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Pedro Afonso: “Há um trabalho de imigração a fazer para executarmos os projetos” de transição energética

Vai haver mais dinheiro para projetos na energia do que pessoas para os entregar, alerta Pedro Afonso.

21 de Fevereiro de 2024 às 12:30
João Cortesão
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    Bilhete de identidade Idade: 48 anosCargo: Vinci Energies Portugal, CEO (desde abril 2019), Axians Portugal, CEO (2017-2018), Novabase, administrador (2009-2016), Entrepreneurship for Venture Capital, Stanford University, EUA Programa Avançado de Gestão, Universidade CatólicaFormação: Engenheiro Informático, Instituto Superior Técnico (1994-99)

    Em 2023 a Vinci Energies Portugal trouxe pessoas dos PALOP com uma proposta de trabalho, a quem deu formação, assumindo os custos da sua vinda, e que hoje estão a trabalhar no país. Esta foi uma das soluções encontradas para resolver a questão colocada pelo presidente executivo da empresa: "Como vamos ter pessoas para entregar a promessa de transição energética?". Convidado desta semana das "Conversas com CEO", Pedro Afonso considera que há um trabalho a fazer no domínio da imigração para resolver este problema. Numa entrevista que pode ser ouvida na íntegra em podcast e que está integrada na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, falamos de liderança e de como profissões diferentes olham para ela, dos problemas de saúde mental com a partilha do que viveu, da importância do lucro e da "governance", bem como dos desafios que se colocam às transições energética e digital.

     

    É autor do livro "Leadership - The Power of Giving Back". O que é que significa?

    Ao longo de 25 anos de carreira, primeiro mais ligado por pouco tempo às áreas técnicas, depois às da gestão, fui observando alguns comportamentos que não faziam muito sentido. Esta ideia de que as pessoas quanto mais crescem menos altruístas ficam é um pouco estranha, até contraditória. E em 2019, surgiu a oportunidade de um projeto com a Luísa Lopes, neurocientista, o António de Castro Caeiro, filósofo e professor, e a Joana Carneiro, maestrina. Profissões diferentes que partilham a liderança. A ideia era: como podemos fazer melhor, não centrado no próprio, mas no outro, que é o grande propósito da liderança.

     

    Têm algum tipo de regras ou inovação focada no bem-estar dos colaboradores?

    Durante a pandemia abrimos as consultas de psicologia suportadas pela empresa. E mantém-se até hoje. Na altura a adesão foi relativa, mas ultimamente tem crescido. As pessoas ganharam confiança no processo por ele ser anónimo. Por poderem falar com alguém que as pode ajudar.

     

    Há um problema crescente de saúde mental ou as novas gerações estão mais disponíveis para falar?

    As consciências são diferentes das de há uns anos, quando não se falava do tema.

     

    Não se falava e nem se podia falar.

    Nem se podia falar. O ano de 2013 foi muito duro para mim e só comecei a falar disso há uns 3 anos. Estava a gerir uma outra empresa e só tínhamos financiamento até ao final daquele ano. Se não a conseguíssemos vender, a empresa fechava. E eram cerca de 80 pessoas entre Portugal, França, Alemanha e Taiwan. Tinha, como tenho, dois filhos gémeos. E nos seus primeiros 3 anos de vida passava 190 dias por ano a dormir em hotéis. E era muito importante resolver o problema da empresa. Foi aí que também ganhei especial atenção à saúde que o lucro dá às organizações. O risco de a empresa fechar era grande. E o exercício da liderança, naquela circunstância, era muito difícil, porque tinha de passar tranquilidade às pessoas e tudo o que não tinha era tranquilidade. A partir de certo nível não aguentamos essa pressão, não é humanamente suportável. Tinha de ter uma conversa para a equipa e outra para mim. E quando temos os valores desalinhados, entre aquilo em que acreditamos e o que estamos a fazer, temos um problema.

     

    Essa experiência ajudou-o a ter uma liderança mais empática?

