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Maria João Ribeirinho: “País tem condições naturais vantajosas para liderar a nova revolução industrial”

“Estou a ver muitos interessados que olham para possíveis localizações em Portugal e Espanha”, afirma a sócia sénior da McKinsey, frisando que é possível criar 300 mil empregos bem remunerados e aumentar o rendimento num montante que poderia representar 10% a 20% do PIB.

15 de Novembro de 2023 às 12:00
Maria João Ribeirinho, sócia sénior da McKinsey Tiago Sousa Dias
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    Bilhete de identidade Idade : 47 anos
    Cargo: Sócia sénior da McKinsey, Portugal e Espanha, BPI, Analista de acções (2000-02)
    Formação: MBA no INSEAD; Licenciada em Economia, Universidade do Porto

    É uma oportunidade única para Portugal. As palavras são da sócia sénior da McKinsey Portugal e Espanha, considerando que não houve outro momento na história em que o país tenha estado tão bem posicionado para atrair investimento e se reindustrializar, podendo criar 300 mil empregos bem remunerados e aumentar o rendimento num montante que poderia representar 10% a 20% do PIB. A vantagem vem da "capacidade de produzir energia renovável 20 a 30% mais barata do que a média na Europa central", afirma Maria João Ribeirinho, convidada das "Conversas com CEO" integradas na iniciativa Negócios|Sustentabilidade 20|30 aqui editada e que pode ser ouvida na íntegra em podcast. Durante mais de meia hora de entrevista, que aconteceu antes da crise política, falou-se das oportunidades que se abrem e do interesse que o país está a suscitar no exterior, compararam-se as estratégias de transição europeias e norte-americana e identificaram-se saídas para melhorar a posição na igualdade de género na liderança das empresas.

     

    Tem trabalhado na Europa, EUA, Brasil. Que zona a impressionou mais positivamente?

    O Brasil pela dimensão das oportunidades,  diversidade e também pela falsa sensação que muitas vezes os portugueses têm de que o Brasil é igual a Portugal. É um mercado diferente e culturalmente até mais próximo dos EUA do que de Portugal, apesar de falarmos a mesma língua. Passei lá alguns anos e tenho muitas ligações ao Brasil. Fiquei com muitos amigos e tenho muita admiração pelo país. Foi provavelmente uma das experiências em que mais aprendi e que mais me surpreendeu.

    "Um ‘sim’ [no Brasil] às vezes quer dizer ‘talvez’ ou ‘não’."

    Também foi a pensar que seria como Portugal?

    Sim, pensei que ia ser mais próximo porque falamos a mesma língua, temos raízes históricas comuns. Foi uma surpresa na construção frásica, nas expressões, mas também na cultura e na diferente assertividade, no que é que um ‘não’ quer dizer. Um ‘sim’ às vezes quer dizer um ‘talvez’ ou até às vezes um ‘não’. Ter essa perceção cultural foi super enriquecedora. Mas é um país com uma oportunidade gigantesca, especialmente nos temas de energia e da sustentabilidade.

     

    O ambiente é um dos problemas mais prementes. Em que ponto está a Europa e Portugal quando compara com os EUA ou o Brasil?

    A Europa definiu um caminho e está a percorrê-lo. Poderia ser mais rápido em muitas dimensões. Os Estados Unidos, se calhar, começaram de uma forma um pouco diferente, mas aceleraram muitíssimo e têm hoje um enquadramento que permite avançar de forma decidida e mais rápida do que a Europa em algumas áreas. Portugal parte de uma situação que considero positiva e tem muito para ganhar na transição energética e em todos os temas de sustentabilidade.

     

    O que é que a leva a ser crítica em relação à Europa?

