Outros sites Medialivre
Notícia

O acordo na COP28 “ajuda a Europa a estar mais acompanhada”

O tempo dirá se foi um acordo histórico, mas o que se passou no Dubai “é um passo muito significativo e importante”, permitindo também que a UE esteja menos isolada na linha da frente da transição energética, defende Assunção Cristas.

20 de Dezembro de 2023 às 12:30
Bruno Colaço
  • Partilhar artigo
  • ...

Video Player is loading.
Current Time 0:00
Duration 40:09
Loaded: 0.41%
Stream Type LIVE
Remaining Time 40:09
 
1x
    • Chapters
    • descriptions off, selected
    • subtitles off, selected
    • en (Main), selected

    Bilhete de identidade Idade: 49 anosCargo: Advogada na Vieira de Almeida, responsável pela área de Prática de Ambiente e da Plataforma de Serviços Integrados ESG; professora na Nova School of Law onde coordena o Mestrado em Direito e Economia do Mar e o Nova Ocean Knowledge CentreFormação: Doutorada em Direito, Nova School of Law 

    A legislação europeia, que começa a entrar em vigor, desafia as pequenas e médias empresas portuguesas a recolherem e organizarem informação que lhes vai ser solicitada pelas grandes empresas, suas fornecedoras ou clientes, e até pela banca. É um dos alertas de Assunção Cristas, convidada desta semana das "Conversas com CEO" integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30 e que pode ser ouvida na íntegra em podcast. Advogada com a área de Ambiente e Serviços Integrados ESG na sociedade Vieira de Almeida (VdA), professora universitária nestes domínios e membro do júri do Prémio Nacional de Sustentabilidade, vê a legislação europeia como um desafio, mas também como uma oportunidade para a criação de novos negócios. O que está aliás a acontecer com a criação do primeiro fundo em Portugal que espera obter rendimentos pela via do sequestro de carbono. Esteve na COP28, no Dubai, e testemunhou "um mundo em movimento" a querer contribuir "para uma agenda de profunda transformação" que, em conjunto com a legislação europeia, está a criar uma dinâmica imparável que vai "influenciar crescentemente as empresas".  

     

    Está envolvida na academia e na advocacia. Foi também à COP28 e tem participado em iniciativas nos países de língua oficial portuguesa. Qual é segredo para fazer tanta coisa?

    O segredo é potenciar as várias dinâmicas. O que ensino e estudo para a faculdade é também aquilo que aplico na minha prática como advogada. Estive na COP, no Dubai, mas também em Luanda e em São Vicente, em Cabo Verde, em conferências ligadas ao desenvolvimento da economia azul. Na área da sustentabilidade estamos a assistir a um verdadeiro tsunami legislativo.

     

    E gostaria de voltar à política ou está muito confortável com o que tem?

    Não diria confortável, porque sou por natureza desassossegada. Estou quase sempre fora da minha zona de conforto. Regressar à faculdade depois de dez anos na política é um desafio. Ter a experiência de quem esteve do lado do legislador, no governo, no parlamento, na vereação, é enriquecedor. Mas obviamente que obriga a um esforço grande de atualização, de estudo, de comunicação. E na advocacia também, porque estou a trabalhar em áreas novas. Nunca tive planos para a política. Neste momento estou muito feliz e muito empenhada no que faço na faculdade e na Vieira de Almeida. Em setembro, vai arrancar uma licenciatura totalmente dedicada ao mar, a Ocean Studies. Junta cinco faculdades da Nova e ainda a Universidade do Algarve e de Évora. É inédito a nível mundial. Mais o mestrado em Economia do Mar que no ano passado passou de quarto lugar no "ranking" mundial para primeiro.

     

    Esteve também na COP28. Surpreendeu-a o acordo?

    Só estive três dias, mas o suficiente para perceber a dinâmica que se gera à volta das salas principais onde estão os decisores políticos e os seus "staffs" a fazerem o trabalho de negociação da declaração que foi adotada. O que se vê é um mundo em movimento, cheio de organizações privadas e públicas a quererem contribuir para uma agenda de profunda transformação. Há uma dinâmica imparável a que se junta um quadro legislativo europeu, das políticas públicas e da maneira como isto vai influenciar crescentemente as empresas. Não é assim em todas as partes do mundo, mas no caso da Europa sempre fomos mais ativos e liderantes.  

