de três ou quatro anos, e não estava muito feliz. Tenho um irmão mais velho que me dizia que "fazer aquilo que se gosta é meio caminho andado para se fazer bem". E eu gostava de imobiliário, o meu pai era também desta área. Acabei por fazer uma pós-graduação e a partir daí fui para este setor. É uma paixão que as pessoas, de certa forma, todas têm um bocado. Até se costuma dizer que todos percebemos bastante de futebol e de imobiliário. E eu estou nos dois setores que as pessoas todas percebem muito mais do que eu, o que é muito divertido.

    E o Sporting é a sua primeira paixão e também com uma história familiar?
    O Sporting é aquela paixão que se tem desde que se nasce. É uma questão familiar também. A minha família toda e os meus filhos são todos do Sporting.

    Os sportinguistas às vezes sofrem muito, não é?
    Os sportinguistas sofreram muito, porque ganhavam muito pouco. Hoje continuam a sofrer, mas ganham um bocado mais do que antes. Esta nova geração já tem tido muito mais alegrias. Estamos a ganhar cada vez mais títulos. Estamos no bom caminho.

    Tem no Sporting a área do património e trabalha no setor imobiliário. Como é que resolve potenciais conflitos?
    Não há qualquer tipo de conflitos. Sempre que o Sporting precisar de recorrer a empresas que prestem serviços parecidos com os da Dils, nunca será a Dils a prestá-los, da mesma maneira que não era a empresa onde trabalhava antes. Pelo contrário, sempre que o Sporting tem precisado destes serviços, acabamos por pedir aos concorrentes, mas não à JLL, porque estive lá há pouco tempo. Mas também não há assim tanto conflito, porque na Dils estamos muito vocacionados para as transações e avaliações de imobiliário. E o Sporting não está propriamente a vender ou comprar património.

    A Dils promete acelerar o crescimento e a inovação no setor residencial. Que tipo de inovações são?
    Toda a compra e venda de casas é cada vez mais digital e tecnológica e 20% das pessoas que trabalham na Dils vieram da Amazon ou da Google para melhorar a experiência dos nossos clientes. Comprámos 100% da Castelhana que tinha 85 pessoas em junho. Hoje já temos quase 150 pessoas. E vamos ter o braço do residencial e o não residencial, que é tudo o que diz respeito a escritórios, hotéis, logística e retalho. A maior parte das pessoas que contratámos foi para desenvolver essa parte de imobiliário comercial, complementar ao residencial.

    Enquanto houver desequilíbrio entre oferta e procura, os preços [da habitação] vão continuar a subir.

    Como é que uma empresa como a Dils, que trabalha no mercado de luxo, pode contribuir para resolver o problema da habitação?
    O mercado da habitação tem o lado do copo meio cheio e do meio vazio. E nós surfamos a parte do copo meio cheio. Um mercado muito dinâmico onde, sem números finais, foram transacionados, o ano passado, cerca de 30 mil milhões de habitação e 150 mil casas. Os estrangeiros estão cá, mas só representam 6,1%, em média, nos últimos anos. Claro que em Lisboa e Porto um pouco mais. Depois há o lado desafiante. Há um problema estrutural no mercado residencial, um desequilíbrio muito grande entre a procura e a oferta. Os preços dos últimos 10 anos ter-se-ão multiplicado por dois e os salários e o poder de compra das pessoas não tiveram esse multiplicador, infelizmente. Enquanto houver este desequilíbrio da oferta e da procura, os preços vão continuar a subir. E, começando pelo lado da procura, este desequilíbrio existe por uma questão sociodemográfica. Há mais famílias monoparentais, há mais divórcios, há mais famílias. Há mais estrangeiros também, obviamente…

    Por muito que se queira desvalorizar.
    Por mais que se queira desvalorizar e serem só 6%, não havia e agora estão cá. E há mais poupança a ir cada vez mais para o imobiliário. Do lado da oferta… Na primeira década deste século construíram-se cerca de 80 mil casas, na segunda apenas 10 mil casas por ano. Constrói-se muito pouco, licencia-se muito pouco e a oferta é baixa. Porque é difícil construir.

    A carga fiscal tem um impacto muito grande numa casa, mais de 30%.

    E porque é difícil? É muito estranho a oferta não reagir…
    É muito estranho. Mas são razões muitíssimo objetivas. O Estado apresenta soluções, que não são concretizadas, são muito a longo prazo ou são pouco práticas. Temos uma carga fiscal enormíssima. Para incentivar a reabilitação, baixou-se o IVA da construção de 23% para 6%. E agora que há falta de casas, que a reabilitação está praticamente feita e é preciso construir de raiz, o Estado podia baixar o IVA da construção. A carga fiscal tem um impacto muito grande numa casa, mais de 30%. É o IVA da construção, é o IMT, é o IMI, são taxas e taxinhas. A carga fiscal é muito mais elevada aqui do que em Espanha. Percebo o Estado, porque pensa assim: ‘se baixar a carga fiscal, vou perder receita’. Mas se baixar essa carga fiscal, vai haver mais atividade e tantos prédios novos a serem construídos…

    …Só com o IVA? Acredita nisso?
    A carga fiscal é um problema, mas não é só. Outro problema é o licenciamento. Um prédio, um projeto, demora anos a ser licenciado. Olhemos para o caso da feira popular. Foram anos a resolver um terreno gigantesco no meio da cidade que finalmente está em construção. Um outro projeto, perto das Amoreiras, o quartel de Campolide, está há anos para ser licenciado. E aquelas casas fazem imensa falta. Há uma média muitíssimo elevada [de tempo] para aprovar um projeto. 

