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Luís Barroso: "A mobilidade elétrica pode promover a independência energética"

Pelos resultados já obtidos, temos motivos para nos orgulharmos da transição energética na mobilidade que estamos a fazer, considera o presidente executivo da Mobi.e.

17 de Abril de 2024 às 12:00
Pedro Catarino
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    Bilhete de identidade Idade: 56 anos
    Cargo: Mobi.e, CEO (desde 2019); CFO em diversas empresas: Porto de Lisboa, Carris, Metro de Lisboa, Transtejo e Soflusa (2009-2019); Gabinete da secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, adjunto (2007-2009); Grupo Caixa (1992- 2007)
    Formação: Mestrado em Análise Financeira

    Portugal é já o terceiro país europeu com maior quota de carros elétricos ou ‘plug-in’, apenas ultrapassado pela Suécia e a Noruega. Um resultado que em parte se deve a um modelo único no mundo em que, com um contrato de energia, independentemente do fornecedor, é possível fazer carregamentos em todo o país. Esta é uma das perspetivas dada pelo presidente executivo da Mobi.e, a empresa que gere este sistema inspirado na SIBS. Convidado desta semana das "Conversas com CEO", integrada na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, Luís Barroso fala-nos do sistema para o qual a União Europeia avança agora com um regulamento. Durante mais de meia hora, numa entrevista que pode ser ouvida na íntegra em podcast, falamos da internacionalização da Mobi.e, do papel que este modelo tem tido na criação de mercado de empresas para a mobilidade elétrica, do que pode ser o seu futuro enquanto gestora também das soluções de hidrogénio e de a prazo poder ter o seu capital nas mãos dos "stakeholders".


    Como é que passa da banca para este setor da mobilidade?
    Como muitas vezes acontece na vida, por acaso. Na altura, um ex-colega da banca era adjunto do então secretário de Estado do Tesouro e ligou-me a perguntar se estaria interessado em ser adjunto financeiro na secretaria de Estado dos Transportes. Na banca também já tinha tido algum contacto com a área dos transportes, na montagem das operações do Metro do Porto e de Lisboa. Desde então vieram outros desafios.

    Têm existido progressos nos transportes públicos, tão importantes para a descarbonização?
    Acho que sim. Apesar de nunca estarmos contentes com o que temos, o sistema de transporte, sobretudo nas grandes áreas metropolitanas, é bastante bom. E essa melhoria reforçou-se recentemente com a transformação do sistema tarifário que atraiu e tornou mais acessível o transporte público. E também a reorganização, em Lisboa, no Porto e um pouco por todo o país, em que se passou a olhar para o sistema e não para os serviços de cada uma das empresas. E a digitalização parece-me fundamental.

    Como pode a digitalização contribuir para isso? Quer dar-nos um exemplo?
    Por exemplo, na Mobi.e as pessoas têm acesso à informação da rede através de uma aplicação de telemóvel. Porque não a integrar com a oferta de transportes? Estamos em conversações com a Transportes Metropolitanos de Lisboa, porque se quem usa o carro não conhecer a ofertas de transporte público dificilmente terá apetência para mudar. E também podemos integrar informação sobre bicicletas. Penso que é extremamente positivo neste caminho para a sustentabilidade. E quem diz Lisboa, diz Porto, Braga, todas as localidades, porque a Mobi.e tem a virtude de chegar a todo o país.

    E o que é a Mobi.e?
    A Mobi.e foi adquirida pelo Estado em 2015, embora nunca tenha tido antes atividade. Ficou parada de 2011 até 2016, altura em que foi incumbida de recuperar o projeto inicial de disponibilizar um posto de carregamento [para carros elétricos] nos 308 municípios, dando uma capilaridade que, passados quase 10 anos, ainda é única no mundo. Ao mesmo tempo criámos um mercado de mobilidade elétrica. E servimos também um pouco de assessores do Governo para a mobilidade sustentável.