     

    Este acordo na COP28 poderá contribuir para que a Europa fique menos isolada na frente deste combate?

    Penso que sim. E isso é muito importante. Ouvimos as críticas das empresas europeias, dizendo que a Europa quer estar sempre na linha da frente e que isso depois as penaliza do ponto de vista competitivo. Mas a Europa, por exemplo, também aprovou há pouco tempo e já entrou em vigor o ‘Carbon Board Adjustment Mechanism’ (CBAM), colocando um preço no carbono [nas emissões dos bens produzidos fora da UE], para evitar que as empresas europeias se deslocalizem para geografias onde não há o tal preço do carbono. Há uma preocupação de garantir que as empresas europeias não ficam desfavorecidas.

    Mas não estão mesmo desfavorecidas? Aumenta os custos de produção…

    Aumenta os custos, mas também a sua oportunidade de negócio. Os estudos mostram que as empresas comprometidas com uma agenda comprovada de sustentabilidade conseguem ter melhores resultados. E a verdade é que temos uma COP, no coração de países produtores de petróleo, em que pela primeira vez aparece a referência a entrar-se decisivamente num período de transição e de mudança progressiva no setor energético. É claro que não está lá, como alguns gostariam, uma eliminação, mas está uma transição. E às vezes as palavras são aquelas com as quais o mundo consegue conviver. É um passo em frente e muito significativo.

     

    Foi um acordo histórico?

    Histórico, veremos. Os históricos vêm depois de comprovados. Em muitos casos há letras que ficam mortas e noutros há momentos em que se transformam em algo muito relevante. Guardemos o adjetivo para daqui a uns tempos. Mas é um passo muito significativo e importante pelo contexto, pela geografia e também pelo momento difícil que o mundo vive. E ajuda a Europa a estar mais acompanhada, sim.

     

    A regulamentação europeia é complicada e um labirinto. Qual a mais exigente para as empresas portuguesas?

    A sustentabilidade, do ponto de vista regulatório, é de facto um puzzle complexo, mas que faz sentido. Tem uma coluna vertebral que é a taxonomia europeia. Está tudo alinhado com o Acordo de Paris e com a ideia de que é preciso fazer sair os financiamentos, de atividades que não nos ajudam na agenda ambiental, para as que estão alinhadas com os seis objetivos ambientais europeus. Começámos pelo clima, pela mitigação e adaptação, mas agora já temos os outros quatro objetivos também com legislação: a biodiversidade, a economia circular, a prevenção da poluição e o bom estado dos recursos hídricos e marinhos. A legislação europeia de sustentabilidade diretamente só se aplica, para já, às grandes empresas e ao setor bancário e financeiro. Só que, como tem uma lógica de cadeia de valor, vai espalhando a sua influência. E temos, mais adiante, uma diretiva que vai ser bastante transformadora e exigente, a da Diligência Devida. Aí passamos da lógica de ‘conta-me como fazes’ para ‘faz de maneira diferente’. E com sanções associadas.

     

    Mas vamos falar da primeira, mais urgente. Qual a área mais difícil para Portugal?

    Portugal tem menos empresas abrangidas diretamente, por causa da dimensão. Mas é uma economia aberta e as nossas PME estão em muitas cadeias de valor de empresas que são abrangidas. O primeiro desafio para as nossas empresas, que muitas vezes não têm recursos, é conseguirem responder a toda a recolha e organização da informação que precisam de passar a dar. Informação sobre as suas emissões, mas também sobre outros aspetos, como os sociais, que lhes vão passar a ser perguntados, se não diretamente, indiretamente pelas empresas de quem são fornecedoras ou clientes. Os grandes motores desta transformação são, não só as grandes empresas, mas também o setor bancário e financeiro porque têm obrigações próprias relacionadas com os seus rácios de aplicação do capital a atividades sustentáveis. O setor bancário financeiro quer alinhar-se com o ‘Banking Book Taxonomy Alignment Ratio’ (BTAR) que já vai abarcar as PME e que vão começar a sentir isso. Quando quiserem financiar a sua atividade é natural que o banco comece a aplicar questionários e que depois diga ‘consigo arranjar-lhe um bom crédito se fizer a transformação, por exemplo, no sentido da eficiência energética’.