    Então as medidas são menos carga fiscal e licenciamento mais rápidos…
    Os impostos e o licenciamento são o calcanhar de Aquiles. É algo que o Estado, se tivesse coragem, mexia e teria certamente resultados. Mas além disso, o Estado tem muitos imóveis. Todo este património pode ser transformado em habitação. Se o Estado desse o braço aos promotores, com parcerias público-privadas, também seria uma solução. Só que as parcerias público-privadas que são feitas, às vezes, têm condições que depois não têm interesse para o setor. Uma outra razão para os elevados preços das casas, para completar este rol, é não haver mercado de arrendamento. Quem precisa de um escritório, uma loja e até de uma plataforma logística, não tem de comprar, arrenda. Mas a casa tem de ser comprada, 80% dos portugueses são proprietários. O arrendamento não existe e é um mercado com muitos investidores interessados em investir em Portugal. Só que é difícil. Os proprietários têm medo, há um trauma de décadas de rendas congeladas, em que o senhorio fazia um bocadinho o papel do Estado, a financiar o inquilino. Depois, esse medo às vezes volta, porque o Governo vem com ideias que não são as melhores para se ser senhorio… 

    A lei dos solos pode fazer a diferença?
    Pode ser uma ótima solução. Mas, só por si, tenho muitas dúvidas. Vamos ver daqui uns anos, por causa da lei dos solos, quantos fogos é que vieram mais.

    O negócio da área dos escritórios registou um grande dinamismo em Lisboa e no Porto. Como se concilia isso com o trabalho remoto?
    Depois da covid-19, achava-se que ia afetar os centros comerciais, porque se ia fazer tudo online, e os escritórios, porque as pessoas iam só trabalhar de casa. Mas houve uma inversão, que está a ser mais rápida do que se esperava. Os centros comerciais estão cheios e com níveis de performance fabulosos. E as empresas chegaram à conclusão que é muito difícil trabalhar sem ser dos escritórios. Os líderes das empresas procuram agora escritórios que acolham as novas necessidades das pessoas, com espaços de lazer e sociais, que sejam uma extensão da casa, para que se sintam melhor a trabalhar no escritório do que em casa.

    E na logística também se verifica uma enorme força, por contraste até com a Alemanha e o Reino Unido. Porque é que Portugal está neste dinamismo? É o retalho, é o escritório, é o residencial…
    Portugal está muito dinâmico no imobiliário. A logística era o parente mais pobre do imobiliário em Portugal, mas passou a ter maior importância fruto, por exemplo, desta competição dos supermercados, das lojas, em ter sempre as prateleiras cheias. O ano passado foram ocupados 760 mil metros quadrados de logística. E se estivermos à procura de um armazém, muito dificilmente o vamos encontrar. 

    Que impacto é que as políticas de Trump podem ter neste setor? Há mais americanos a quererem viver em Portugal?
    Tem havido uma entrada de americanos nos últimos anos. Não é por causa de Trump, mas também é. Cada vez que há eleições no Brasil ou na América, Portugal é sempre uma das primeiras alternativas para os descontentes com quem ganha. Aconteceu com a eleição do Lula [da Silva]. Fui ao Brasil uma semana depois da vitória de Lula e tinha a sala cheia de pessoas que não tinham votado nele a querer saber como é que se podia comprar casa em Portugal. E o mesmo acontece em reação à eleição do Trump.

    E esta instabilidade na Europa, perigosa até, que impacto pode ter no setor?
    O Trump está muito virado para os EUA e tem tendência para fazer com que a economia fique mais rica e criar pessoas também mais ricas. Essas pessoas mais ricas gostam de ter casas noutros países e Portugal, hoje, está na linha da frente. Podemos tirar partido, sobretudo no imobiliário de luxo, de ter mais americanos por terem enriquecido mais. Também se as taxas de juros continuarem a baixar, o imobiliário acaba por se valorizar. E, depois, há o lado negativo. Se a América começar a taxar a Europa, se calhar, nós, os europeus, vamos ficar com menos capacidade de poupar e de investir no imobiliário. Para não falar da geopolítica, as guerras. Isso não é bom para ninguém.

    Olhando para 2025, que desafios vê?
    A questão das taxas de juro que tem um impacto grande. Depois, aqueles que eram os patinhos feios, como os escritórios, passam outra vez a estar na ordem do dia. E Portugal tem condições excelentes para ter data centres, dizem que a Península Ibérica vai ser um hub europeu. Vai ser um ano de crescimento. Estou bastante otimista. 

    Mais notícias