    O sistema de transporte, sobretudo nas grandes áreas metropolitanas, é bastante bom. Luís Barroso, CEO Mobi.e
    Porque se optou por ter uma empresa a gerir a rede de carregamentos do país? Temos uma empresa que é "dona" da rede?
    Não é dona e é bom esclarecermos isso porque existe muito essa dúvida. Este sistema começou a ser desenhado em 2009, 2010. Tínhamos a experiência muito boa do multibanco, que garante a interoperabilidade de um sistema em que os clientes, com o cartão do seu banco, o usam em qualquer parte. Procurámos centrar-nos na melhor experiência para o utilizador: fazer um contrato de fornecimento de energia e poder movimentar-se em todo o país, independentemente de o posto ser operado pela EDP, pela Prio, pela Galp ou a Powerdot, uma startup que hoje tem bastante força no mercado. Depois, permite agregar toda a informação e a Mobi.e é a gestora desses fluxos.

    Funciona como uma câmara de compensação?
    De informação. Recebemos a informação do que está a acontecer em cada um dos postos da rede e disponibilizamo-la, em tempo real. Por exemplo, ao utilizador damos informação sobre a disponibilidade dos postos, que atualmente é uma coisa única do mundo. Em Portugal temos os comercializadores de energia para a mobilidade elétrica, com quem o utilizador estabelece os seus contratos de fornecimento de energia. E nós fazemos a tal compensação, informando os comercializadores quais são os postos onde os utilizadores carregaram os seus carros e, logo, a faturação a fazer. Conseguimos, no fundo, um sistema totalmente interoperável

    E com isso, em Portugal, quem tenha um carro elétrico com um único cartão consegue carregar no país inteiro. Em Espanha não é assim. Essa é a grande vantagem?
    É uma das grandes vantagens. Se for a Espanha ou a qualquer parte do mundo, não é assim porque os sistemas não estão integrados. O regulamento europeu, aprovado em setembro de 2023, vem exatamente promover a interoperabilidade das redes. Mas somos mais do que uma referência. A Electromaps, que compara vários países, publicou o número de veículos ligeiros registados em 2023 e Portugal está em terceiro lugar com 31,8% de quota de mercado nos [carros] elétricos e os "plug-in". Representa mais de três vezes do alcançado por Espanha. E ficamos à frente de países que são potências na indústria automóvel, como a Alemanha, França ou o próprio Reino Unido e Itália. Apenas estamos atrás da Noruega e da Suécia que têm estratégias muito fortes de descarbonização.

    Uma queixa frequente é, por exemplo, quando se vai para o Algarve existirem filas para carregar o carro. Ainda há poucos carregadores?
    Os carregadores não estão dimensionados para procuras pontuais. Todos os dias há filas na A5, os autocarros e o metro estão cheios. Se formos a um supermercado também temos filas e eles têm muito mais experiência. Não é desejável, mas se estivesse num outro país não tinha alternativa senão esperar que aquele carregador ficasse livre. Em Portugal, a 5, 10 quilómetros, ou até a 500 metros, dependendo da zona, pode carregar o seu carro. Mas falando em vantagens, temos outra: a Mobi.e não se limita a ser um "roaming", também trata os consumos de energia. Lemos os consumos e informamos o setor elétrico o que permite segregar os consumos da mobilidade sem investimentos adicionais porque o contador é o mesmo. E isto permite criar um mercado de empresas que desenvolvem soluções específicas para a mobilidade elétrica.

    Que só produzem soluções de energia ou de carregamento?
    Só produzem soluções de carregamento. Por exemplo, a Miio, uma startup, desenvolveu um aplicativo que sem a Mobi.e, jamais teria tido essa oportunidade. Mas temos também a KLC ou a Powerdot que optaram por ser operadores. Ou o MyCharge ou outro fabricante que se dedique à fabricação de postos. É um ecossistema em desenvolvimento, com startups muito importantes.