     

    Se hoje as empresas não se prepararem, daqui a cinco anos podem já não ter lugar no mercado.

    Como é que as sociedades de advogados podem contribuir para esta transição?

    Um dos nossos trabalhos na Vieira de Almeida é pedagógico. Normalmente o que se pergunta a um advogado é: ‘a que é que eu estou obrigado? E se eu não fizer, o que é que me acontece?’ Mas se dissermos só isto estamos a fazer um péssimo papel de aconselhamento. Porque hoje a legislação é uma, mas daqui a cinco anos vai ser outra e já sabemos o que vai acontecer. E se hoje as empresas não se prepararem, daqui a cinco anos podem já não ter lugar no mercado.  Esta diretiva de que estamos a falar ainda não está transposta. Temos um prazo de mais cerca de seis meses de transposição. Ainda não se conhece o decreto-lei ou a lei que vai vigorar…

    Vejo em toda esta legislação conjunta [europeia] imensas oportunidades para desenvolvimento de negócios.

    …A diretiva entra já em vigor em 2024…

    Há uma parte que já vem de trás, outras que entram já em vigor apesar de ainda não transposta. Mas vão aparecer outras, e essas já trazem sanções. Por exemplo, vão obrigar as empresas a explicar como é que estão a desenvolver a sua atividade e de que forma é que isso é condizente com a contenção do aumento da temperatura global num grau e meio. E como é que os seus corpos dirigentes são remunerados em linha com esses objetivos.  É a Diretiva da Diligência Devida em Matéria de Sustentabilidade – ambiente e direitos humanos. Estamos ainda numa antecâmara de uma transformação mais profunda. E há outro tema muito interessante que é o das compensações carbónicas onde também há legislação nova e criar oportunidades. Vejo em toda esta legislação conjunta imensas oportunidades para desenvolvimento de negócios.

     

    O setor das florestas pode desenvolver o negócio de venda de direitos de carbono?

    Completamente. Na VdA apoiámos o primeiro fundo constituído em Portugal para comprar e arrendar terra menos produtiva, nas zonas desfavorecidas de Portugal e de Espanha, para desenvolver projetos florestais de espécies autóctones. E um dos rendimentos desse fundo prevê-se que seja os direitos de sequestro de carbono. É o primeiro fundo em Portugal do chamado Dark Green, artigo 9.º, de mais um regulamento europeu, o SFDR, que nos abre oportunidades muito interessantes. Espero que no mar qualquer dia sejam as florestas marinhas a atrair investimento e trabalho. Temos agora uma oportunidade de darmos um salto através das eólicas offshore. Estamos em processo de pré-leilão e espero que esses parques eólicos também sejam âncoras de agregação de outras atividades. 

     

    A Europa está rodeada por dois conflitos. Que impactos pode ter nestas estratégias?

    A COP agora no Dubai ajudou a reafirmar esse caminho, o que leva a crer que não há volta atrás. Pode permitir-se algo mais numa lógica transitória. Mas não vai afetar os fundamentais, porque estão muito bem documentados do ponto de vista científico e as opiniões públicas já os perceberam. Mas sobretudo porque todos os anos vemos uma multiplicação de fenómenos extremos. O grande desafio é se conseguimos pôr o dinheiro na prevenção e na transformação e não apenas quando as desgraças acontecem. Sabendo nós que essas desgraças vão mesmo acontecer. Mesmo que parássemos o mundo agora elas iriam continuar a acontecer, porque há muitas emissões acumuladas que precisamos de retirar da atmosfera. O desafio é saber se nós, nas nossas vidas, fazemos essa transformação e como a fazemos. E aí voltamos às políticas públicas e ao pau e à cenoura.

     

    É mais a favor do pau ou da cenoura?

    Gosto sempre mais dos incentivos positivos, mas temos de ter um bocadinho das duas coisas.

    Mais notícias