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Pedro Carvalho: “Não podemos segurar situações [de empresas] que não respeitem os direitos humanos”

Se não incentivarmos, à séria, as empresas que capturam as emissões de CO2 e não penalizarmos quem as produz, as coisas não vão mudar, defende o CEO da Tranquilidade.

13 de Setembro de 2023 às 18:04
Vítor Mota
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    Ter incentivos para subscrever determinados riscos e penalizações para outros, induzindo comportamentos sustentáveis através dos seguros é o que Pedro Carvalho gostaria de ver acontecer na regulação que a UE está a construir. Mas não é isso que está a acontecer. Um dos exemplos é o da taxa na aviação. Um euro. "Alguém deixa de viajar de avião por causa de um euro?" questiona, neste que é o início da terceira temporada de "Conversas com CEO", entrevistas enquadradas no projeto Negócios Sustentabilidade 20|30. Durante pouco mais de meia hora, que pode ser ouvida na íntegra em podcast nas plataformas habituais, o presidente executivo da Tranquilidade olha para os países por onde passou na sua carreira, fala-nos dos efeitos das alterações climáticas nos seguros e no acompanhamento que a companhia faz das empresas, podendo recusar-se a segurar quem não cumpre requisitos ambientais e sociais.

     

    Tem uma carreira global e diversificada, passou pela América do Norte, África do Sul e Europa. Qual o país onde gostou mais de trabalhar? 

    Gostei particularmente de trabalhar nos EUA, em Nova Iorque. Da forma expedita, descomplexada e pragmática com que as pessoas tratam da sua profissão, trabalho,  dinheiro. Da rapidez com que as coisas se podem fazer, que julgo ser muito maior do que em contextos europeus. Já nem falo do português. E existe [na Europa] demasiado preconceito em relação à criação de riqueza. Existe alguma esquizofrenia que não é saudável e que leva a todo o tipo de fenómenos de incumprimento ou de desencorajamento da criação de riqueza e do sucesso profissional, que é algo que em alguns contextos até temos vergonha de mostrar. Não devemos ser ostensivos, mas diria que vergonha a mais não faz sentido.

     

    Esta vergonha da riqueza, na Europa, talvez um bocadinho hipócrita, não terá a ver com a prioridade ao estado social?

    O estado social é algo em que me revejo profundamente. Mas já não me revejo no combate à riqueza, à sua criação e a irmos buscar poupanças ou riqueza a quem as acumulou. Porque tira o incentivo à sua criação. Os EUA têm problemas sociais sérios, mas são as escolhas da sociedade. A maior parte das pessoas não quer subsidiar situações de dificuldade social. ‘Se a pessoa não é bem-sucedida, se está a viver na rua, é porque não trabalhou o suficiente, não se esforçou o suficiente e eu não tenho de estar a contribuir com a minha parte’. Este é o sentimento dominante, mesmo em estados mais democráticos, como Nova Iorque ou Califórnia. 

    Na Europa há dois níveis. Há o grupo dos que combatem as desigualdades e não escondem a riqueza, e depois há outro em que ela é penalizada.

    Não é o caso da Europa.

    Não, na Europa é diferente, mas há dois níveis. Há o grupo dos que combatem as desigualdades e não escondem a riqueza, e depois há outro em que ela é penalizada.  França, por exemplo, tem muitas pessoas muito ricas e tem tido a capacidade de criar valor. Mas veja-se o Presidente Macron, que teve algum sucesso profissional e é bastante torturado por isso. Não vejo como possível a eleição de um milionário em França ou em Portugal como Presidente da República.

     

    E os países mais tolerantes são os do norte da Europa?

    Alguns do centro e norte. A Alemanha e a Áustria são países que tolerariam mais isso. O sucesso é mais encorajado. Mesmo em Itália, independentemente de discordar ou concordar com as políticas, a população elegeu Berlusconi, na altura um empresário de sucesso, reconhecido, um "developer", criador de coisas. Depois terá corrido pessimamente como primeiro-ministro e tinha todos os defeitos do mundo, mas dificilmente vejo alguém com esse perfil a poder sequer ser eleito em Portugal, mesmo como presidente de Câmara.