    O caminho traçado faz sentido. A crítica é para a forma como estamos a implementar o que temos de fazer para lá chegar. Estou a falar mais do ‘E’ no ESG, dos temas ambientais e de transição energética. Vamos ter de fazer investimentos importantes. Provavelmente vai ser a maior realocação de capital desde a II Guerra Mundial. Vamos ter de investir mais de 9 biliões [trillion, na versão americana] de dólares por ano, mobilizar uma fatia muito importante da riqueza que geramos –7% ou 8% ao ano –, para fazermos os investimentos necessários para atingirmos objetivos. Isso exige mobilizar empresas, sociedade, Estado e reguladores. Está a acontecer, mas poderíamos ter um ritmo mais rápido. Os EUA estão a conseguir ir mais depressa. Estou a pensar no IRA (Inflation Reduction Act), na velocidade dos licenciamentos e de execução que permite que os processos sejam mais simples e rápidos. A Europa tem oportunidade de acelerar.

     

    Como é que as empresas devem enfrentar esta situação em Portugal e na Europa?

    Portugal tem condições naturais vantajosas para liderar uma nova revolução industrial. Não houve outro momento na história em que Portugal tenha estado tão bem posicionado. Portugal, e Espanha diria, pela sua localização e pelas condições naturais que têm, pelo sol e vento. Vamos ter capacidade de produzir energia renovável 20 a 30% mais barata do que a média na Europa central. E isso vai ser chave para deslocalizar também a indústria. Podemos desenvolver essas indústrias em Portugal, de energias renováveis, de hidrogénio, mas também atrair capital para reindustrializar a economia. Isso pode ter um efeito multiplicador na riqueza e capacidade de nos aproximarmos da Europa ocidental.

     

    E identifica investimentos nesses setores que vêm aproveitar a energia mais barata?

    Sim, estamos a ver já algumas coisas a acontecer e podem acontecer muito mais. É uma oportunidade  única. Vai ser uma realocação de capital como nós não vemos desde a Segunda Guerra Mundial.

     

    Mas vemos é um país cheio de turistas. Estamos a ver mal?

    A indústria transformativa toca um milhão de postos de trabalho em Portugal, muito mais do que a restauração e turismo juntos. Na relocalização ou a localização de indústrias de elevado valor acrescentado em Portugal falamos de postos de trabalho bem remunerados e de valorizar este coletivo que já trabalha na indústria. E em criar postos de trabalho que poderiam ser 30% mais – 300 mil empregos. No médio e longo prazo, poderia ser a oportunidade para Portugal aproximar o bem-estar e o nível de riqueza da Europa ocidental. Poderia representar 10 a 20% do PIB.

     

    Está a ver isso a acontecer?

    Estou a ver muitos interessados que olham para possíveis localizações em Portugal e Espanha.  Os primeiros passos, as primeiras conversas, as primeiras coisas estão já a acontecer. Mas muito mais pode acontecer se como sociedade e como país tomarmos a oportunidade como algo transformador que tem potencial para ser.

    "Equipas de gestão mais diversas funcionam melhor, têm melhores ideias, melhores debates, questionam-se mais."

    Identifica algumas razões para que Portugal compare mal com outros países europeus em matéria de liderança feminina?

    A percentagem de mulheres na liderança das empresas em Portugal, apesar de ter subido, continua a ser mais baixa do que a média da Europa. Para além da equidade, há muitas vantagens. Equipas de gestão mais diversas funcionam melhor, têm melhores ideias, melhores debates, questionam-se mais. O meu interesse pelo assunto vem também porque acredito, e os muitos estudos mostram isso, que uma equipa de gestão mais diversa e não só de género, gera melhores resultados económico-financeiros. Mas mais do que pensar nas causas, gosto de pensar no que podemos fazer.

     

    Podemos fazer o quê?