    É uma pergunta que tem de fazer às equipas. Fazemos um esforço para nos colocarmos nos sapatos do outro e tentarmos sentir o que sente. Já não vivemos no mundo em que somos super-homens ou supermulheres e resolvemos os problemas de todos. Nem acredito naquela ideia de que a liderança é muito solitária. Há momentos solitários, mas não podem ser muitos. Hoje somos inundados com muita informação ao mesmo tempo e a nossa capacidade de aprender tem uma limitação biológica.

    (…) a inteligência artificial não é um tema digital, é cognitivo.

    Exige o modelo colaborativo?

    Um modelo colaborativo e confiar que o outro sabe mais do que eu. Hoje temos de incorporar conhecimento jurídico, de ‘compliance’, matérias de áreas que o engenheiro, há 20 anos, não imaginava que tinha de saber. Temos de aprender psicologia, porque recursos humanos não é do departamento de recursos humanos, é de liderança. Temos de saber de inteligência artificial, aprender como é que vai condicionar o nosso trabalho. Porque a IA não é um tema digital, é cognitivo.

     

    Que impactos vê na inteligência artificial?

    Já fizemos várias transições e temos o que consideramos ser o contrato comercial mais antigo do mundo, com cerca de 200 anos e renovado a cada três: o sistema de iluminação da Assembleia Nacional de Paris. Há 200 anos era operado com velas – em que muitas pessoas as iam acender e apagar – e hoje é com led, é uma consola digital. A razão da nossa existência é ajudar a que as transições, energética e digital, aconteçam.

     

    E qual é o desafio das empresas portuguesas no digital?

    É o fator humano, com dois elementos. Por um lado, a requalificação da força de trabalho. Por outro lado, a confiança, a reputação da empresa do nosso grupo que está a trabalhar com aquele cliente. A transformação digital, a transformação cognitiva com a IA, é 20 ou 30% tecnológico, 70 ou 80% é humano. A IA traz uma dimensão de exclusão, se a pessoa não se atualizar, que temos de combater, mesmo dentro de uma organização sofisticada. Fazer as pessoas entender que isso não lhes tira o trabalho, tira-lhes o esforço.

     

    E na transição energética qual é o problema nas empresas portuguesas?

    Não sei se é das empresas portuguesas. Há pouco tempo, um jornal dizia: "Até 2030, vai-se investir na Europa 650 mil milhões de euros em transição energética". É claro que vai haver mais dinheiro para projetos do que pessoas para os entregar. A questão é: como vamos ter pessoas para entregar a promessa da transição energética? O grande desafio é ter uma força de trabalho qualificada para entregar todos os projetos que se preveem. Porque aqui o trabalho tem de ser feito fisicamente, não existe o modo remoto.

     

    E tem conseguido atrair essa força de trabalho?

    Nos nossos quadros temos, entre digital e energia, cerca de 70 nacionalidades a viver em Portugal ou nos países onde estamos. Na transição energética é preciso requalificar ou qualificar mão de obra específica, porque meter as mãos no sítio errado, na energia, pode significar a morte. Em 2023, trouxemos pessoas dos PALOP com uma proposta de trabalho e que hoje estão nas nossas empresas em Portugal. Demos formação, assumimos o custo da vinda e têm condições ao nível dos portugueses. Há um trabalho de imigração a fazer para termos força de trabalho formada pelas empresas e executarmos os projetos que temos para fazer.

     

    Era preciso fazer uma gestão mais ativa da imigração ou fazer o que fizeram: identificar pessoas e desafiá-las a emigrar?

    A abraçar um projeto. Não há uma solução única para um problema que é complexo. Não me sinto capaz de opinar sobre o que temos de fazer ao nível público. Hoje temos condições para fazer, vamos dizer assim, boa imigração, com as várias dinâmicas da sociedade a atuarem sincronizadas para termos mão de obra para contratar. O que não podemos é dizer ‘não se faça’. Tem de se fazer e pensar como fazer bem feito.