     

    Os eventos climáticos extremos são mais frequentes. Há efeitos no setor segurador?

    Conseguimos medir o aumento do risco por causa das alterações climáticas. E isto não é uma questão de opinião, é evidência empírica de que os fenómenos climáticos estão a ser mais extremos e mais frequentes em todo o planeta. Portanto, o risco aumenta.

    O risco induzido pelas alterações climáticas tem aumentado e é cada vez mais acompanhado, medido, e tem de ser mitigado para poder manter um custo aceitável

    E os custos associados?

    É um caminho que fazemos em conjunto com os nossos clientes: a mitigação dos riscos e dos seus impactos. Os mecanismos de prevenção são cada vez mais sofisticados e isso tem reduzido o impacto em caso de adversidade. Por um lado aumenta o custo, mas por outro conseguimos reduzir de alguma forma [com a prevenção]... O risco induzido pelas alterações climáticas tem aumentado e é cada vez mais acompanhado, medido, e tem de ser mitigado para poder manter um custo aceitável, porque a determinada altura deixa de ser aceitável para os clientes.

     

    Já internalizaram esses riscos nos modelos e os preços desses seguros têm subido?

    O preço, sem mitigação de risco, sobe. Mas todos os anos as empresas têm um caderno de encargos, construído em conjunto com as seguradoras, para melhorar a gestão de risco, o que tem permitido manter os prémios a níveis aceitáveis. Temos assistido a alguma subida em alguns setores e a descida noutros. Obviamente estou a falar em termos reais. Nos particulares, tem subido alguma coisa. 

     

    As grandes empresas terão de assumir, em 2024, alguns compromissos de responsabilidade social, nomeadamente direitos humanos. Têm alguma relação com os vossos clientes nestas matérias?

    Para determinados tipos de riscos que nos parecem demasiado elevados, ou as empresas tomam medidas, que identificamos com as nossas equipas, ou não trabalhamos com elas. E uma empresa que não consegue segurar o seu negócio tem dificuldades em obter financiamento e conseguir trabalhar. Os direitos humanos são um tema particularmente sensível. No grupo Generali temos particular cuidado com algumas indústrias, como os têxteis. Julgo que em Portugal as coisas são bem tratadas. Tem havido algumas exceções que mancham o trabalho da maior parte. Nós conhecemos bem o setor agrícola. E, recentemente, por causa de um episódio sério, grave e dramático, todo o setor agrícola ficou muito manchado. Podemos garantir, tendo uma quota de mercado muito elevada em seguros de colheitas, conhecendo bastante bem o setor, que não é assim que as empresas trabalham.

     

    Está a falar dos imigrantes?

    Sim. É uma situação que pode ser de várias empresas, depois as empresas dizem que subcontrataram outras empresas… Mas é fácil de saber, e as pessoas que estão no mercado sabem. Nós não podemos ter situações daquelas, não podemos segurar situações em que não se respeitam os direitos humanos.

     

    Isso é um compromisso vosso ou são regras já em vigor na regulação?

    Ainda não estão. Há um conjunto de princípios que estão enumerados na Aliança Zero das seguradoras mundiais, da qual a Generali faz parte, que tem a ver com a componente social e está bastante à frente da regulação europeia. Aguardamos e precisamos todos de regulação, não só proibitiva, que temo que seja o que vai acontecer. Na que está em consulta, só a taxonomia são milhares de páginas. Alguma coisa não vai correr bem. Gostávamos muito de ter incentivos para subscrever determinado tipo de riscos de áreas da economia que o mundo quer, para promover maior sustentabilidade, seja cultivo de vegetais, seja as energias limpas. E se calhar alguns menores incentivos ou até penalização por subscrevermos outros riscos.

     

    Uma sinalização pelos preços? 