    Uma delas é a consciencialização de que uma equipa diversificada funciona melhor, e o apoio do CEO, no sentido de diversificar. É preciso medir onde estão os pontos de fuga. Nas universidades, 50% ou até mais, em alguns casos, dos formados são mulheres. À entrada das empresas também assim como os melhores alunos. Daqui até ao ponto de CEO há pontos de fuga.  E depois há uma série de coisas que se podem fazer, como programas de mentoria, de desenvolvimento de liderança.  Há dois elementos muito importantes: um é o da flexibilidade. Reter talento diverso exige que as empresas se abram ao trabalho flexível, focando-se mais nos produtos finais e menos em quando é que as coisas são feitas. O outro tema é o ‘degrau partido’. Dantes falava-se muito do "glass ceiling". Mas o grande ponto em que, muitas vezes, as mulheres não avançam nas carreiras é na gestão intermédia, mais do que à frente. Consertar esse degrau partido é conseguir trabalhar nos nossos preconceitos inconscientes.

     

    A McKinsey tem planos internos de sustentabilidade?

    Temos uma área dedicada a medir o nosso plano de sustentabilidade. Mas aquilo a que mais nos dedicamos é em sermos um catalisador das transformações de sustentabilidade dos nossos clientes. O nosso ‘motto’ é sermos parceiros dos nossos clientes a identificar as principais iniciativas de sustentabilidade, ligando-as à estratégia e, a partir daí, ajudar a desenvolver as vantagens competitivas para avançar. As grandes empresas e as médias, todas têm algum plano de ESG. A questão é se esses planos estão ligados à estratégia das empresas. E consegue articular a narrativa da razão pela qual isso é fundamental para as suas vantagens competitivas?  Há todo um leque de coisas para fazer como mudar processos produtivos, criar negócios na área da sustentabilidade, mudar a forma como se faz investigação e desenvolvimento ou como se olha para a área comercial, como fazer contratos de ‘offtake’ de produtos verdes. Há toda uma área de trabalho em que colaboramos com os nossos clientes em parceria e que acredito que tem muito impacto.

     

    Tem trabalhado setores como a energia, a construção e a mineração. Está a assistir ao empenho dos CEO para esta transição? Acreditam que é rentável ser sustentável?

    Muitíssimo. Não posso generalizar. Diferentes setores focam-se mais em determinados elementos da sustentabilidade. No caso das empresas de energia e materiais, o tema ambiental é muito importante, o de conseguir a transição energética. Na construção e infraestruturas, até os próprios investidores têm uma expectativa de que invistam mais na parte social. Na banca e seguros há uma expectativa maior de que invistam mais na  governance, garantindo que o governo é o mais adequado. Quando olhamos para a economia, as 3 dimensões têm igual relevância e importância. Mas nos setores de atividade e nas empresas, cada um tende a focar-se mais em algumas dimensões. O esforço é muito grande. As empresas sabem que, se querem ter um prémio verde, se querem até subsistir, têm de fazer transformações muito profundas nos processos produtivos, no portefólio de negócios, para conseguirem capturar as oportunidades e muitas vezes sobreviver nesta grande mudança que estamos a viver.

    "(…) São as empresas que dão passos nos momentos de maior incerteza que normalmente saem ganhadoras."

    Estamos a viver momentos muito desafiantes no mundo, vamos no segundo conflito. Estas alterações podem significar algum retrocesso nestas estratégias?

    O que estamos a viver, primeiro, tem um efeito devastador nas vidas humanas e é o que mais choca e preocupa a todos. Dito isto, as questões geopolíticas e todo o quadro de incerteza em que vivemos faz com que seja mais difícil navegar. Se juntarmos os custos das matérias-primas a aumentarem, a inflação, as dúvidas sobre o crescimento económico, as taxas de juro a subirem…há um quadro de maior incerteza que faz com que seja mais difícil navegar a transição energética e a transformação que estamos a viver. Mas vejo que há muitas empresas que estão a conseguir ser ambiciosas e disciplinadas e a dar passos, apesar desta incerteza.

     

    É não ter medo e avançar.

    Avançar de forma decidida, disciplinada, medindo os riscos, mas a verdade é que são as empresas que dão passos nos momentos de maior incerteza que normalmente saem ganhadoras.
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