    Um dos planos da Mobi.e é a internacionalização. Em que fase é que estamos?
    Estamos já a desenvolver um contrato na Colômbia e temos a expectativa de que ainda este ano vá originar mais contratos. Espero que na Europa, no âmbito da AFIR [o novo regulamento europeu aprovado o ano passado], nos surjam oportunidades. Porque temos uma experiência única.

    A tutela [do anterior Governo] incumbiu a Mobi.e de tratar do hidrogénio. Luís Barroso, CEO Mobi.e


    E quem é o concorrente da Mobi.e?
    A Mobi.e não tem concorrentes, nem quer. E não tem concorrentes porque, no caso, da informação, ela é agregada, não é um negócio. E as tarifas que cobramos, quem as define é a ERSE e apenas cobrem os custos com a atividade regular.

    Mas tiveram lucros em 2022. Em 2023?
    Não da atividade regulada, mas sim de outras. Também queremos a internacionalização para obtermos mais rendimentos e podermos apostar no desenvolvimento da rede. Queremos unir e servir de catalisadores do ecossistema. Estamos a preparar um grande evento dia 19 de abril, data da constituição da Mobi.e para promover a ligação com os nossos "stakeholders", que ali vão ter a oportunidade de responder e dar as suas sugestões. O compromisso que temos é, até 2025, termos 15 mil pontos de carregamento de acesso público.

    Como é que vê a Mobi.e daqui a cinco anos? Privatizada?
    Daqui a cinco anos espero que seja tipo um árbitro de futebol. Não tenho questões entre privatização e público. Aliás, o início do projeto foi assente numa entidade gestora privada, que não funcionou. Se calhar [se fosse privatizada] a confiança entre operadores não seria tão forte como existe com a Mobi.e.

    A SIBS é uma empresa participada.
    Mas é diferente, porque a SIBS gere uma parte pequena do negócio e nasceu quando o mercado já estava maduro. Nós nascemos durante a dinamização do mercado. No futuro, vejo a possibilidade de um consórcio de "stakeholders" dominarem o capital da Mobi.e, um bocadinho como a SIBS. Nesta fase em que ainda estamos muito necessitados de desenvolvimento, tem sido uma vantagem estar do lado público porque tem acesso mais rápido ao poder político e isso ajuda.

    A Mobi.e pode contribuir para outro tipo de mobilidade que não seja a elétrica?
    A tutela [do anterior Governo] incumbiu a Mobi.e de tratar do hidrogénio. Parece-me que faz todo o sentido gerirmos em termos de informação, de georreferenciação. Há aqui sinergias que devem ser aproveitadas.

    Há aqui muitas oportunidades ainda para a Mobi.e ao nível da mobilidade?
    Acho que sim. E inclusivamente este desafio da integração com outros modos de mobilidade. Num país como o nosso a mobilidade elétrica pode promover a independência energética e com isso geramos poupanças com a compra de petróleo e seus derivados. É pena não termos aproveitado a oportunidade para entrarmos na área das baterias ou até para termos um veículo elétrico português. Mas vamos agarrar o que temos e devíamos unir-nos, um pouco como os países nórdicos. Temos motivos para nos orgulharmos da transição energética na mobilidade que estamos a fazer, muito fruto deste modelo que não é bem-amado por todos, mas que dá resultados.

    O que está a condicionar é o preço dos carros que são muito caros?
    Mas cada vez mais baixos. Os custos dos veículos elétricos vão aproximar-se dos de combustão e a manutenção é muito mais baixa. E hoje, temos autonomias médias para mais de 400 quilómetros, o que é perfeitamente adequado para a maioria das viagens.

    A Mobi.e tem um futuro com muitas oportunidades pela frente?
    Penso que sim, assim o país saiba aproveitar aquilo que construiu nestes 13 anos e promova esta solução. Porque a Mobi.e, ao internacionalizar-se, também quer levar empresas portuguesas para o estrangeiro uma vez que se já estão integradas com a nossa plataforma, têm uma vantagem competitiva. E com isso todos nós podemos ganhar.
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