    Friedman diria que é pôr um preço nas externalidades negativas que as empresas causam no mercado. Ou positivas. Se não incentivarmos, à séria, as empresas que capturam as emissões de CO2 e não penalizarmos, à séria, quem as produz, as coisas não vão mudar. Um exemplo com que fiquei muito desiludido. Esperaria que depois da covid, e de tudo o que se tem discutido sobre o ambiente, houvesse uma taxa forte sobre um bilhete de avião comercial, já nem falo da aviação privada. Mas está em um euro. Quem é que deixa de viajar por um euro? Um euro alguma vez paga a externalidade de uma viagem?

     

    Portugal é dos países mais expostos às alterações climáticas. Corremos o risco de ter seguros mais caros? Ou já temos?

    Temos riscos que outros países não têm e que têm de ter um custo associado. Nomeadamente, os riscos sísmicos. Quem quiser uma apólice que cubra riscos sísmicos em Lisboa tem um custo. Se pedir no Porto é quase zero. O mesmo se vai passando em relação às cheias. Foi bastante visível em Lisboa que há zonas que estão sujeitas a cheias. Dito isto, as cheias e as ondas de calor estão espalhadas por toda a Europa. Não sei até que ponto podemos dizer que em Portugal vai ser muito mais caro do que noutros países. Os seguros em Portugal têm uma tradição de serem bastante baratos, mesmo os de saúde. No automóvel é dois terços de Espanha.

     

    Os seguros de saúde são dos que merecem mais queixas sobre as seguradoras. Como é que tem gerido esta situação?

    O seguro de saúde é dos mais sensíveis para as pessoas, porque lhes toca fisicamente, de forma literal. Todos os operadores têm feito um esforço grande. A legislação também ajudou. Hoje não há letras pequenas nos contratos. Tentamos que haja uma tabela para quando a pessoa contrata o seguro saber o que está coberto, o que é que não está e quais são os limites.

     

    E com linguagem simples ou com aquele linguarejar que ninguém entende?

    Temos evoluído muito. Estamos a transformar os documentos todos em linguagem B1, que não requer literacia financeira. Fazemos isso nas apólices. Mas muitas vezes as pessoas não leem. E há um fenómeno que tem crescido muito em Portugal, que é as empresas contratarem um seguro de saúde para os  colaboradores. E o que é contratado, por vezes, não é a expectativa que o colaborador tem.

     

    Têm já critérios em relação à vossa carteira de investimentos? Por exemplo, a defesa e armamento…

    Sim, desenvolvidos pela Generali há bastante tempo. A defesa e o armamento estão excluídos ainda como investidor direto. Não sei se vamos rever essa posição a prazo. É uma questão. Todos os anos revemos a política de investimentos e descobrimos coisas que não sabíamos. O grupo Generali gere 800 mil milhões de euros e faz mudanças, por vezes, estruturais na sua carteira. Há outros setores que estão vedados. Por exemplo, não financiamos de forma direta, capital ou dívida, do setor do carvão.

     

    Na promoção da igualdade e da equidade, há proatividade?

    Em termos de participação das mulheres em posições estratégicas e liderança, temos o objetivo de chegar a 40%. Em Portugal estamos em 38%. É uma questão de tempo. Quem conhece o passado respeitável do grupo Espírito Santo e da Tranquilidade sabe que nem sempre foi assim. E o tema das pessoas com deficiência é particularmente importante. A nossa experiência com pessoas com deficiência é que dão muito mais valor ao trabalho. Trazem uma diversidade e uma perspetiva diferente sobre o trabalho e a vida às equipas. Criam um ambiente mais saudável.

    Bilhete de identidade Idade: 47 anosCargo: CEO da Tranquilidade Generali; Professor de Finanças na Nova SBE; (sócio sénior) da McKinsey International (2001- 2015); Goldman Sachs (2000); MBA pelo INSEAD (2001); Santander Investment (1998)Formação: Licenciado em Gestão na Universidade Católica (1997)
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