     

    Há algum problema em Portugal que precise de atuação das políticas públicas?

    Há um tema de celeridade para os processos serem desbloqueados.

     

    Ou seja, desburocratizar?

    Desburocratizar ou, se é para usar a burocracia, então que se metam meios para que a burocracia ande rápido.

    Temos uma desconexão entre o que se diz que se vai fazer e o que realmente se operacionaliza na execução.

    Têm esse problema das autorizações?

    Nós diretamente não, mas os nossos clientes sim. E naturalmente os projetos atrasam. Temos uma desconexão entre o que se diz que se vai fazer e o que realmente se operacionaliza na execução. É muito interessante ter ideias muito bonitas e temos muitas ideias. Mas essa falta de paixão pela execução existe, há sempre uma razão para não se fazer: ou alguém não autorizou, alguém que é responsável ou que não é responsável por não ter acontecido. E isso não faz muito sentido.

     

    Integram o grupo que, em Portugal, gere os aeroportos, que têm emissões muito significativas. Não há uma contradição entre o que fazem e o que é a Vinci como a conhecemos em Portugal?

    Espero que este podcast também ajude a explicar que há duas Vinci em Portugal. Há a Vinci dos aeroportos e a Vinci Energies. Sobre aeroportos terá de perguntar aos meus colegas. A nossa relação com a ANA é de cliente-fornecedor. 

     

    E isso não coloca problemas de "governance"?

    Não. São concursos aos quais respondemos, uns ganhamos, outros perdemos. Mas na ‘governance’ há um tema importante de sustentabilidade. A Vinci Energies é um ‘corporate’ hiperdescentralizado, presente em 64 países com 56 polos de gestão, Portugal é um deles. Um modelo destes significa confiança entre o ‘management’ e uma ‘governance’ operacional com temas que só tenho de informar, outros que tenho de pedir autorização e finalmente os que digo "aconteceu assim". Cerca de 90% são de gestão e autonomia local. E isto funciona quando a ‘governance’ operacional está alinhada com o estatutária. Muitas vezes o que vemos falhar em Portugal é que há um ‘governance’ escrito, mas que termina no advogado que fez os estatutos. Além disto, a sustentabilidade vem das empresas terem sustentabilidade ao nível das finanças. Em Portugal temos muito esta ideia de diabolizar o lucro. O lucro é o indicador final de saúde do trabalho que as equipas estão a fazer. Se queremos resolver o problema dos salários, temos de entregar mais valor diferenciado aos clientes, o que vai resolver o problema da produtividade que vai trazer lucro. Por isso, o lucro é uma coisa boa. 

     

    Mas mais do que o lucro, devemos também envolver todos os interesses em presença. Essa nova perspetiva de alguns acionistas não facilita essa não diabolização do lucro?

    Facilita, mas sinto que vivo numa bolha. Se for ao nosso relatório de contas vai ver que os acionistas valorizam a componente financeira em apenas 50%. Os outros 50% têm a ver com diversidade e inclusão, a solidariedade que fazemos nas comunidades à nossa volta. E todo o trabalho que temos vindo a fazer na área ambiental. Tudo isto conta.

     

    Cabe às empresas explicar que não é só o lucro que as mobiliza.

    Cabe às empresas. Mas o lucro tem de existir para que tudo possa funcionar sustentavelmente, para os gestores e as pessoas não ficarem em ‘burnout’, porque ‘casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão’.

     

    Em Portugal esta é uma área de crescimento independentemente dos conflitos que vivemos no mundo?

    O nosso objetivo é dobrar o tamanho do grupo nos próximos 10 anos em Portugal, através de aquisições e de projetos de grande dimensão. Em Portugal e de Portugal para o mundo porque muitas coisas temos feito a partir daqui, desenvolvendo pessoas, identificando os ‘skills’ que temos hoje disponíveis e quais os novos que temos de ter daqui a três e cinco anos para preparar o futuro para este crescimento. E isso é sustentabilidade. 

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